quarta-feira, 25 de julho de 2012

José Hermano Saraiva e a Menina do Liceu

A Malta do Liceu no final da década de '70 era muito irreverente, ainda na onda da revolução por uma liberdade que, por sermos tão miúdos, nem sabíamos bem o que fazer com ela. E depois naturalmente nestas idades há sempre os engraçadinhos que se destacam ou pensam ter destaque que em todas as gerações brincam de bobo da corte.
Estávamos em 1977 e um dia no liceu não ia haver aulas  - sim, de novo - a cada instante acontecia algo que suspendia o rigor académico para regozijo da malta.  Dessa vez  o ginásio não estava transformado para mais uma R.G.A. (Reunião Geral de Alunos), era só um senhor que ia falar. Eu sabia quem era o senhor e até tentei motivar colegas a irem assistir em vez de mais uma vez escolherem o futebol ou o café. Eu gostava do senhor e escolhi estar bem na frente a escutá-lo contar histórias da História. 
No final da sua prelecção, na parte que reservou às perguntas, um qualquer bobo da corte de serviço fez uma pergunta que jamais esqueci a resposta que o senhor deu.


Naquele ano estava a passar na televisão uma telenovela que agora está no ar a sua versão actual. Não assisti nem em '77 nem estou a assistir agora, mas quis um feliz acaso que tivesse ligado a TV na semana passada a tempo de perceber que seria o episódio que iriam matar uma personagem Salomão Ayala e essa memória remeteu-me a '77, não à novela que não vi, mas ao senhor na fantástica resposta que nunca esqueci. 
E achei-me num momento carinhoso e deixei-me ficar imbuída nesse sentir a ver esse episódio de novela cuja qualidade de texto continua a não me inspirar como cliente... 
Não assisti à morte em '77, mas vi agora o episódio da semana passada. Na época havia um canal só e era apenas uma novela por serão, daí que a morte de Salomão tivesse tido
 um momento áureo que certamente esta versão já não viu brilhar. 
Quando ainda no mesmo dia vejo passar um tweet com a notícia da morte, não de Salomão, mas do Senhor, devo confessar que me quedei entre a estranheza e o incomodada...
Volto a '77 e a um ginásio apinhado que, num respeitoso silêncio, ouviu todas as histórias do senhor, e nas perguntas, um engraçadinho levanta a mão e questiona: 

«Se sabe sempre todas as histórias, diga-nos: Quem matou Salomão?»

O Senhor deixou que todos gargalhassem abundantemente e eu recordo como traguei aquele momento e fiquei expectante, sedenta da resposta que seria certamente acertada e certeira. Com o seu timbre inconfundível aproximou-se por fim do microfone e respondeu:

«Se assistisse à novela até poderia responder sobre as personagens envolvidas neste mistério que faz parar Portugal para pensar quem matou Salomão, mas como não vejo, sobre as personagens não poderei falar. Mas sei quem matou Salomão. (de expectante passei a exultante - claro que o senhor tinha resposta para o engraçadinho!!!) Disso não tenhamos qualquer dúvida até porque a história tende a repetir-se em todos os tempos. Quem matou Salomão foi a ganância, a avidez, a inveja e a perfídia.»

Faleceu o grande Senhor José Hermano Saraiva, mas connosco fica a sua generosidade deste enorme contador de histórias da nossa História.



quarta-feira, 18 de julho de 2012

A Ana Martins é a Praia da Nazaré

Vamos lá esclarecer: quantas vezes já afirmei que não sou eu??? A capa deste meu livro não me define, já a escolha desta foto para capa deste livro... são outros quinhentos.


a foto é de autoria de Bárbara Carvalhal, e a fotografada é uma amiga. Não é foto minha com 20 anos!!, mas poderia ser, e essa foi a beleza na escolha desta capa de livro, até porque... é na praia da Nazaré!!! E sim, isso já tem história e divulgada aqui neste site de ganga vestida, mas se ainda não conhece porque a imagem de Praia da Nazaré me encanta para além de uma explicação normalizada... leia ou releia.



Curiosamente, foi muitos anos depois, na escolha da foto para a capa do último livro EVO (igualmente autoria de uma das eleitas desse desafio, a Bárbara Carvalhal), em que reafirmo pela última vez - não sou eu na foto, mas poderia ser - por TUDO o que a foto demonstra e o TANTO que o livro representa - poderia ser eu... mas não sou. Então, sem me dar conta, na escolha da capa deste livro, fecho este ciclo, ao encontrar por fim "a minha imagem" perfeita "aos meus olhos" do que o meu amigo autista provavelmente vê em mim, quando diz a cada vez que me vê (e sim, di-lo com frequência, ano após ano, não muda o que vê em mim):

clique para ouvir o Pablo dos Neruda

Neruda - Canta, Dança, Actua só para mim

(também este poema de Pablo Banazol define Ana Martins)
¡¡esto es tan Anita!! 
¡¡Muchísimas gracias ao Pablo!!


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Prenda de casamento

Nos dias de hoje em que proliferam os relacionamentos descartáveis, o «agora estou bem depois logo se vê»... mas ainda existem pessoas que realmente estão bem juntas!, porque vale a pena esse investimento pessoal e até se casam simplesmente porque se amam.
Conheci a Fernanda e o Bruno ainda eram só namorados, mas a cumplicidade entre ambos sempre me comoveu.

Estes dois - pensei eu - são e vão ser sempre um casal. Sente-se nos pequenos gestos do dia-a-dia que sem se darem conta que partilham com outras pessoas, na aceitação das divergências, na forma de lutarem pelos mesmos objectivos. Aqui há uma bonita história de amor, de cumplicidade,  uma união que vai fruir!!!
clique para ouvir a música
Os Azeitonas - Anda Comigo ver os Aviões

Veio a ideia de uma prenda original.
O meu último livro - EVO - fala de uma inesquecível história de amor eterno. E num repente, tudo me pareceu encaixar num dia de festa, emoção e celebração do amor.
Na realidade este mês de Julho os meus livros estão a atravessar o Atlântico para uma primeira remessa de encomendas que temos no Brasil.
Mas a minha ideia não é oferecer meu livro EVO para os noivos, já que a Fernanda e o Bruno são meus leitores, mas sim... para um convidado deste casamento em Curitiba!!!

E como vou fazer isso???

Para os noivos desejo a maior felicidade para o próximo dia 15 de Julho e para todos os dias que se vão seguir, com todas as suas noites.


E para o meu próximo (e improvável, não fosse esse leilão) leitor ou leitora que licitará este meu livro no Brasil, deixo aqui um breve resumo do que a crítica em Portugal fala do EVO para saber que livro vai ganhar.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ler à lareira

Sabem como é? Ir no carro, de cabelos ao vento, à velocidade de mil pensamentos, embrenhados nos problemas do nosso corrido dia-a-dia e, num repente, a música que passa no rádio transporta-me ainda mais célere para um doce 'rincón' de minhas memórias, uma música dos anos setenta!... e é tão tão Evo!!!

Minnie Riperton - Loving you

Hoje deixo-vos com esta melodia inebriante e com um dos meus capítulos favoritos do livro Evo, «Sábado», o capítulo que «ELE» delicadamente diz tudo sem dizer nada

Sábado

«Jamás me perdonaré termos desencontrado as nossas vidas de forma tão leviana. Olho de relance as fotos sobre a mesa enquanto busco um cigarro no maço e parece-me que oiço Anita, a engraçadinha, que trocista sempre cantarolava baixando o tom e enrouquecendo a voz a tentar imitar Joaquín Sabina:

«Enciedo un cigarrillo y otro más
Un día de estos he de plantearme
Muy seriamente dejar de fumar»

Cresce-me uma raiva surda e amarga ao reler este princípio que podia não ter tido fim. Agimos de forma irreflectida connosco mesmos. Éramos muito novos, alegaria a Ana anos depois, fuimos unos gilipollas, era o que dizia, o que ainda digo.
Pero eso es el recuerdo que tengo hoy dia de aquel entonces.
Naquela altura era diferente. El deseo matava a minha segurança, parecia un virgencito disparatado, caramba!, nem sequer a enlacei e beijei uma única vez!!
E aquele sentir tan largo que me aquecia as entranhas e toldava as ideias, confundia-me tanto…
Afasto a manta de mim e levanto-me do sofá. Noite sem estrelas, logo hoje!, !!hace un tiempo de la hostia!! Agora apetecia-me tanto ficar unicamente a olhá-las… sempre o faço, ahhh! Anita tinha razão no que escrevera, não se enganara, sempre, mas sempre me lembro da nossa combinação, e mais!, eu não tinha a menor dúvida que ela faria igual, onde quer que estivesse, em que situação fosse... por toda a sua vida!
Ainda bem que fui trazendo lenha para dentro, com esta chuva traiçoeira agora estaria molhada. Imbuído nesta melancolia que me dói e conforta, só me apetece acender a lareira. Tantas recordações que me remetem à nossa vida. Anita sempre brincava comigo quando estávamos juntos à lareira chamando-me “peligroso pecaminoso”, fazendo um trocadilho engraçado com as palavras em espanhol pecoso (=sardento em português) e com o reflexo do fogo no meu cabelo ruivo (=pelirrojillo em espanhol).
Sento-me num toco de árvore que tenho como banco e ali fico, aparentemente entretido no torpor quente e ondulante das chamas. Atiro a ponta do cigarro para o lume e acicato o fogo crepitante que tranquilamente cuida que me aquece a alma enquanto me quedo perdido nos meus mais intensos pensamentos.
Eu gosto de ler, às vezes ando em mãos com um livro em espanhol, outro em português e outro em qualquer outro idioma, não é por avançar na leitura devagar que estou a demorar tanto neste… afinal quem não passou já tardes ou dias inteiros delante de un libro, com o cabelo sobre o rosto, com os olhos a doer do esforço continuado, sem conseguir parar de ler, leyendo y leyendo, esquecido da vida, do mundo, sem se dar conta que tem fome ou que arrefeceu e está com os pés gelados? Eu, por pura precaução, se leio tapo-me logo com a minha manta porque sei que me alheio por completo. Mas este livro da Ana, ¡por Dios!, é mágico, envolve-me, transporta-me para as nossas vidas, as que não vivemos como desejaríamos. Faço, sem me dar conta, pausas intermináveis a meditar. Nuestras vidas! Podíamos ter casado, ter tido filhos juntos, ter formado uma família unida e ditosa, porque pais que se amam criam filhos mais felizes, com uma base sólida que lhes servirá em adultos também para serem melhores pais, sempre pensei assim.
Acredito que este mundo precisa de pessoas assim, melhores, equilibradas e bem formadas, na verdade são as que naturalmente se reúnem no decorrer de suas vidas – ou como a Anita, com graciosidade, chamava aos amigos mais chegados, «a sua tribo» – como se as pessoas se reconhecessem como seres iguais e naturalmente se congregassem com um vínculo criado naturalmente a que chamamos amizade.
Os meus amigos de sempre, os que sabiam este meu segredo e sempre souberam da Ana, às vezes quebravam o silêncio sobre este tema para me dizer: Não penses mais nisso! Segue em frente! Por esta altura poderiam estar já divorciados, podias não ter sido feliz com ela, como o vais saber? Pois não o vou saber, porque nuestras vidas, apesar do paralelismo que sempre nos guiou, somos – fomos – como os carris de uma linha de comboio: eternamente ao lado uma da outra, seguem em frente mas nunca se unindo.
A Ana era eu sem o ser, e vendo-me numa outra pessoa como eu era, sou, inebriava-me na sua beleza e candura, encantava-me na sua bravura e inteligência e deixava-me transportar numa imensidão de palavras que calavam um silêncio que nunca deveríamos ter deixado instalar.
Sinto o espírito esvaziado, mas a cara quente e os olhos a picarem do calor emanado.
Ao contrário de Ana, soube que nunca iria ser amado assim, que nunca mais iria amar tão intensamente.»


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