quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Um triste espectáculo

estou numa estação de comboios de Viena Áustria, ando aqui às voltas a observar, nem imaginas, a quantidade de pessoas que estão a viver aqui. A viver como!? pergunto admirada. A viver, Ana. trouxeram-nos para aqui e não têm rumo, nem para onde ir, não lhes dão autorizações, não há respostas institucionais nem oficiais, então... ahhh estão por todos os cantos, famílias inteiras, com velhotes, com crianças, olha lá ao fundo improvisaram uma creche, e ali do outro lado umas pessoas com coletes daqueles fluorescentes colaram uma coisa por cima e são portanto algo como uma organização e estão noutro canto a ajudar, a distribuir coisas. assim, sem jeito nenhum... andei às voltas e estou aparvalhado com o que vi, vou desligar e tirar fotos para tu veres que nem sei como te descrever... olha, sei. estive aqui de um lado para o outro e a assistir a um triste espectáculo, é esse o nó no estômago com que estou, "a desumanização da humanidade", olha para o que eu estava guardado!... na verdade nem tenho vontade de tirar fotos, dói-me estas pessoas que todos nós abandonamos em qualquer canto como se a humanidade não fosse toda una. que futuro espera esta gente, nos espera a nós? que rumo tá este mundo desumanizado a tomar?
falamos mais logo,  um beijo. 









Opatovac, hoje.

Olá, 'tás bem? Eu 'tou bem. Muito rápido.
Olhando para trás, não foi só hoje, acho que todos os nossos telefonemas destes dias começaram assim. conversas muito curtas, mas intensas.
Hoje foi, de todos, o dia mais poderoso.
campo de refugiados de Opatovac.












Hoje não falei só com o Pedro ao telefone. muitas foram as pessoas que me contactaram, detalhes que acrescentaram que me fizeram sorrir e chorar. li o que outros elementos da caravana escreveram, filmes e fotos que conseguiram fazer e publicar à revelia das autoridades. Opatovac é um campo militarizado, fotos é algo absolutamente proibido e contudo, temos as nossas redes sociais inundadas, partilhadas e multiplicadas, das que a nossa gente conseguiu mostrar-nos - porque mostraram ao mundo. ouvimos as vozes deles emocionados a comentar in loco nos filmes que fizeram, ali onde estavam, mesmo na parte de cima do campo onde chegam as pessoas. viram autocarros só com crianças a chegarem, sem famílias, bebés de dois, três anos, filhos como os nossos, ali sozinhos, descalços ou mal agasalhados. e, num momento, conseguem filmar uma chegada, contam-nos emocionados das crianças a saírem de uma carrinha celular vestidas de sacos de plástico azul, alguns meninos de calções e sandálias com o frio que lá faz... e faz tanto!!!, mulheres e crianças, tinha essa carrinha sem lugares, sem janelas, sem condições.
viu esse vídeo até ao fim? (eu confesso, ainda estou presa às sandálias e calções...) e a quantidade de pessoas que saíram de lá de dentro?
os nossos portugueses transportaram com eles, de cá, cadeirinhas para poder trazer crianças em conforto e segurança, e estes meninos? como viajaram naquela carrinha celular? este transporte nós vimos, porque os nossos o filmaram. quantas mais pessoas viajaram nesta falta de respeito humano? milhares, dezenas de milhares, pelo tamanho de tirar o fôlego só deste campo. existe uma palavra em inglês que não sai do rodapé da minha cabeça hoje: overwhelming - é tão abrangentemente esmagador que tenho dificuldade em descrever o que nem consigo abarcar. e sabia. o Pedro Lapa estaria demasiado overwhelmed para me fazer a chamada telefónica seguinte à que falei no texto anterior.
Mas o telefone tocou. tás bem? pergunta de novo. Entrámos, Ana, disse-me, mais do que uma só vez, entrámos num campo que nos disseram que não conseguiríamos!, demos tudo o que trouxemos de Portugal e as necessidades são tão, tão prementes que não conseguimos ficar simplesmente a olhar. parte do nosso grupo rumou aos supermercados, e com o dinheiro dos donativos do crowdfunding trouxeram mais botas e agasalhos impermeáveis, roupas de bebé e nós voltámos a entrar. Pedro, e fotos?, pergunto inocentemente, ainda sem me aperceber completamente do dia que tiveram, não tenho fotos, Ana, decidi não tirar. responde-me. faz uma imagem, com sombras, sugere-me, e põe uma legenda, e descreve-me a legenda (que podem ver na imagem acima). e continua - depois, eram bebés a chegar, e sem roupa... comprou-se roupa de bebé dos zero aos três, sabes? um bebé tem de estar quentinho! tantas, tantas roupinhas pequeninas de bebé de colo... muitas botas, luvas, gorros, casacos e distribuímos tudo, foi maravilhoso ver a carinha das pessoas, das crianças, receberem roupas ainda com as etiquetas, novas! não ser algo usado, o que elevou a auto-estima de saberem que alguém os estima. vestirem-nas de imediato, a Vera só dizia "continuem a sonhar" e abriam um sorriso daqueles, naqueles rostos que só diziam exaustão. "existe muita gente com vocês". e os bebés?, entregarmos à senhora simpática da Unicef botinhas de lã, roupinhas agasalhos, tantas, tantas, não tens noção, foram duas monovolumes aos supermercados e voltaram cheias até cima!!, gastou-se tudo, tudo, mas tínhamos de o fazer, quem sabe um par de botas ou um casaco quentinho só faz diferença, as salva da hipotermia...
Eu sei que hoje vou dormir (dormirei?) mais tranquila por saber que a boa vontade desta nossa gente sã calçou e vestiu tanta, mas tanta pessoa que com o frio que lá faz - e não é o nosso frio, não canso de o repetir - está descalça, encharcada e enlameada. não estão mais. já não estão, não as centenas que esta malta ajudou. serão poucos/muitos para quem os nossos portugueses conseguiram deixar uma marca nas suas vidas. Tiveram a coragem de se levantarem do sofá atravessar a Europa e simplesmente fazer o bem e é tudo isto, por tudo isso,  que me enchem a alma. quando me deitar logo e tiver os pés gelados, eu tenho uma manta para me enroscar, você que me lê terá a sua e ainda um par de meias quentes, ou uma gaveta cheia delas. podemos dizer o mesmo de todas aquelas pessoas naquele campo, nos outros campos? aquelas muitas/poucas pessoas que a malta da nossa caravana ajudou, tão pouco que fizeram do muito que quereriam poder ter feito, esfregar de forma mágica o narizinho e nada disto ter sequer acontecido a estas famílias? isso não podem, mas o que puderam, fizeram. e para mim, para si que me lê, para os poucos/muitos tocaram num ínfimo ponto da alma. e caramba, se isto não é mudar o mundo, não sei o que seja. Bem hajam, malta linda!!! Que orgulho, que enorme orgulho tenho em todos vós!!! 
Não podem trazer refugiados? pois, porque não vão trazer ninguém. sabia-se que esse cenário poderia acontecer, mas entregaram em mãos o que daqui levaram. e o que lá compraram com a ajuda de tantos de nós. esse era um dos objectivos desta viagem. os nossos portugueses a esta hora que escrevo, estão exauridos, cheios de emoções publicam no facebook fiapos de sentires que nem conseguem descrever, choram ao telefone com os familiares e amigos de tanto que viram e jamais vão, poderão esquecer. 

Ouvi um polícia, sabes, Ana? daqueles fortes, preparados, responder a um de nós que lhe perguntou: como é estar aqui? e ele disse - no primeiro dia foi difícil, agora tenho a cabeça vazia. vejo chegar crianças sem sapatos, sem calças nem nada que as agasalhe, vejo e estou aqui sem fazer nada. e, assim do nada, começa a chorar e sai de perto de nós. e Ana, é um profissional treinado para estes embates psicológicos, mas isto aqui é tão forte, desumano...
A polícia lá, contou-me depois noutra conversa, apesar de toda a posição de força que mantêm, é constituída por... pessoas como nós. e não conseguem resistir-lhes, e porquê? porque são pais, são também famílias como as deles que vêm passar na sua frente, é a uma menina que se desequilibra eles estendem a mão, é os que ajudam a sair das viatura altas, é quando se baixam da sua postura militar e levantam do chão uma sacola de pertences que caiu e entregam na mão, sim acredito que com um enternecido sorriso. Fazem o que podem, Ana.

A um senhor da Cáritas perguntávamos o mesmo e disse-nos: nunca estamos mais de cinco dias e levantando a ponta da camisola, revela-nos: dentro da bolsa à cintura, uma lamela de comprimidos. só assim se aguenta, confessa-nos.
Para que o Pedro não desabasse, mudei de tom e pergunto-lhe: tens algum episódio diferente, engraçado, vá? pensa um instante e com voz sorridente conta: por acaso tenho. Há pouco, após se ter entregue todos os agasalhos e botas... faz uma pausa e diz num tom agastado, e eram tantos [os agasalhos] e eram tão poucos [os agasalhos], sabes? e continua atropelando-se nas histórias que quer contar rapidamente. é que tinha acabado de chegar mais um autocarro de bebés pequeninos e o Manzana estava tão perdido nos pensamentos, mais bebés sem roupa, estava mesmo desalentado... - Manzarra. corrijo eu. - Oiço-o sorrir ternamente. É um porreiraço, sabes? continua o Pedro naquele afã de me contar tudo em pouco tempo, eu nem sabia quem ele era... estava mesmo transtornado, tanta gente ainda por ajudar e não havia mais botinhas, e ele queria tanto poder voltar a sair do campo e voltar aos supermercados e calçar estes todos que chegaram, não tens noção do impacto que é em nós acabarmos de distribuir tanto tanto e ser tão pouco... e não podíamos fazer mais. então o Manzarra e eu caminhávamos juntos, ao lado de uma fila masculina de refugiados, porque... Ana, deram-nos liberdade de percorrer o campo todo e é imenso!!! cada vez maior a cada vez que chegam milhares de pessoas reestruturam tudo, buldozers a fazerem terraplanagens, acomodar mais pessoas (suspira) aqui estão a fazer tudo o que é possível fazer, e não é tarefa fácil, ficámos muito cientes disso, há tanto tanto para ser feito, é insano!!
Mas quero contava-te do episódio engraçado. caminhávamos juntos, ao lado uma fila masculina de refugiados, ele estava tão perturbado por termos visto chegar mais bebés sem agasalhos que sem se dar conta foi acelerando pela lama sem saber o que fazer, e eu atrás dele, disse-lhe, anda lá mais devagar, pá, quando um polícia o manda parar: STOP!! o Manzarra estacou momentaneamente desconcertado. o polícia estava a fazer-lhe sinal para ele ir para o final da fila dos homens. Ana, tive de sorrir, sabes? dei-me conta naquele momento: estávamos cheios de lama, pés, pernas, todos ensopados da chuva que não pára, ele tinha o casaco fechado, com o gorro na cabeça, imbuído nos seus pensamentos caminhava apressado e desalentado tentava buscar uma solução. era apenas mais um refugiado para o polícia!! fui eu que respondi ao polícia, SOMOS DE PORTUGAL! ESTAMOS AQUI PARA AJUDAR! e num Ahhh! acenando, mandou-nos seguir. - Os portugueses são credíveis assim? pergunto ainda admirada por sequer o ter questionado, - somos sim, nem imaginas como, continua o Pedro.

Puderam andar pelo campo todo - cá em cima na entrada até lá em baixo no vale, Ana, andámos por todo o lado - Puderam dar(-se), conversar, ajudar, ver e absorver toda a premência da ajuda humanitária que tarda em chegar - de cada vez que chegam refugiados, são muitas pessoas, muitas dezenas, muitas, mesmo muitas centenas. têm uma tenda na entrada com uma mesa imensa, têm sempre comida na mesa, para que, quem chega, ter uma primeira refeição. E é isso, também me tocaram as pessoas no terreno a trabalharem, é o polícia que ajuda a amparar um braço, é o sorriso bonito e a palavra de conforto que não falta... é Ana, eles estão a fazer o que podem, e quem está no terreno hoje, (apesar de à noite para fecharem os olhos terem de tomar um comprimido para não pensarem, sonharem), também são pessoas que têm famílias como estas, famílias como as nossas.


Se quiser e puder, ajude nos custos da viagem do carro do Pedro Lapa pelo
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terça-feira, 29 de setembro de 2015

os brinquedos da caravana do A.M.O.R.

Mário? diz à Madalena que o ursinho Winnie the Pooh foi entregue!!! 
os três elementos do carro que veio de Aveiro, Pedro, Vera e Carolina conseguiram entrar no campo de refugiados. e entregaram, entregaram, entregaram. agasalhos, roupas, comida, abraços, amor. os elementos que não conseguiram entrar voltaram aos supermercados, gastaram tudo o que tinham, compraram todas as botas, estas pessoas como nós estão sem calçado e está tanto frio com meia térmicas e botas de montanha...
é crianças por todo o lado, mães que procuram filhos pais que choram, famílias desencontradas, um horror sem palavras possíveis de encontrar. tanto amor por viver, para quê?
agora já saímos, estou cá fora a telefonar-te que não tive coragem lá dentro. eu sei, respondes-me, vi nas publicações dos outros e percebi-te. olha vou desligar, vamos de novo a outros supermercados comprar mais botas e casacos e voltar a entrar, vamos fazer isto o dia todo, enquanto der. mas antes de desligar, tenho de te contar isto: a ver se consigo....

e o ursinho, Vera? não te esqueças do ursinho... espera, a Carolina voltou atrás e foi buscá-lo, duas crianças de cinco e seis anos abeiraram-se de nós os três e a Carolina baixou-se, pôs o Winnie the Pooh nas mãos dela, e naquele momento, doía-me tanto os olhos das lágrimas que só conseguia ver estrelinhas, aquele sorriso que me está gravado nos ossos... acho que por uns momentos nem frio tinha. ao lado o menino de cinco, seria o irmão? era apenas uma criança síria de olhos enormes. meti a mão ao bolso e tirei o meu talismã na viagem, o brinquedo que o teu Pedro Lapeira me mandou para dar a um menino sírio. claro, quem o conhece... um carrinho!, uma pão-de-forma amarela com os desenhos de paz e amor. olha... acocorei-me e estendi o carrinho ao menino. avançou sem medo e ahhhhh... repetia em inglês thank you, thank you, thank you, thank you, thank you, mas tantas vezes, saltitava de felicidade, estava tão lindo! é tão simples, tão simples fazer uma criança sorrir, porque é que os crescidos complicam tanto?

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Está escuro

Vim cá para fora telefonar. Está um frio húmido, tenho roupa suficiente e ainda assim gelo. Vou para o carro e faço a chamada. Temos falado sempre a correr, mas hoje preciso contar-lhe. 
Eu vejo-os. 
Estamos num armazém ou antigo stand de carros em que a parte de cima é um hotel improvisado, à volta os campos estão cultivados, árvores ao fundo, a terra é bonita, penso, enquanto enrolo um cigarro. Anoiteceu e o frio é imenso. Fecho o casaco com um arrepio. Mesmo com o lume momentâneo de acender o cigarro, constato como se pôs tão escuro.
É quando as sombras mais melancólicas os encobrem. Estão por todo o lado, sabes? Ali, debaixo daquela árvore desalumiada. Será que estão abrigados da inclemente chuva?, é tão intensa e fria, muito fria. Cabisbaixos, cobertos com uma manta sem ser impermeável, estará encharcada certamente, e sob o esmagador peso da morrinha contínua, como podem estar agasalhados naquela escuridão? Mais além, vejo-os ensopados, enregelados, entorpecidos, enlaçados. Acolá, com crianças ao colo avançam em silêncio, os pés a enterrarem-se na lama pisoteada dos campos outrora cultivados. Tropeçam, caem, rastejam, reerguem-se. Sinto-os, descalços a avançarem, e o frio? É terrível, nem no nosso Inverno está frio como está hoje e nem Inverno é ainda! Vejo-os a arrastarem os poucos pertences que trouxeram, as mochilas com bens básicos que lhes deram lá atrás, toda a vida debaixo de um braço. E o frio húmido que me gela apesar da minha roupa polar, quente, seca, confortavelmente sentado ao volante do meu carro estacionado enquanto telefono. Temos de desligar, dentro de cinco segundos já vai para trinta euros, isto é horrivelmente caro, e incapaz de desligar, continuo. Semicerro o olhar para tentar vislumbrar no negrume da noite. Estão aqui, em todas as bermas, constato-o. Parece mesmo que os vejo, tão presentes estão por todos os recantos escuros. Aperto no peito que dói mais que a asma, não há remédio que alivie o que os meus olhos parecem ver emergir à minha volta, como a minha alma os sente. O som dos passos descompassados, ritmos e energias diferentes emergidas num deslaçar desconectado, olhares que percepciono esvaziados. Onde ficou o sonho? E contudo caminham. Vêem em cada fronteira o eldourado. Estugam o passo, afobam-se e o arame em rolos. Enlaçam mais o filho no colo. Porquê o arame?

Não tarda amanhece, vais ter um dia cheio de luz, lembra-me ela. E olha, vamos desligar, insiste, é muito dinheiro. Não consigo, deixa-me contar-te, digo. E escreve, peço-lhe. Escrevo sim, diz, vou ser os teus olhos, a tua voz, o teu coração, garante-me. Em breve amanhece, reafirma, vão ter um dia bom!

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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Vera, a co-piloto de Aveiro

Todos  os que estávamos na quinta-feira de madrugada no grupo de facebook Famílias como as nossas assistimos ao momento em que o Pedro Lapa deixou em aberto o lugar de co-piloto, porque ele, o condutor no carro que viria de Aveiro, pretendia fazer a viagem com companhia. Já o afirmei, queria mesmo muito ter sido eu. Fiquei, e decidimos que escreveria. 
Uma amiga comum sugeriu no grupo o contacto da Vera Valério Batista (também é de Aveiro), queria ir como voluntária, que o iria contactar, mas nesse preciso momento (para quem estava em directo online não tinha como saber), já se tinham adicionado e nessa altura já estavam os dois a conversar no chat a combinar a ida no dia seguinte. Simples, do nada. O Pedro anuncia no grupo que já tinha co-piloto. E foram. Já sabem: é para ajudar, é pelas pessoas.  

A Vera é enfermeira. Chegou cheia de sacos e embalagens. Medicamentos e material que poderia vir a ser necessário. Pensou em tudo, em muitos cenários. Simples, prática e sorridente. 
Uma amiga da Vera também foi ao jardim de Belém despedir-se, levou sacos de bens essenciais e também uma echarpe e um anel de talismã. 
O Pedro explicou-lhes que eu iria escrever sobre a viagem, que usaria as fotos e a amiga da Vera escolheu manter-se anónima, pelo que lhe assegurei recorrer ao efeito de mosaico no rosto. Já depois dessas fotos, na boa onda da brincadeira que se instalou, tiramos também a foto oficial de 'não dar a cara'.




Logo na viagem de Aveiro para Lisboa a Vera assegurou o volante e o Pedro arrochou. Fiquei muito grata. O Pedro no afã dos mil preparativos da viagem e de deixar planeado refeições e toda a logística para o bem estar da família, mal dormira. E não foi só isso... o papel de uma co-piloto num carro sem GPS nem net no estrangeiro é bastante importante, fundamental! E depois a Vera é naturalmente simpática, conversadora e a longa viagem ficou muito mais animada quando se partilha, se canta e até se dança!! 


Em Madrid entrou mais uma pessoa para o carro que veio de Aveiro. Três a bordo, o mesmo propósito: ajudar quem nada tem. 
Foi um fim-de-semana duro, mal dormido, imensos quilómetros e muitas mais decisões a tomar. 










Segunda-feira já acordam em Liubliana, na Eslovénia. Tudo está em cima da mesa. O dia começa, os contactos estabelecem-se e todos nós de olhos postos nestas famílias como as nossas. Sabemos que farão o melhor!
Vera... obrigada por tudo minha querida!!

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domingo, 27 de setembro de 2015

Paris pode esperar

Assim é o Pedro Lapa.
Há anos que as meninas pedem para ir a Paris e Londres, talvez por conta dos livros e filmes que vêem, mas a vida não dá para isso, não dá para tantas solicitações e umas vão sendo preteridas, outras escolhidas, vividas intensamente, saboreadas até à última migalha. São três as meninas, três filhas maravilhosas que o amam e têm tanto por onde se sentirem gratas e orgulhosas do pai que têm.
Ainda outro dia, num jantar de amigos surgiu um apelativo convite, uma viagem, passear, férias. Confidenciava-me: "Mas se não consigo viajar sem elas...!" em cada acção da sua vida este pai põe as suas filhas na frente. "As meninas ainda não andaram de avião e agora vou eu...?" de cada vez que serve a refeição que cozinhou, este pai comove-me com um gesto que não via deste a infância. a minha avó Rosa fazia-o e nunca mais vi ninguém fazer. até ao Pedro. este pai sempre põe mais quantidade de comida nos pratos das filhas que no seu próprio. "Então eu não vou com as cachopas a Paris nem a Londres e vou acudir as pessoas que precisam?" e foi.
Sim, este é o Pedro.

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sábado, 26 de setembro de 2015

O carro que veio de Aveiro

Já me tinha despedido do Pedro em Aveiro, mas ficar sentada a assistir à sua partida pela net e tv era impensável. Desafiei o Mário, um amigo nosso, e fomos ao encontro do Pedro Lapa no ponto de encontro da caravana, nos jardins em Belém. Tínhamos de o acompanhar, levar algumas coisas, tinha... mais um abraço. 
Como nós, muitas foram as pessoas que chegaram de porta-bagagens cheios de caixas e sacos. Agasalhos, mantimentos, brinquedos, cadeirinhas de bebé. Sim. As famílias que trarão têm filhos como nós, e é necessário transportá-las em segurança de volta, a casa, às suas novas vidas.
Os dois amigos Nuno Félix e Pedro Policarpo desconheciam quantos carros integrariam a caravana das pessoas que demonstraram intenção de os acompanhar.
Seis carros, os que partiram de Belém. Acredito que dentro de cada carro haja uma história para contar. Eu vou focar-me na do carro que veio de Aveiro.
Condutores, co-pilotos e todo o espaço das seis monovolumes preenchidos pelos inúmeros sacos e caixas, dádivas de tanta voz anónima que se juntou nesta onda maravilhosamente comovente.
Abdul Wahid foi uma das pessoas que apareceu. As mãos cheias de sacos que generosamente distribuiu, um por cada condutor. Sacos repletos de comida bem acondicionada do seu restaurante Zaafran no Largo D. Estefânia em Lisboa.
O Pedro é vegetariano e assim que o Abdul o percebeu, imediatamente teve o cuidado de trocar, de todos
os sacos que levou a mais, refazendo ali o saco do Pedro para todas as opções veggie.
A comunicação social esteve presente. Foi filmando e fotografando em diversos ângulos e olhares o momento sereno e emocionante que antecedeu a partida da caravana.
Na despedida o imenso orgulho de familiares, amigos e pessoas que quiseram simplesmente felicitar esta gente sã que partia para o outro lado da Europa, traziam tanto amor no olhar, nos gestos, nas palavras que disseram, nas que ficaram por dizer... comoveram-me.
A Revista Visão acompanhará a caravana do princípio ao fim, com a jornalista Rosa Ruela e o repórter de imagem Tiago Miranda, fazendo uma fascinante reportagem em directo do carro do Nuno Félix ler aqui as primeiras impressões  que foram logo publicadas. 
Também a SIC apareceu com um carro reportagem, incorporando a caravana todo o percurso de ida e volta, com a jornalista Teresa Conceição e o repórter de imagem João Fontes que, contaram-me, guardarão os conteúdos e a reportagem surgirá depois.
No fim.

Devo confessar - antes de terminar este texto de hoje - que fui eu que ajeitei o Winnie de Pooh na janela do carro do Pedro com o simples intuito de ficar giro para bater esta foto porque a quero mostrar à Madalena, (a filha mais nova do nosso amigo Mário), que ofereceu dos seus brinquedos, para os meninos que não têm nada. Era uma coisa simples, mas num ápice todos os repórteres de imagem viram a mesma 'coisinha fofa' e o ursinho de peluche da Madalena foi amplamente filmado e fotografado, apresentado em todos os telejornais, até roçou o exagero quando a chamaram de 'imagem da noite'.


Para mim, a imagem que retenho como 'a da noite', foi o Pedro a recusar com tanta serenidade, a jornalista após jornalista, contar a sua história, explicar porque veio de Aveiro, porque isto ou aquilo, apenas porque o fez pelas pessoas... 
E o momento da noite deu-se. 
A uma jornalista mais respondia no seu tom de voz pausadamente sereno e pleno de amor, explicava que o enfoque seria para quem teve a ideia, o Nuno Félix e o Pedro Policarpo, ele era só um carro mais, que o fazia apenas pelas pessoas, e para poder salvar apenas mais uma família, e quando olho para a senhora jornalista a fazer um esforço imenso para não chorar com as palavras que ele proferia para explicar a sua recusa em dar a cara, os gestos calmos, o olhar imenso... abeirei-me dela e disse baixinho enquanto o Pedro falava: "ele provoca mesmo esse efeito nas pessoas." O Pedro parou imediatamente de falar e foi quando ela começou, já com as lágrimas não contidas pela cara: "É isso mesmo! Há pessoas que são tão extraordinárias que as percebemos sem precisarem dizer nada......" 
Foi tão lindo esse momento e a conversa aconteceu. Sem gravador. O Pedro falou. E a senhora, a vir a escrever alguma coisa, sei que o fará de uma forma iluminada. 

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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

É pelas pessoas

Todos lemos a notícia sobre dois pais de família portugueses, Nuno Félix e Pedro Policarpo, que vão à Croácia buscar refugiados. Um acto isolado? É antes uma onda de amor, de franca solidariedade que se gera em torno desta iniciativa destes dois amigos. 
Sentimos nas redes sociais as pessoas 'fervilhantes' que se movimentam, que querem participar, ajudar. 
Agasalhos? Sim, vai ser necessário. Mantimentos? Certamente. 
E pergunto: dois pais de família? 
Só agora, vamos saber de facto quantos carros particulares vão alinhar no ponto de partida, em Belém,  ao lado dos dois monovolumes que nessa semana, ao invés de levarem os seus filhos à escola, irão buscar famílias, crianças que mais que escola, precisam de uma vida - precisam de paz, precisam de brincar e sorrir como todos nós mães e pais almejamos para os nossos filhos. Porque foi com base neste pressuposto que estes dois amigos iniciam esta viagem: vamos lá buscá-los, porque são famílias como nós.
Vão ser mais de dois carros, mais de duas famílias de refugiados ajudados. 
Pedro Lapa, um outro pai de família, leu sobre a viagem e imediatamente se mexeu: entrou em contacto com os dois amigos, saiu de Aveiro para se reunir à caravana em Lisboa. 
"É pelas pessoas" disse-me assertivamente, enquanto falávamos já sobre a viagem. Parámos quando recordei que ainda no Verão o Pedro me disse: "vou ao norte de Itália buscar pessoas". Parei ao tentar avaliar a diferença que teria feito à tal uma família que permaneceu tantos dias de sofrimento a mais. E o Pedro parou-me de pensar no que ficou por fazer, mostrando-me simplesmente o que se faz. E o Pedro vai buscar essa uma família a quem a sua dádiva de amor incondicional pelo próximo o faz ser como é, e o que o move faz acontecer: a uma família a quem vai fazer a diferença de uns dias que sejam, de um só pesar evitado, menos uma lágrima por verter, é um abraço, uma chávena de sopa quente, um cinto de segurança no carro, um país soalheiro e hospitaleiro para os acolher. "É pelas pessoas, Ana"
Eu quero muito ir, ajudar porque sim. Não podendo, escrevo. E vou escrever.
Esta onda de amor ultrapassou barreiras e fronteiras e estes dois amigos, Nuno Félix e Pedro Policarpo, gostam de frisar que nada pediram, apenas vão porque o coração assim mandou. Sem mais.
Graciosamente acolheram de braços abertos quem quer de igual forma ir para trazer mais uma família aproveitando a máxima que esta união fortalece o intento inicial.
Têm o especial cuidado de responsabilizar cada condutor que os acompanhe na caravana que foi surgindo, sublinhando que cada um é responsável pela sua viatura, pelas despesas inerentes, pelas pessoas que trarão na viagem de regresso, pela sua alimentação e bem estar.
Pedro Lapa já chega a Belém com doações de pessoas solidárias de Aveiro - agasalhos, alimentos - e também de coração pleno, consciente que só poderá trazer uma família com os respectivos filhos, mas que para essas pessoas, estas pessoas que daqui partem, fazem toda a diferença.

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