sábado, 26 de agosto de 2017

Melhor Dia!

Melhor Dia – diz o Pedro quando quer expressar a sua felicidade a cada momento que sente especial. Hoje para mim é um melhor dia.

«Amanhã faço 28 anos, igual ao da Carris», disse-me o Pedro ontem. 
Ao longo da nossa vida de mãe e filho fui escrevendo muito, partilhando uma experiência única de ser mãe a solo de uma criança diferente a quem ensinei tudo, até a sorrir. 
Cedo percebi que o que outra mãe tinha como garantido e natural, para mim teria só após longa conquista. Ensinar um filho a sorrir foi, talvez de tantas, a experiência de que guardo a recordação mais agridoce. O Pedro era um bebé lindo com um profundo olhar aborrecido para a vida e eu, abracei interiormente a ideia de o trazer para a minha vivacidade e alegria. Foi um moroso processo de muitas fases, desânimos e superações, demorou longos oito meses essa primeira de muitas conquistas e, quando o meu filho por fim me sorriu com aquele sorriso encantador que tem, foi um momento avassaladoramente maravilhoso de único, contudo, nesse momento tão feliz, eu mãe não tirei foto, eu chorei. 
Ainda hoje sinto esse momento de forma tão vívida, por ter sido o ponto que marcou toda a diferença: iria sempre ser assim. Eu não iria ter a leveza que as outras mães tinham na vida de, a cada momento feliz, a cada sorriso dos seus bebés, tirarem uma foto, imprimirem e mandarem aos avós babados. A comunidade médica foi dura e desenganava-me a cada consulta e exame durante os primeiros dez meses de vida dele: o meu bebé nem iria ter vida, não iria fazer, não iria conseguir. Porém eu respirei fundo e acreditei nele. E o Pedro fez e o Pedro conseguiu. Chegou à adolescência como um jovem promissor, chamavam-lhe a estrelinha da companhia por ter superado tanto, por ter conseguido o inimaginável. Até ao dia que ele tomou consciência que não teria o futuro que desejava. 
Eu sei que criei, mais que tudo, uma pessoa boa, com valores, carácter e bom coração. E sei que ao meu filho dei vida duas vezes. A terceira, a que eu sonho para ele, falhei. Até ver. Na vida, às vezes, temos de dar um passo atrás para depois conseguir caminhar os dois seguintes em frente. 
Escrever e catarse são grandes amigas que vivem de mãos dadas e eu abracei-as profusamente desde a adolescência até à idade adulta do meu filho. Quando releio algo meu, tenho dificuldade em relembrar que foi assim e logo sou assaltada por memórias que escolhi esquecer. 
Gostaria que tivesse sido diferente, ao amargo Inverno que atravessamos nos últimos dez anos. 
Tornou-se impossível vivermos juntos, e de tantas decisões difíceis que tomei como mãe a solo, esta foi a mais dolorida e amarga. Foi também a mais sã. Eu sei, a coragem que tive para dar esse passo foi imensa, submergi muitas vezes, no antes e no depois, mas sempre com o olhar posto na linha de água. 
Hoje o Pedro faz 28 anos. Há muito que amadureço a ideia que vou ter coragem de mais um passo que sinto tenho de dar para voltar a ser gente: voltar a estar com o meu filho sem sentir medo dele. Foram dez anos de uma profunda e horrenda violência de que não tenho vontade de voltar a escrever. Antes desejo muito chegar ao capítulo seguinte, mas sinto que não posso folhear, passar em frente sem vivenciar cada página desta nossa história, deste medo insano que escondo até de mim. 
Hoje vamos estar juntos, hoje vamos ter um melhor dia! 
O Pedro não sabe. Vai ser uma surpresa para ele. Nem poderia ser de outra forma, já que na ansiedade da antecipação do que tanto anseia, perde-se. Eu quis muito encontrá-lo, ao Pedro que se perdeu pelos 16 anos. Talvez eu mesma tenha aprendido da pior forma que o mundo das minhas expectativas é um e o real é outro. Talvez eu não tenha tido tempo de crescer como mulher, presa que estava a ser mãe. A par de ensinar o Pedro a sorrir, guardei a Ana numa gaveta para depois mais tarde a viver. Tinha 25 anos. Só vim a reabrir essa gaveta com 52 e não soube o que fazer com aquela menina, não me reconhecia nela, mas também não sabia o que a de 52 queria. Então dei-me esse tempo, “permiti-me pensar-me” e aconteceu: cresci. 
A esperança é uma malandra que sempre correu na minha frente, abanando o rabiosque, fazendo caretas, desafiando-me. A menina da gaveta ficou onde deveria permanecer: no passado. Tal como o meu Pedro brilhante e promissor. Hoje é o adulto que completa 28 anos que perdeu muitas dessas capacidades. Mas tem tantas outras! E a génese, o que eu amo profundamente no meu filho, está lá toda! Bendita esperança que me faz ver a sua bondade – de quem literalmente tira do corpo para dar a outro, o seu intenso sentido de justiça – quando fala claro o que os seus pares não verbalizam para se poderem defender, a pureza cristalina do seu sorriso – quando me olha directamente nos olhos e faz com que apareça em linha de rodapé a incontornável melodia da sua vozinha a bradar bem alto: «Melhor dia!»




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