segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Fim do Mundo (tal como o conhecemos)

Foto de José Carlos Carvalho 
A reportagem da Revista Visão saiu (pode ver aqui a versão online) com o título "Sem água, sem luz, sem gás" da jornalista Patrícia Fonseca e do fotojornalista José Carlos Carvalho, e acredito que não tenho sido pêra-doce (para ambos) comporem este trabalho que denota a sensibilidade com que trataram cada um dos casos. Não é um tema fácil, mas vamos lá - até me sinto capaz de escrever um post na minha página de Facebook!! - poderia ironizar satirizando as palavras proferidas pelo Presidente da República, se não sentisse o maior respeito por quem me lê.


É verdade, sou observadora por natureza e atenta a detalhes por definição... basta focar em sinais que sei outros nem vêem, mas para mim estão patentes, nada invisíveis. Reparo nas mãos, atento a olhares, adivinho gestos, oiço conversas, sim sou descarada e cusca, mas elegantemente chamo-lhe de "pesquisa"... mas observar é a minha realidade faz anos, já passar por elas é novidade para mim...
se me torna atenta a detalhes que nem eu via? Ahhhh... esta crise tem vindo a mostrar-se uma enorme lição de vida, para quem consegue ver além do horizonte e tirar essas ilacções.
Ouvir a crónica humorística da rádio de Nuno Markl (a 15 Novembro) sobre papel higiénico (oiça o podcast aqui) ganha uma outra dimensão ao tomar atenção de passagem numa conversa entre duas pessoas que comentam qual a loja onde se consegue encontrar 12 rolos a apenas 1€
ou quando uma amiga emagrece e fica tão gira, e fica de sorriso triste quando a cumprimentam, quem vai pensar que a perda de peso está relacionada com a falta de alimentos essenciais que deixou de poder comprar?,
ou quando vemos alguém passar mal no trânsito apenas porque a polícia o mandou parar, vamos pensar que o carro anda sem seguro  e morre de medo de ser apanhado?,
ou quando reparamos em telemóveis de última geração com mil e uma funcionalidades menos com a primeira por definição - telefone - apenas porque o dono não tem saldo e não usa o aparelho para esse fim?
Convenhamos, a classe média não estava preparada para o que está a acontecer, antes foi educada para conjugar o verbo prosperar: fazer por estar bem na vida, para um dia cuidar dos seus idosos, para vir a mimar os seus netos, para mais tarde, quando a reforma chegar, poderem finalmente usufruir e fazer tudo aquilo que uma vida de trabalho os privou, cristalizando para o eterno “um dia mais tarde” que sabemos hoje, chegará mais tarde que o Dom Sebastião em dia de bruma. O que até há pouco tempo se considerou bens essenciais no que fomos habituados a considerar uma boa vida, são agora minimizados ao que era essencial no tempo dos nossos avós e o que dávamos como garantido, passou a ser luxo, supérfluo e impossível de manter. Com a queda do poder de compra da classe média, caiu de caras uma forma de viver que todos reconheciam como impossível de mudar e contudo, de uma forma ou de outra, a estamos a reinventar.
Se o ‘cair do cavalo’ dói e o levantar, sacudir e montar de novo fica cada vez mais difícil, eu acredito que esta queda colectiva está a dar direito a um acordar de uma consciência que não havia. Será que este vem a ser o anunciado fim do mundo? Eu acredito de verdade que é o fim do mundo como o conhecíamos. Observo que com a crise veio de mão dada uma generosidade escondida, aquele tranquilo bem-querer que, sabemos, o nosso povo português é tão atento. Vejo pessoas dar quando não têm para ter, e essa é a lição mais bonita que posso tirar.
 É possível viver sem dinheiro? É. É credível esbanjar nos dias de hoje? Nem que o quiséssemos… já não há como! Reaprendemos a distribuir, a partilhar, a emprestar, a devolver, e voltam à tona de água princípios que os nossos avós e pais nos ensinaram, mas estavam postos de lado numa qualquer sombria arrecadação, junto com os serviços de porcelana herdados das bisavós.
Acredito que estamos perante o fim de uma era, será o fim desta forma de estar, de fazer, de encarar das relações entre os seres vivos, até pelo (des)respeito para com o planeta,  tal como o vivemos em modo desprendido que vejo agora cessar, que após toda essa tempestade que nos assola, outros bons ares da bonança se quedem tranquilamente, nos façam ver outros caminhos, se fechem ciclos e necessariamente se abram outros, já que desistir, ahhhh!... esta malta não é disso!

 


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

em resposta a MRP

clique aqui para ler entrevista
«Somos para aí umas quatro ou cinco [ser-se loira e ter atitude em Portugal]» Somos? Ahhh!! e a senhora inclui-se!!, e só quatro ou cinco...?

Esta, de tantas outras frases da senhora, indignou-me. Anedotas de loiras burras ou de alentejanos servem para o que servem - ser divertidas -, mas esta afirmação é, quanto a mim, pouco anedótica, grotesca e uma ofensa para tanta mulher de cabelo claro que consegue a proeza de ser inteligente, quiçá gordinha e ainda é uma porreiraça. Admira-me a senhora, que se diz observadora, passar uma borracha mental pela existência destas muitas loiras. E veio-me à ideia, convidar umas quatro ou cinco ruivas - das muitíssimas inteligentes e de bem com a vida que existem - umas quatro ou cinco que conheço a fazerem um texto em defesa das injustiçadas loiras. Em nota de rodapé, devo acrescentar que me destaco da postura da senhora – não o faço sempre…? –, já que das quatro ruivas que escolhi, não tive o descaro de me incluir como a quinta essência...
E já que é a primeira vez que escrevo publicamente sobre a senhora de quem sou uma não-leitora confessa e assumida (tanto livro bom para ler, autores de excelência a descobrir ou a revisitar e tão pouco tempo para o conseguir nesta vida), quero realçar que, para mim, sinto o trabalho da senhora como supérfluo, desnecessário e não-querido porque me desencanta ao que reduz a condição humana, ainda assim apreciei ler que tenha essa consciência e tenha respondido o seguinte: “Esta minha compulsão de estereotipar, analisar, classificar e perceber quem me rodeia – e que às vezes me faz tirar conclusões muito erradas sobre as pessoas e o género humano…”  
Uma loira não encerra em si mesma, apenas e porque a senhora o escreve, a magreza, altivez e atitude de uma Barbie. Abram-se os horizontes, faça-se o downsizing da petulância e tentemos pôr-nos de verdade nos sapatos de outras vidas se realmente nos afirmamos observadoras da vida que nos rodeia. 

A minha cor de cabelo é
mais inteligente que a tua!! 

por Isa Silva

Periodicamente, vem à baila esta história de que a cor de cabelo tem um impacto considerável na inteligência feminina. Sim, vou falar só da parte feminina porque não se chama louro burro a nenhum homem e é evidente que a cor de cabelo nos homens não interessa nada a ninguém e muito menos dá tema para crónicas. Na verdade, não se escrevem anedotas, livros ou filmes a falar de louros burros. Hahh... mas no caso das mulheres essa cor de cabelo é fortemente atacada! Devo salientar de que não sou loura. Mas confesso que em muitas ocasiões gostava de ser loura burra só para me preocupar com futilidades. Sou orgulhosamente RUIVA, fruto de uma costela escocesa extremamente activa. Cabe-me, nesta altura, colocar a seguinte questão: Qual será o nível de inteligência de uma ruiva? Maior que uma morena? Menor que uma loura? Invulgar? Limitado? Aceitável? Colorido? Incorrigível? Misterioso? As teorias e pensamentos do fútil não fazem parte das qualidades da inteligência. Cheguei à conclusão que ser loura dá muito trabalho. São bombardeadas por todos e ainda lhes tiram a inteligência. Não é uma situação fácil de lidar. Mas dizer que há apenas 4 ou 5 louras inteligentes em Portugal também não é sinal de grandes faculdades intelectuais. Ser ruiva é bem mais fácil. Temos a vida toda facilitada! Não estamos na cor com défice de inteligência, temos reacções do sexo oposto ao mesmo nível daquela cor de cabelo que já falei e ainda ganhamos aos pontos em irreverência e destaque no que respeita ao team da cor de cabelo mais escura. Resumindo: as ruivas vivem num mundo de esplendor. É? A sério?? Ainda não me apercebi disso... Tudo isto leva-me a questionar o que sucederá a quem tem mais do que uma cor de cabelo. Dualidade de inteligências? Bipolar de pensamento? Dupla personalidade cerebral? Nunca consegui ter uma resposta cabal a esta questão. Continuo a não entender porque é que o aspecto físico é determinante para a capacidade de ser ou não inteligente. Não é a cor de cabelo que rege a capacidade do cérebro. Quando se padece de carência inteligencial, vulgo "sem cérebro", não há cor de cabelo que salve!!! A inteligência é a aceitação da imperfeição como uma componente da vida. Qualquer tipo de discriminação ou preconceito é a mais clara demonstração de falta de inteligência. E agora vou arejar os meus caracóis ruivos porque já estou a deitar fumo pela cabeça de tanto esforço mental. Com licença...

Downsizing, desenvolvimento infantil
e outras coisas assim… 

por Rute Silva

Nos últimos anos tem sido o downsizing “do camano” aqui por estas bandas que até mete impressão. Ele é downsizing dos subsídios, downsizing da educação, downsizing da saúde, mas, nada disto me tinha preocupado até ler na entrevista da Famosíssima Escritora Portuguesa, (fantasticamente loira, como não poderia deixar de ser) que esta tomou a decisão de fazer um downsizing no seu lifestyle. Mas como é que chegamos a este ponto!?!?!? Confesso que teria ficado muito feliz se o jornalista tivesse feito um downsizing da entrevista … Bem, o que mais me irrita na dita entrevista é a deflexão! Mas a senhora não sabe dar uma resposta direta? Tem de se esconder em perguntas, pior na repetição das perguntas? Bem sei que se assume filha de uma psicóloga (não pode ser fácil) e de um biólogo … e acho que é aqui que está o cerne da questão: Aposto que este pai, biólogo, faz jus ao preconceito do cientista aluado, calmo, reservado… E a mãe psicóloga será terá uma personalidade forte e, quiçá, manipuladora. Não é fácil ser menina nestas condições … no desenvolvimento infantil, o papel do pai é preponderante. Para os meninos ele tem de ser um “rei”, vigoroso e arrebatador que não deixa o “príncipe” conquistar a princesa, no caso das meninas, ele tem de ser capaz de não se enamorar pela “princesa” deixando claro quem é a “rainha” … mas sempre no controlo da situação. Ora se esta “rainha” não se deixou ser comandada, minou, à partida, a imagem de uma relação normal entre um homem e uma mulher … e está explicada a completa falta de jeito para a descrição das relações humanas que a mais vendida escritora feminina tem. Quem leu as crónicas dela na Maxmen (a revista que os homens gostam) sabe o que falo, ela é o estereotipo da “barbie” que quer agradar aos homens (e isto explica a raiva que tem da mulher que ela retrata numa outra crónica, como “a gordinha”), que acha que ser uma mulher independente é banalizar o sexo, beber “como gente grande” e não ter namorados, ter amigos. No fundo, imagino-a bem submissa … bem sensaborona. Mas quero ir mais longe e analisar porque é que ela tem a recorrente necessidade de diminuir a mulher. Imagino que seja a sombra da Super-Mãe e das Super-Avós que descreve no seu discurso, completamente infalíveis ao ponto de nunca serem vistas, nem na intimidade, de pantufas!?!?! Meu Deus! Que peso enorme viver assim! Explica sem dúvida a escolha da tonalidade da cor do cabelo, da extrema magreza e da necessidade de se elevar a uma posição de mulher forte e independente. Em jeito de conclusão, aquilo que se pretendia ser um ataque à estupidez humana imortalizada na entrevista do ionline, acabou por ser o meu primeiro ataque aberto aos pais. Que seja um alerta para o mal que podemos fazer, consciente ou não, aos nossos filhos … Medo … muito medo!

Curta e Fina! 

por Sónia Handel Oliveira

Isto nem é para a Margarida ler, trata-se de uma crítica, logo está-se nas tintas para elas, não é? Nós os Gémeos somos assim! Quem nunca ouviu a expressão, “mais vale cair na graça do que ser engraçado”? A sua falta de humildade serve apenas para mascarar a falta de talento. Comprovado pela audácia em se comparar com a Dra. Estela Barbot (conselheira do FMI), Paula Teixeira da cruz (altamente reputada no mundo jurídico, académico ou não), ou mesmo Teresa Caeiro ou Joana Amaral Dias (a 1ª deputada do CDS-PP e a 2ª do Bloco de Esquerda), e limitar a inteligência e atitude a apenas algumas mulheres. Não conhece mais ninguém ou acabou-se-lhe a tinta da caneta. Não acredito que as mesmas pensem o mesmo dela. Foi um comentário muito Infeliz. Lamento que o público-alvo desta escritora sejam os adolescentes e lamento mais que os mesmos possam ser de alguma forma influenciados. O negócio corre-lhe bem com a escrita "Pop", mas eu continuo achar que tem uma veia mais eficaz para a música. Adorada por uns, odiada por outros e pelo andar da carruagem Ignorada por todos. Não foi o que fiz a pedido da Ana, mas será o que farei de agora em diante. Alguém uma vez disse e aqui subscrevo: "Talento sem humildade é arrogância e talento sem inteligência é farsa."


Primeiro contato: uma análise literária.

por Luana Filipetto

Segundo?! Curiosidade, e se tem algo que me chateia muito é desperdiçar tempo de uma leitura proveitosa, lendo expectativas, e com todo respeito, até uma adolescente escreveria aquelas mal fadadas linhas. Não houve e nem vai haver outros contatos, porquê?! Por vários motivos, mas o mais forte de todos é o fato de se tratar de uma escrita simples, repetitiva (de um livro para outro) e também pelo fato da escritora ser uma pessoa extremamente prepotente, isso mata qualquer livro. Não digo isso com olhares de uma crítica, muito menos de uma professora, mas sim com o olhar de uma leitora, que quando pega o livro quer se sentir desacomodada, mexida... os dois livros lidos não mexeram comigo, são textos encontráveis em tantos outros gêneros por aí – crônica (ler uma crônica com essa simplicidade é bom, é gostoso, pois sempre há algo com o que se identificar na crônica, visto que o papel dela é retratar o diário e como afirma um teórico do gênero “ela é pra ser lida em um dia e no outro servirá para embrulhar sapatos”); conto (pouco mais extenso, mas ainda é um lugar cabível pra esses temas – dos livros que li – ) agora, um romance, pense em um livro com mais de 150 páginas, com linhas simples, frases banais, que poderiam ser ditas no afã de uma conversa de bar, ou até mesmo na cama, pois é... é a isso que se resume a escrita dela. Como prova, eis aí um trecho do livro (não recordo de que página tirei isso, sim estava anotado em minha agenda de trechos para trabalhos e afins, e por favor não perguntem o porque fiz isso): “Quando se ama alguém, tem-se sempre tempo para essa pessoa. E se ela não vem ter conosco, nós esperamos. O verbo esperar torna-se tão imperativo como o verbo respirar. A vida transforma-se numa estação de comboios e o vento anuncia-nos a chegada antes do alcance do olhar. O amor na espera ensina-nos a ver o futuro, a desejá-lo, a organizar tudo para que ele seja possível. É mais fácil esperar do que desistir. É mais fácil desejar do que esquecer. É mais fácil sonhar do que perder. E para quem vive a sonhar, é muito mais fácil viver.” In Diário da tua Ausência. Creio que não preciso dizer mais nada... ah! Preciso sim, no início eu iria compará-la a um escritor brasileiro, provavelmente conhecido por aí também, Paulo Coelho, porém achei melhor não, porque, embora o Coelho tenha essa escrita tendenciosa (engodo pra fazer ler outros livros) e simples, ele escreve autoajuda (¬ ¬ reforma ortográfica sua feia!), e eu estaria caindo no precipício de comparar romances contemporâneos a uma “subliteratura”, só para fins de comparação de escrita, um trechinho de Coelho (busquei na internet, pois não o leio mais): “A possibilidade de realizarmos um sonho é o que torna a vida interessante.” Paulo Coelho Enfim moços e moças, espero ter retratado um pouquinho de minha angústia enquanto leitora e espero que quem já tenha lido e gostado, siga lendo, pois gostos cada um tem o seu e o meu é chato ^^! Ah os livros lidos: Diário da tua ausência e O dia em que te esquecia. E se alguém já leu o Minha Querida Inês me informa se vale leitura, confesso que pelo título fiquei curiosa, mas pela escritora me desmotiva a pensar em ir atrás do livro. 
 Beijitos do outro lado do oceano... 
 Luh

CURLY 

por Paula Valença

Nasci com cabelo castanho em Oxford, Inglaterra. Castanho claro, que castanho só não chega. Liso. A puberdade trouxe os caracóis - não havia secador que controlasse a personalidade do meu cabelo e lá convenci a minha mãe a desistir da maquineta. Ainda hoje não tenho paciência para secadores. A puberdade também trouxe aquela certeza que a minha vida não ia ser só Portugal. Não que não gostasse de Portugal, mas com um Mundo tão grande, com tantas experiências fantásticas, porque raios não havia de vivê-las? Na minha mente ingénua não havia barreiras e muito menos fronteiras. Ao longo da vida pintei o cabelo de tantas cores que perdi a conta. Na universidade e na Internet era conhecida como "a Loirinha". Desci ruiva a túneis onde os primeiros momentos do Universo são recriados. De cabelo azul rabisquei formulas criptográficas com as melhores mentes na área. Tinha cabelo preto quando escolhi ser visível na minha bissexualidade por todas as pessoas que não o podiam ser e contribuir para tornar as suas vidas melhores. Atravessei países de comboio, avião e carro com cabelo lilás. Mudei de pais, de emprego, de vida, e o cabelo lá ia mudando. O cabelo neste momento é vermelho e bem vermelho. Em reuniões ou eventos profissionais é usado por vezes numa piada para quebrar o gelo ou numa abertura para uma conversa. Mas rapidamente o assunto vai para o que interessa e são coisas bem mais importantes que o meu cabelo. O que interessa os meus foliculos quando se trabalha em problemas que afectam o mundo? Mas eu não sou Sansão: a minha força não vem do cabelo vermelho. Nem do ser mulher, feminina ou arrapazada. Ou Portuguesa. Sinceramente não sei de onde vem, mas abraçar tudo o que sou ajuda, oh ajuda. Ser Mulher não define barreiras nem fronteiras. Mentes fechadas que formatam pessoas para algo que lhes é estranho, sim.

domingo, 18 de novembro de 2012

Estaremos todos a mentir?

Dentro de dias vai sair uma reportagem na revista Visão que hesitei em colaborar 'dando a cara'. Na verdade é um tema a que tenho dado bastante tempo de reflexão e de observação. 
Estaremos todos a mentir? 
Numa ida ao supermercado reparo discretamente naquela mãe que cala um surdo NÃO de olhos bem abertos ao filho que pede algo que o ano passado exigia (e tinha) sem pejo. 
Na senhora que no cesto tem apenas pão, manteiga e um saco com duas laranjas e mantém a pose na fila da caixa de um carro cheio. 
Nas mãos da outra senhora de mais idade com apenas um pacote de massa e uma embalagem de caldos de carne. 
Na gasolineira presencio um jerican entre os carros que estão a abastecer. Mais uma pessoa ficou sem gasolina na estrada, não por distracção, mas por achar que o combustível ainda chegaria. 
Nas mãos do carteiro noto que distribui demasiadas cartas registadas que adivinho trazerem as não boas novas de corte de fornecimento de serviços básicos. 
Observo lojas de face escondida em papel pardo forrando as montras, as empresas que fecham ao nosso redor a cada dia, os amigos e conhecidos que estão a sair do país e nos dá vontade de chorar por não termos percebido que aquela família estava a precisar de ajuda... 
A contra-ciclo da queda de poder de compra de toda uma classe média embaciada pelo constrangimento de o demonstrar claramente, eu quero falar sobre isso. 
Gasta-se demasiada energia e recursos a tentar disfarçar o que não temos de ter vergonha: Está a acontecer um pouco por todo o lado, em cada lar, em cada local de trabalho, com o invisível transeunte que connosco se cruza, no amigo que falta ao jantar calado por não o poder pagar, porque já não é possível manter a mesma vivência que se acostumou a demonstrar, a usufruir. Contudo, pela calada todos estamos a sobreviver. Faz parte da nossa natureza, não somos pessoas de desistir e com mais ou menos tranquilidade, sucumbimos aos chamados sub-empregos, os biscates de antigamente para conseguir assegurar o essencial. Recordamos com veemência as palavras de nossos avós que falavam de um tempo de crise diferente, mas que nos faz pensar com uma nova e adquirida propriedade no "uma sardinha para dois" 
Fala-se hoje dos novos pobres. Diferente de dizermos sempre os houve, sempre os haverá, é afirmarmos que a nossa classe média não estava preparada para este revés, para viver sem dinheiro, para viver sem saber como. Mas sabe! Mentir a nós próprios será o primeiro recurso, mas não é solução, porque a cada passo, notamos haver um degrau mais abaixo. E outro ainda. 
Eu tenho uma teoria sobre quando a vida nos dá limões. Limonadas? Não!, façamos logo o melhor possível e venham de lá as caipirinhas!! 
Se a sua vida se estilhaçou, aprenda que foi apenas a sua vida conforme a vinha vivendo, porque a SUA VIDA continua! 
O português é o mestre do desenrasca, e se já o povo clamava que a necessidade aguça o engenho, se observarmos atentamente, vemos que para além das mensagens gritadas alto nas redes sociais e nas manifestações mais que públicas, de forma silenciada a classe média reinventa-se, transforma uma vivência que não conhecia na sua nova rotina e não desiste!, ainda assim, afirmo: Calar uma realidade não faz com que ela desapareça, apenas aumenta o espectro de uma impossibilidade e a estagnação, essa, não é a que tem de sobreviver, mas sim - e que me perdoem a audaciosa redundância - a coragem de ter arrojo.


domingo, 11 de novembro de 2012

um post quasi-intimista

Num dos meus outros blogs, de entre os mais que muitos em que me disperso a escrever, trago hoje um post recentemente publicado no Cor do Ar. E por ser um post que fugiu do tom de quasi-palhaça que uso nesse meu blog e ter o tom quasi-intimista deste, publico aqui o conteúdo do último tema do desafio ARRANJEI UM 31, originário do nosso grupo maravilha E o esmalte da semana é... (provavelmente o melhor grupo do FB)

Chegámos ao último desafio e afinal não arranjei nenhum 31, mas sim um hobby que me tranquiliza o espírito e me deixa voar a alma nas inúmeras voltas da criatividade. Não acreditei que teria a disciplina de pintar durante 31 semanas uma manicure, quantas vezes adoidada, original ou improvável de me ver, na maioria das vezes o encontro com a Dona Acetona era imediato e sem tempo para 3º grau após a foto necessária para comprovar o feito.
E já agora, aviso:
Este post, ahhh este vou escrever no meu Português de Portugal. 

Nos últimos 23 anos da minha vida posso dizer que orgulhosamente sou mãe de uma pessoa linda: possui um bom coração, tem valores, personalidade e sentido de humor. Ser uma boa pessoa, seria – sem dúvida – o que deveria definir o meu filho Pedro, não o seu autismo. O Pedro existe para além do autismo, foi criança, foi adolescente, é adulto, com um sorriso lindo de viver, o seu peculiar olhar de esguelha com que enfrenta o mundo que o rodeia e com uma percepção da realidade que vai muito para além do esperado ‘numa pessoa como ele’… mas pergunto-me tanta vez se todos os autistas são diferentes, o que se poderia esperar do conceito tolo de uma pessoa como ele???
Se estão a pensar até este momento que a homenagem é para o meu filho, vá lá, meninas... desenganem-se!, tirem essa carinha de ownnn porque parece, mas não é para meu Pedro!!! Acho que o fiz nos desafios #FLORIPA e #FÉRIAS com mais ênfase. 
Aqui e agora, a homenagem vai para uma outra pessoa (que neste momento são duas: explico), para alguém que transporta literalmente outra pessoa consigo. Exactamente, a minha homenagem é a uma mãe grávida. É para a Mel. Tal como a analogia desta foto que o Pedrinho me tirou antes de acabar a mani, a homenagem é para um Pedro que ainda está a ser “acabado” e “retocado” e está prestes a ser mostrado ao mundo. 
A doce Mel (e que me perdoem esta redundância) diz-me frequentemente uma frase que me arrepia, me comove até ao mais profundo do meu âmago e, dei-me conta, por tanto me repetir, este sentir apenas acontece porque nunca me foi dito por outra pessoa em toda a minha vida de mãe. A Mel tem uma menina linda, a Aninha e está agora à espera de um menino, que será um Pedro. 
Brinca de uma forma muito carinhosa por serem os nossos nomes, meu e de meu filho, e vai mais além de tudo e de todos ao afirmar que gostaria que o seu Pedro seja como o meu.
Eu sei que fala do carácter, da personalidade, da pessoa que o meu filho é, e fico tão, mas tão grata por ouvi-la cada uma das vezes que o repete… nunca tive esta conversa com a Mel, vai lê-lo aqui, mas há 23 anos que as grávidas ‘fogem’ de mim, como se o autismo se contagiasse por proximidade, não querem nem partilhar nem saber, e eu melhor que todo o mundo entendo esse medo estático debaixo da pele, entranhado silenciosamente na alma de cada futura mãe, fico triste com cada afastamento de mim, mas até aceito. Fiquei particularmente triste quando uma das minhas amigas mais chegadas (e minha cunhada) desapareceu da minha vida durante as gravidezes. Eu entendi, como entendi!!, no caso, o medo seria bem mais real que com qualquer outra amiga (porque poderia acontecer-lhe visto ser genético), mas a nossa amizade baloiçou e, eu Ana, não tenho culpa de um medo de que tb sou escrava, que também mudou a minha vida. 
A Mel Sanroman está grávida e não tem medo de me dizer: «Eu quero que o meu Pedro seja como o seu.» E comove-me ouvi-la, comove-me escrevê-lo, não tenho nem sei onde encontrar palavras para poder agradecer alguém que não tenha medo e me diga por fim o que não esperava ouvir nunca, que a Mel consiga ver o meu filho para além do autismo!!, logo nos 9 meses de gestação que as hormonas andam loucas, se fica mais vulnerável, susceptivel e tudo o mais… a Mel tem de ter uma paz imensa com ela para poder conseguir ter essa leveza de sentimentos. Eu fico grata para além do razoável, para além do que possa dizer, escrever, chorar ou sentir. Para o teu Pedro, querida Mel, desejo – em primeiro lugar e mais do que tudo – que seja saudável (rijo como um pêro, como diziam os antigos). Filho de uma MÃE de alma tão generosa quanto a tua… a ser verdade que as crianças escolhem as mães que vão ter nesta vida – a ser verdade, porque eu não sei se assim será – então este Pedro soube escolher uma pessoa de bem, para o acolher, mimar, educar e amar. 


E para ti, Mel, desejo toda, mas toda a felicidade que houver nessa vida, daquela com sabor de fruta mordida, daquela que se tem a sorte viver como na belíssima música da Cássia Eller que fala de um amor tranquilo. Desejo-te uma vida muito feliz, minha doce Mel. Obrigada.




segunda-feira, 17 de setembro de 2012

SAUDADE III ou (Para o Henrique, porque sim)

"Que aconteceu ao teu telefone?" - foi a minha última frase.
Agora não tenho o contacto - nem telefone, nem email, nem endereço. Escrevi-te, mas não sei para onde enviar. Uma carta numa garrafa lançada ao mar? Não faz o género... Escolhi este meu cantinho. Quem sabe ainda o lês.





Faltam-se em mim as palavras sempre prontas. 
Uso as de Manuel Cintra neste verso que não me falta.



Um abraço eterno meu querido, querido Henrique.



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sushi à portuguesa (ou "Vão-se foder!" como muito bem disse a Ângela Crespo)

Sushi de arroz tomate com jaquinzinhos
Não é uma piada, é uma ideia. E ideias (boas ou más) num país como o que o nosso se transformou (ou o querem transformar) em que o empreendedorismo não é valorizado, é na verdade uma piada.
Li este texto no facebook, que vos recomendo vivamente, um grito de revolta de uma jovem portuguesa de 32 anos.
 Poderia ser o meu grito, é certamente o grito de MUITOS!, porque na verdade, a Ângela Crespo gritou bem alto o que desde sexta-feira apetece, também a mim, certamente a muitos de nós, dizer veementemente com todas as letras:
(versão original aqui https://www.facebook.com/angela.ftc/posts/4585835005610)

«Este é um texto longo, pouco facebook friendly, mas à falta de melhor sítio para expressar o que me vai na alma, aqui fica:

Vão-se foder.
Na adolescência usamos vernáculo porque é “fixe”. Depois deixamo-nos disso.
Aos 32 sinto-me novamente no direito de usar vernáculo, quando realmente me apetece e neste momento apetece-me dizer: Vão-se foder!
Trabalho há 11 anos. Sempre por conta de outrém. Comecei numa micro empresa portuguesa e mudei-me para um gigante multinacional.
Acreditei, desde sempre, que fruto do meu trabalho, esforço, dedicação e também, quando necessário, resistência à frustração alcançaria os meus objectivos. E, pasme-se, foi verdade. Aos 32 anos trabalho na minha área de formação, feliz com o que faço e com um ordenado superior à média do que será o das pessoas da minha idade.
Por isso explico já, o que vou escrever tem pouco (mas tem alguma coisa) a ver comigo. Vivo bem, não sou rica. Os meus subsídios de férias e Natal servem exactamente para isso: para ir de férias e para comprar prendas de Natal. Janto fora, passo fins-de-semana com amigos, dou-me a pequenos luxos aqui e ali. Mas faço as minhas contas, controlo o meu orçamento, não faço tudo o que quero e sempre fui educada a poupar.
Vivo, com a satisfação de poder aproveitar o lado bom da vida fruto do meu trabalho e de um ordenado que batalhei para ter.
Sou uma pessoa de muitas convicções, às vezes até caio nalgumas antagónicas que nem eu sei resolver muito bem. Convivo com simpatia por IDEIAS que vão da esquerda à direita. Posso “bater palmas” ao do CDS, como posso estar no dia seguinte a fazer uma vénia a comunistas num tema diferente, mas como sou pouco dado a extremismos sempre fui votando ao centro. Mas de IDEIAS senhores, estamos todos fartos. O que nós queríamos mesmo era ACÇÕES, e sobre as acções que tenho visto só tenho uma coisa a dizer: vão-se foder. Todos. De uma ponta à outra.
Desde que este pequeno, mas maravilho país se descobriu de corda na garganta com dívidas para a vida nunca me insurgi. Ouvi, informei-me aqui e ali. Percebi. Nunca fui a uma manifestação. Levaram-me metade do subsídio de Natal e eu não me queixei. Perante amigos e família mais indignados fiz o papel de corno conformado: “tem que ser”, “todos temos que ajudar”, “vamos levar este país para a frente”. Cheguei a considerar que certas greves eram uma verdadeira afronta a um país que precisava era de suor e esforço. Sim, eu era assim antes de 6ª feira. Agora, hoje, só tenho uma coisa para vos dizer: Vão-se foder.
Matam-nos a esperança.
Onde é que estão os cortes na despesa? Porque é que o 1º Ministro nunca perdeu 30 minutos da sua vida, antes de um jogo de futebol, para nos vir explicar como é que anda a cortar nas gorduras do estado? O que é que vai fazer sobre funcionários de certas empresas que recebem subsídios diários por aparecerem no trabalho (vulgo subsídios de assiduidade)?… É permitido rir neste parte. Em quanto é que andou a cortar nos subsídios para fundações de carácter mais do que duvidoso, especialmente com a crise que atravessa o país? Quando é que páram de mamar grandes empresas à conta de PPP’s que até ao mais distraído do cidadão não passam despercebidas? Quando é que acaba com regalias insultosas para uma cambada de deputados, eleitos pelo povo crédulo, que vão sentar os seus reais rabos (quando lá aparecem) para vomitar demagogias em que já ninguém acredita?
Perdoem-me as chantagem emocional senhores ministros, assessores, secretários e demais personagem eleitos ou boys desta vida, mas os pneus dos vossos BMW’s davam para alimentar as crianças do nosso país (que ainda não é em África) que chegam hoje em dia à escola sem um pedaço de pão de bucho. Por isso, se o tempo é de crise, comecem a andar de opel corsa, porque eu que trabalho hé 11 anos e acho que crédito é coisa de ricos, ainda não passei dessa fasquia.
E para terminar, um “par” de considerações sobre o vosso anúncio de 6ª feira.
Estou na dúvida se o fizeram por real lata ou por um desconhecimento profundo do país que governam.
Aumenta-me em mais de 60% a minha contribuição para a segurança social, não é? No meu caso isso equivale a subsídio e meio e não “a um subsído”. Esse dinheiro vai para onde que ninguém me explicou? Para a puta de uma reforma que eu nunca vou receber? Ou para pagar o salário dos administradores da CGD?
Baixam a TSU das empresas. Clap, clap, clap… Uma vénia!
Vocês, que sentam o já acima mencionado real rabo nesses gabinetes, sabem o que se passa no neste país? Mas acham que as empresas estão a crescer e desesperadas por dinheiro para criar postos de trabalho? A sério? Vão-se foder.
As pequenas empresas vão poder respirar com essa medida. E não despedir mais um ou dois.
As grandes, as dos milhões? Essas vão agarrar no relatório e contas pôr lá um proveito inesperado e distribuir mais dividendos aos accionistas. Ou no vosso mundo as empresas privadas são a Santa Casa da Misericórdia e vão já já a correr criar postos de trabalho só porque o Estado considera a actual taxa de desemprego um flagelo? Que o é.
A sério… Em que país vivem? Vão-se foder.
Mas querem o benefício da dúvida? Eu dou-vos:
1º Provem-me que os meus 7% vão para a minha reforma. Se quiserem até o guardo eu no meu PPR.
2º Criem quotas para novos postos de trabalho que as empresas vão criar com esta medida. E olhem, até vos dou esta ideia de graça: as empresas que não cumprirem tem que devolver os mais de 5% que vai poupar. Vai ser uma belo negócio para o Estado… Digo-vos eu que estou no mundo real de onde vocês parecem, infelizmente, tão longe.
Termino dizendo que me sinto pela primeira vez profundamente triste. Por isso vos digo que até a mim, resistente, realista, lutadora, compreensiva… Até a mim me mataram a esperança.
Talvez me vá embora. Talvez pondere com imensa pena e uma enorme dor no coração deixar para trás o país onde tanto gosto de viver, o trabalho que tanto gosto de fazer, a família que amo, os amigos que me acompanham, onde pensava brevemente ter filhos, mas olhem… Contas feitas, aqui neste t2 onde vivemos, levaram-nos o dinheiro de um infantário.
Talvez vá. E levo comigo os meus impostos e uma pena imensa por quem tem que cá ficar.
Por isso, do alto dos meus 32 anos digo: Vão-se foder.»

por Ângela Crespo 
(publicado no meu site com o seu devido conhecimento)


sábado, 11 de agosto de 2012

SAUDADE II

Há quem nos deixe, com a sua partida, uma tristeza impossível de ser aferida, moldada, compartimentada, sarada. E fica  imensa saudade do que ficou por dizer, fazer, viver.


Trovante - Saudade

 

Saudade
Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

Chegou hoje no correio a notícia
É preciso avisar por esses povos
Que turbulências e ventos se aproximam
Ahhh, cuidado...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

Foi chão que deu uvas, alguém disse
Umas porém colhe-se o trigo, faz-se o pão
E se ouvimos os contos de um tinto velho
Ahhh, bebemos a saudade...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...

E vem o dia em que dobramos os nossos cabos
Da Roca a S. Vicente em Boa Esperança
E de poder vaguear com as ondas
Ahhh, saudades do futuro...

Há sempre alguém que nos diz: tem cuidado
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco
Há sempre alguém que nos faz falta
Ahhh, saudade...


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

SAUDADE I

este meu texto é especial publico-o aqui hoje, porque sim. 
To Mum - Wish You Were Here

por Ana Martins

Gal Costa & Maria Bethanea
Oração da minha mãe Meninnha


Queria poder ir às compras, almoçar, telefonar, discutir, chorar e rir.

Quisera poder abraçar uma vez mais que fosse, de tantos abraços deslaçados, evitados, perdidos. Perdidos.

Quisera poder contar segredos, partilhar diabruras e desfrutar momentos bons, maus, todos...

Queria não ter de o pedir a cada dia do ano.

Queria tanto que esta dor fosse, nos deixasse paz.

Quero o seu arroz doce, a carícia da sua mão perfeita pelo meu cabelo, ouvir o som da pulseira batucando pelo corrimão da escada e não correr feita tonta para cumprimentar somente a vizinha que chegava... queria rever o sorriso contido de menina nunca mulher, queria que tivesse visto como me tornei mulher, mãe também, queria demais que conhecesse o seu neto. É lindo, sabe? Uma pureza tão grande que me desconcertou, quis tanto a sua ajuda...

Queria que chegasse a avó, já não é só o meu... Tanto neto sem colinho da avó Isabel, sempre menina, nunca mulher, nunca avó.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

José Hermano Saraiva e a Menina do Liceu

A Malta do Liceu no final da década de '70 era muito irreverente, ainda na onda da revolução por uma liberdade que, por sermos tão miúdos, nem sabíamos bem o que fazer com ela. E depois naturalmente nestas idades há sempre os engraçadinhos que se destacam ou pensam ter destaque que em todas as gerações brincam de bobo da corte.
Estávamos em 1977 e um dia no liceu não ia haver aulas  - sim, de novo - a cada instante acontecia algo que suspendia o rigor académico para regozijo da malta.  Dessa vez  o ginásio não estava transformado para mais uma R.G.A. (Reunião Geral de Alunos), era só um senhor que ia falar. Eu sabia quem era o senhor e até tentei motivar colegas a irem assistir em vez de mais uma vez escolherem o futebol ou o café. Eu gostava do senhor e escolhi estar bem na frente a escutá-lo contar histórias da História. 
No final da sua prelecção, na parte que reservou às perguntas, um qualquer bobo da corte de serviço fez uma pergunta que jamais esqueci a resposta que o senhor deu.


Naquele ano estava a passar na televisão uma telenovela que agora está no ar a sua versão actual. Não assisti nem em '77 nem estou a assistir agora, mas quis um feliz acaso que tivesse ligado a TV na semana passada a tempo de perceber que seria o episódio que iriam matar uma personagem Salomão Ayala e essa memória remeteu-me a '77, não à novela que não vi, mas ao senhor na fantástica resposta que nunca esqueci. 
E achei-me num momento carinhoso e deixei-me ficar imbuída nesse sentir a ver esse episódio de novela cuja qualidade de texto continua a não me inspirar como cliente... 
Não assisti à morte em '77, mas vi agora o episódio da semana passada. Na época havia um canal só e era apenas uma novela por serão, daí que a morte de Salomão tivesse tido
 um momento áureo que certamente esta versão já não viu brilhar. 
Quando ainda no mesmo dia vejo passar um tweet com a notícia da morte, não de Salomão, mas do Senhor, devo confessar que me quedei entre a estranheza e o incomodada...
Volto a '77 e a um ginásio apinhado que, num respeitoso silêncio, ouviu todas as histórias do senhor, e nas perguntas, um engraçadinho levanta a mão e questiona: 

«Se sabe sempre todas as histórias, diga-nos: Quem matou Salomão?»

O Senhor deixou que todos gargalhassem abundantemente e eu recordo como traguei aquele momento e fiquei expectante, sedenta da resposta que seria certamente acertada e certeira. Com o seu timbre inconfundível aproximou-se por fim do microfone e respondeu:

«Se assistisse à novela até poderia responder sobre as personagens envolvidas neste mistério que faz parar Portugal para pensar quem matou Salomão, mas como não vejo, sobre as personagens não poderei falar. Mas sei quem matou Salomão. (de expectante passei a exultante - claro que o senhor tinha resposta para o engraçadinho!!!) Disso não tenhamos qualquer dúvida até porque a história tende a repetir-se em todos os tempos. Quem matou Salomão foi a ganância, a avidez, a inveja e a perfídia.»

Faleceu o grande Senhor José Hermano Saraiva, mas connosco fica a sua generosidade deste enorme contador de histórias da nossa História.



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