sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Dia Zero


A cada Outubro consciencializa-se. Em muitos Outubros os resultados dão positivo. Em outros tantos Outubros dão negativo. A minha pergunta é simples: 
Quando depois do Outono vier o Inverno e estiver mesmo muito frio, podes gastar um minuto da tua chuveirada rápida para te tocares? Ou na Primavera, na preparação para aquele primeiro dia na praia, quando depilas as axilas, tocas-te? melhor ainda - já te tocaste hoje? 
A cada Outubro as campanhas relembram-nos que desde o ano anterior nem pensámos nisso, mas vá lá, faz-me a vontade, é mesmo importante e tu sabes isso. Cria um hábito diário. Lavas os dentes sempre, certo? Então toca-te. Ou deixa que te toquem, olha que é bom.

Hoje é o dia zero para quem passou os últimos a contar pelos dedos quantos faltariam para acabar o tratamento. Hoje é o exacto dia de celebrar um ano do diagnóstico. Ironias, e a melhor é: Hoje é dia de agradecer estar viva. 
Se todas (ou apenas uma de nós) no próximo ano evitar ter o ano que ela passou apenas com um toque, tocas-te? 
Estarás a esta hora de regresso a casa. O tratamento acabou. Dia Zero, minha querida, hoje páras o mundo e descansas com toda a serenidade, amanhã que já respiraste profundamente, outra nova fase cheia de energia e claridade. 
Sei que vais ter um fim-de-semana cheio, muito mimo, abraços, sorrisos. A cada um respondes com uma pergunta firme: já te tocaste hoje?



sábado, 10 de outubro de 2015

A reportagem da SIC

As crónicas que escrevi baseadas nos telefonemas com o Pedro Lapa, em que acompanhei o carro que veio de Aveiro durante a viagem de 8 mil quilómetros, não ficariam completas sem colocar aqui o vídeo com a reportagem da SIC assinada pela jornalista Teresa Conceição e pelo repórter de imagem João Fontes. 
A todos, todos, estou muito grata. Bem hajam! À família de Ali e Nada, toda a felicidade que desejamos às nossas próprias famílias.


domingo, 4 de outubro de 2015

Uma família com três meninas

Pedro, hoje não é necessário o telefone. E agora que todos já dormem, apetece-me escrever-te. 
Quando me contaste que a família que vinha tinha três meninas pequeninas, eu chorei. De tantas combinações possíveis, quais as probabilidades de ser a mesma que a tua? Todas. Seria a minha resposta agora. O universo dá umas respostas que nos desarmam, outras simplesmente nos fazem sorrir (ou chorar de alegria). 
O casal Ali e Nada e as suas três meninas não sabem falar português, mas sabem a palavra PORTUGAL, porque na sua terra portukal significa laranja. Fiquei feliz ao saber isso. Se fechar os olhos e pensar em laranjas sorrio: ocorre-me a cor linda e vibrante, e ainda antes o cheiro satisfeito da casca rugosa e até mais ainda, o doce sabor sumarento. Não é magnífico pensar que uma palavra que para mim é positiva noutra língua se diz como portugal? 
Ali é alfaiate. Venderam todos os seus bens, transformaram-nos em dinheiro e fugiram não do país que amam, mas de um destino que sabiam ser fatal. Já preparavam a saída da Síria quando souberam que, durante um ataque, o pai do Ali faleceu. Mais força tiveram para apertar as três meninas nos braços e fugirem. Agora em terra com nome de laranjas doces, a Nada soube que a mãe tinha falecido num outro ataque. Ainda assim, o olhar baixo e comedido, que tem é tenaz. A forma de cuidar das suas meninas é tão maternal como a minha ou a sua. O futuro são elas, o que ficou para trás, sabiam, estava perdido. 
Pedro, ouviste quando o Ali, ali em Belém disse um sentir que o arrepiava? Percebeu-se isso nos gestos, no olhar, na forma de apontar, e o tradutor explicou o que ele dizia: o Ali apontava para o céu e abraçava o seu próprio corpo e olhava para o céu de novo atemorizado. 

Como podemos entender o sentir de um sírio, nós que somos do povo de brandos costumes? O Ali falava que escutar o som dos aviões no céu o deixava em pânico. Claro. Lá de onde vem, lá de onde fugiu, um avião no céu é sempre para se despenhar, para espalhar o mal, é a morte do pai, é a vontade de pegar na família e numa mão cheia de quase nada e desaparecer. Tu Pedro, no teu tom muito sereno disseste-lhe em inglês 'next year' asseguraste-lhe que depois do próximo ano, viria um outro próximo ano, que depois viria um outro e que aí esqueceria o som dos aviões. Mas os teus olhos a encherem-se de lágrimas atraiçoaram a tua vontade de apagar esse mal que fizeram a esta gente. Oxalá um dia consigam esquecer, e se não conseguirem, que seja o som das gargalhadas das filhas que os faça sorrir.
Em Belém hoje ouviu-se muito o riso simples dos cachopos. Um esplendor de bolas de sabão no relvado e todas as emoções à solta quando um arco-íris redondinho nos rebentava na cara, refrescando até o sorriso dos adultos.


 As tuas três meninas, Pedro, e as três meninas do Ali e da Nada a esta hora dormem confortáveis e serenas, como todas as crianças do mundo deveriam poder dormir.
Tu Pedro, esta semana fizeste-me crescer. O que me relataste nos nossos telefonemas e como percepcionei o que estava a acontecer a cada momento, era com tamanha dádiva e amor pelo próximo que me fizeste sentir... Aiii, nem sei como alguma vez te poderei explicar como te estou grata. És uma pessoa muito linda, Pedro Lapa!!
E o que tu Pedro e todos vocês fizeram esta semana foi muito mais do que oito mil quilómetros e ajudar quem ajudaram. Falo de outra coisa, e não, nem vou referir como nos desassossegaram o coração. O que todos vocês fizeram foi demonstrar a quem quiser ter a largueza de alma para o assimilar, que cada um de nós pode mexer as peças deste imenso xadrez, cada um de nós pode fazer a diferença, cada um de nós pode e deve sonhar, mas mais além pode fazer acontecer, e quando muitos querem e fazem o mesmo... o mundo pula e avança, e o resto já o sabemos: como uma simples bola de sabão arco-íris nas mãos de muitas das nossas crianças.



quinta-feira, 1 de outubro de 2015

é só uma família

A passagem da fronteira de Áustria para Itália foi tensa. A nossa caravana foi parada primeiro por causa de uma vinheta, e no outro carro, documentos. Burocracias, mas a evidência estava ali.
três crianças, um pai uma mãe. uma família como as nossas. o polícia reclamou, argumentou e a tudo foi respondido. um dos elementos da caravana (obrigadaaaa!!!) foi essencial na contra-argumentação. o polícia dizia mas a estação está cheia deles... e com muito amor foi-lhe explicado que estavam apenas a salvar umas vidas, estas vidas, pediram para olhar para eles todos, fizeram-no pensar que tinha uma família idêntica em casa e o argumento chave foi: "é só uma família!" vamos ajudá-los estamos aqui por eles, estamos a salvar uma só família dos muitos que estão na estação... é sóóóó uma família!


o senhor polícia em algum momento esqueceu a farda e ouviu o coração. (bem haja por isso!!!!)
a nossa caravana está a caminho e está tudo bem. agora neste momento estão todos bem. a caravana e a família como nós. 
acreditam em Deus, o Deus que seja? peço-vos. rezem para que cheguem cá bem. só isso.

N.B. - como bem sabem, não sou nem tenho pretensões a jornalista. como poderia dizer o outro, eu é mais livros eheh então por favor sigam por este link a notícia com os detalhes todos com quem a deve contar: a nossa querida Rosa Ruela, a jornalista da Revista Visão que acompanha a caravana desde o momento Zero.


uma coisa, antes que ligues

Antes que telefones, queria dizer uma coisa. 
Pedro, queria escrever um texto positivo, gostaria tanto que me relatasses cenários diferentes, mas sei, sabemos, que não seriam reais, não o que milhares de pessoas estão a viver a cada preciso momento que todos respiramos, estão privadas da sua liberdade, da sua dignidade, do que todos nós deveríamos ter por direito, assim o afirmam tantos papéis em gabinetes, fechados em gavetas e em quadros decorados pendurados pelas paredes. onde fica a acção real? saber que tantas crianças, famílias - as inteiras e as desfeitas - as que me contas ao telefone, as que os teus companheiros de viagem, um filmou, outro falou à rádio, outra publicou na revista, outro fotografa de modo tão tocante, todos partilham o seu olhar pungente do que têm observado - e mais - do que aí têm efectivamente feito, para que todos, todos nós que estamos de olhos postos na vossa viagem, nós que vos escutamos siderados e de coração nas mãos, façamos por fim, unidos, movidos pela mesma vontade de fazer algo mais que os gabinetes permitem, como dizem - até ver. 
Pedro, na estação de Viena de Áustria, aí onde a clausura acaba e o nada acontece, este 'até ver' magoa-me os sentidos, porque enquanto durar um até ver cinzento de gabinete, tu observas a criança que viste urinar-se pelas pernas abaixo porque nem casa de banho tem para ir.
E antes que ligues, porque não vais ter uma coisa bonita para me contar para eu escrever, deixa-me dizer-te: as crianças, sendo que são o futuro da humanidade, estas crianças todas - as nossas no conforto das suas casas e escolas, das que vêem imagens na net e tv e fazem perguntas, daquelas bem incómodas que fazem os pais rolar os ditos cujos no sofá e chutar para canto mudando para o canal infantil, às que estão informadas porque os pais escolhem explicar, até às ao outro lado da Europa, as que tens visto, conversado, relatado, e ainda às que guardas contigo e (ainda) não conseguiste partilhar, tudo o que estas crianças todas estão a viver as faz crescer num sentido diferente de outras gerações.
E quero muito acreditar que não será só na próxima geração, caramba!, estes pais não carregaram os seus filhos, se fizeram à estrada, e mais ainda mar adentro, por outro motivo se não o de acreditarem, na Esperança que na outra margem da vida, ela aconteceria. Como na música do Rodrigo Leão - coeur, fais ton chemin, l'amour est beau, il est partout, rêver sourtout. 
Eu quero acreditar que todo este adiar de até ver e inconseguimentos perpétuos não vão manchar o Sonho. o poeta não dizia que é assim que o mundo pula e avança?
E Pedro, deixa-me ainda dizer-te, já que estás quase a ligar-me, que temos visto acontecer uma coisa linda com toda a movimentação da vossa viagem. É um acordar... olha, é como lhe queiram chamar! Eu? escolhi chamar-lhe simplesmente de AMOR. e está a acontecer! é este despertar de consciências, este levantar o cu do sofá e 'bora lá! que está a suceder à nossa volta num momento paralelo ao de guerrilhas em campanhas eleitorais esvaziadas de sentido, é um toque arrebatado a reunir, um dar as mãos, e já nem é o embora fazer, mas o estamos a fazer!!! está a acontecer, vejo e leio um bocadinho por todo o nosso Portugal. e é tão bonito, tão comovente!!! somos um país de brandos costumes? sim, seremos, mas somos gente aguerrida e sã, generosa, voluntariosa e muito, muito hospitaleira. 
Pedro a todos e todas vós que embarcaram com o Nuno Felix nesta viagem, estou-vos tão grata!!! 
O meu telefone toca. 
- Olá! 'tás bem? Eu 'tou bem. Muito rápido.


Se quiser e puder, ajude nos custos da viagem do carro do Pedro Lapa pelo
NIB 0035 0836 0069 2517 3302 6 
Grata e bem hajam!!! 


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