sexta-feira, 8 de abril de 2011

A violência no autismo acontece

Pedro & Ana
Foi uma conversa longa com a jornalista Patrícia Machado da RTP1. Supostamente seria mais uma entrevista - esta sobre o Dia Mundial para a Consciencialização do Autismo e acabei por perceber, já depois de terminada a reportagem que se iria inclinar para este tema... falámos tanto, mas este foi o foco de interesse: era novidade, e até o entendo do ponto de vista meramente jornalístico. Na realidade é um assunto que não me agrada, mas não o nego - não me calo que deveria haver mais ajudas para as famílias. Gostei da forma como a Patrícia abordou o tema na reportagem, sem o drama... o horror... mas sim com honestidade, e sem nunca esquecer que para além da agressividade, o Pedro é doce, doce, doce. Dia 2 Abril é um dia pintado de azul, mas o autismo tem muitas cores e definitivamente porque muito que se azule a questão, não é só azul. A violência no autismo acontece. Não é a face mais visível (para o bem-estar de cada um de nós), mas é uma das faces. É real. Escamotear a verdade não faz com que ela desapareça. Quisera eu.....
Cristo-Rei de Azul
Inicialmente escondia. Tinha o meu filho 16 anos. Chamam-lhe violência dirigida. Eu tinha vergonha e demorei muito tempo a entender que tinha MEDO. E era só comigo, a pessoa que ele mais ama.... Eu? Só queria entender. Sempre tão próximos, tão unidos, como!?, mas como num repente tanto acontecia?
O que mais odiei, após a primeira vez, foi o facto de NINGUÉM me ter avisado que poderia acontecer. Nem médicos, nem outros pais de jovens mais velhos. Nunca tinha lido nem ninguém mencionou que um autista pode ter comportamentos de agressividade extrema - para com ele próprio (auto), para com outros (hetero) ou mesmo dirigida a alguém em especial.
O meu Pedro não acredita em auto-agressão, comenta até sobre os seus colegas que o fazem que serão uns palermas, porque se magoam. Contudo, já com a violência dirigida fica revoltado porque a aplicam a A ou B especificamente por achar injusto. Quando ele próprio o faz (inicialmente era só mesmo comigo), fá-lo momentaneamente (este momentaneamente pode durar horas) e logo se arrepende, fica destroçado.
Um dos grandes problemas do Pedro nem posso dizer que seja o autismo. Ele tem outras patologias associadas sendo a mais bizarra ter défice cognitivo e ser extremamente inteligente. Na prática? Tem perfeita consciência do que o rodeia, da sua dificuldade em entender completamente e de se mover enquanto pessoa neste mundo que chamamos nosso e que é também deles, afinal, não temos mais nenhum para lhes oferecer!!
O que o meu filho mais queria era ser "normal" e essa percepção de uma realidade que nunca poderá ser a sua, revolta-o de um forma que nós, os que temos a normalidade como adquirida, não poderemos jamais aferir...
Consegui chegar até ele no entendimento do porquê que se revolta e, tendo a ideia errónea de que eu-mãe sou uma extensão do seu ser, como que um terceiro braço dele, incomoda-o sem que consiga ter a real percepção que não o sou e que não posso fazer pufff e fazer com que num toque de magia ou numa vontade suprema de o ajudar o faça ficar "normal". Esse é na minha opinião o motivo da sua violência dirigida.
Pedro & Ana
Depois e talvez por termos vivido demasiado só nós os dois, sempre juntos, sempre tão unidos, digamos de uma forma elegante por falta de comparência de outros elementos de agregado familiar, eu como mãe precisei de lhe dar asas e deixá-lo voar. Foram precisas muitas conversas duras que vários médicos e técnicos tiveram comigo para que o entendesse e chegasse ao ponto de aceitar. Era tempo de cortar o cordão umbilical que em tempos idos não nos cortaram num parto que foi difícil e que ao longo dos anos eu não tive a vontade, o instrumento ou o tempo para pensar nisso ou efectivamente o fazer. Mas tardiamente esse tempo chegou e o terceiro braço precisava ser quebrado. Era tempo do meu filho entender que havia outra visão para além da que a mãe lhe transmitia – outros mundos, outros seres, outras formas de pensar, de agir e estar para além da mãe. Que dói deixar um filho ir? Uiii. Faltam-me as palavras. Não consigo ainda hoje saber a qual dos dois custou mais. Porque em mim ficou um vazio que nada nem ninguém repõe. A constatação de que, após muito tempo, tê-lo deixado voar fora do ninho, me faz ver agora o meu filho integrado, cooperante, organizado, a trabalhar, a produzir e feliz deixa-me a serena noção que perante o momento mais difícil da minha vida, agi e reagi com a razão que apenas o bom-senso de mãe nos sabe segredar. O meu filho está num C.A.O., tem a sua casa com os seus colegas (de uma forma protegida) e vem a casa todos os fins-de-semana, feriados e nas férias.
Mãe & Filho

Eu própria cresci como pessoa. O vazio sem me dar conta substitui-o dando-me aos outros. Ajudar ajuda-nos com um retorno que nunca esperamos, mas nos acaricia e reconforta a alma.
Se quando o Pedro está comigo continua a ser violento? Tem os seus momentos sim, não o nego, nunca o fiz nem o calarei ou aceito como inevitável, mas já aprendia superar o mais terrível - o medo - e tenho vindo a aprender como ajudá-lo no momento que a cabeça lhe ferve e não consegue parar, pelo menos que não avance. Fácil? Não é, nunca será, vivo bem com esse facto. Nunca páro de tentar encontrar uma melhor solução para que os momentos difíceis sejam menores e toda a incrível doçura do meu filho Pedro regressem ao seu olhar. Mil truques são necessários? Então mil e um usarei, e a cada instante que vejo o seu olhar escuro iluminar-se sei que consegui apenas mais uma das nossas batalhas e o sorriso a crescer naqueles olhos negros como azeitoninhas faz-me sentir enleada no cordão que não há forma, nem vontade nem instrumento que o corte. Aí é o coração que aquece e somos uno.

Reportagem Telejornal RTP1 dia 2 Abril 2011




8 comentários:

Isabel Barbosa disse...

Ana! Não tenho nada para te dizer, depois do que li! Apenas agradecer-te por toda a coragem que passas para as palavras que deitas para fora, através da tua escrita e agradecer-te pela ajuda que me prestas e prestas a quem de ti necessita. BEM HAJAS!

Unknown disse...

Ana, quanta generosidade nas suas palavras! Foi uma luta, também para mim jornalista, pôr em 2 minutos e meio a sua "cruzada", um bocadinho da sua vida! Gostei de conhecê-la, acredite...a si e ao seu doce Pedro. Adorei que me tivesse oferecido...alfazema! Mande-lhe, por favor, um abraço.;) Votos das maiores felicidades. Bj Patrícia Machado.

Unknown disse...

Ana! Quanta generosidade nas suas palavras! Deste lado senti também uma luta imensa para pôr em 2 minutos e meio um bocadinho da sua "cruzada", da sua vivência. Gostei de conhecê-la, acredite, e ao seu doce Pedro. Adorei que me tivesse oferecido...Alfazema!! ;) Espantoso. Votos das maiores felicidades para si e família. Até uma próxima oportunidade. Há tanto a dizer sobre o Autismo, não é?! Bj. Patrícia Machado

gloria ribeiro disse...

Que dizer?..apenas a mesma coisa que disse quando vi a entrvista:
Ana quanto mais te conheço mais te admiro.....bjs para ti e pa o Pedro....

binha disse...

Tantos sorrisos ;)

Unknown disse...

Cara Ana,
li o "Autista, quem...? Eu?" assim que saiu e fiquei tal como estou agora: com um nó na garganta e o coração muito emocionado.
Também sou mãe de um menino com autismo (S.Asperger). Tem 12 anos e é um verdadeiro doce! Tudo fazemos para o "meter" no mundo e vêmo-lo feliz, esforçando-se por ultrapassar as dificuldades que os outros não imaginam. É o meu herói!
Obrigada pela sua partilha tão franca, delicada e cheia de amor. A verdade é para ser dita, porque fora dela nunca seremos felizes. É preciso muita coragem, encher o peito de ar muitas e muitas vezes, recomeçar, procurar mais forças... Mas conseguimos - o AMOR vence tudo!
Um abraço enorme para o Pedro e para si, com muito carinho,
Maria Ana Toledo Rolla
(em Leiria)

Ana Martins disse...

minhas queridas,

Há textos que tenho dificuldade em comentar ou responder individualmente. Saibam que estão no meu coração.
Obrigada!

Érica Santos disse...

Anita, cada dia que passa e te conheço mais um pouco admiro cada vez mais você, uma mulher guerreira, que não procura não só buscar conhecimento para si, e sim para ajudar a muitas famílias que passam pela mesma situação, eu sabia muito pouco sobre o assunto, agora que cheguei em casa, entrei no seu blog pessoal e tô aqui lendo.... lendo...não tenho muita coisa para dizer, só te digo, não pare, não tenha medo e enfrente que for preciso.....te adoro e te admiro....

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