Rádio


A minha interessante aventura pela radio começa pela mão de Marco Oliveira Domingos quando aceito o seu gentil convite de integrar a equipe do seu programa matinal, 
Livros de uma Vida
Café com Irís, na Rádio Irís FM - 91.4 - com uma rubrica de literatura: a cada terça e quinta-feira, às 9:45h 



 Chamei a esta rubrica 
LIVROS DE UMA VIDA 
e permaneci até final de Março de 2010. 


Mais tarde, aceito fazer outra temporada de crónicas, também uma rubrica de literatura semanal, sempre às terças de manhã na Rádio Marinhais FM  
em tom de entrevista à conversa com João Vítor
clique -- aqui -- para ouvir em directo


Desta vez coloquei o sugestivo título de
 MESINHA DE CABECEIRA
e estreou no dia 1 de Fevereiro 2011



Vou reunir nesta página todas as crónicas e o respectivo áudio (caso esteja ainda  disponível) dessas duas temporadas.
As minhas desculpas caso algum áudio já não esteja disponível… são coisas de tecnologia que acontecem, facto a que sou absolutamente alheia.





Muito interessante esta entrevista que dei na Rádio Horizonte FM no programa de domingo de Luís Monteiro CAFÉ CENTRAL, que pode ser escutada na íntegra.

 clique -- aqui -- para ouvir




Livros de uma Vida
Após aceitar o gentil convite de Marco Oliveira Domingos a integrar a equipe do seu programa matinal, Café com Irís, na Rádio Irís FM - 91.4 - com uma rubrica de literatura: a cada terça e quinta-feira, às 9:45h eis a temporada que arrancou no Natal de 2009
LIVROS DE UMA VIDA 


Livros de uma vida #1


a 22 dezembro 2009

Esta semana de Natal trago: «O Príncipezinho» de Antoine de Saint-Exupéry



Escolhi para iniciar esta rubrica um livro pequeno apenas no tamanho. É o que se pode chamar um presente ideal de Natal - bom, um livro é sempre uma excelente escolha!!!, mas este é um livro consensual. Pode ser lido em todas as idades - e diria que compreendido em quase todas!
É um livro já de 1943, pelo que tem muitas edições, inclusive em capa dura se assim o desejar para oferecer. É um livro de bolso, de mesinha de cabeceira, é um livro que se lê de um trago ou fica connosco de consulta uma vida inteira.
É um livro obrigatório na vida de qualquer pessoa - e se ainda não o tiver feito, aproveite estes dias que ainda tem de férias a gozar para o comprar, pedir emprestado, ir à biblioteca, mas por favor, leia o Principezinho. E leia-o a seus filhos.
«O Principezinho» de Exupéry é um clássico que continua, continuará actual - recorre à simbologia esquecida da criança que fomos, que somos - é uma leitura essencial. Uma das frases mais carismáticas do livro é um facto que constato a cada recanto da vida, que o essencial é e será sempre invisível aos olhos.
Ora a personagem, o pequeno príncipe, vive sozinho num planeta minúsculo com uma rosa de enorme beleza e altivez. É o orgulho da rosa que arruina a tranquilidade do mundo do pequeno príncipe e o leva numa viagem, na busca de respostas, onde consegue repensar o que é realmente importante.
Este livro é uma ode a dois valores fundamentais para a vida: o Amor e a Amizade.
O Amor – porque ele existe – porque nos reconforta a alma, nos faz sorrir ao acordar a cada manhã que nos mostra um céu incrivelmente azul-turquesa.
A Amizade, porque apesar do que dizem os cépticos, é a mola que faz mover o mundo, utópico que seja! – Incomoda-me imenso pensar que nos dias de hoje, alguém que considere estes dois valores como sustentáculo da sua existência possa ser considerado «lamecha», nesta nossa sociedade que persistentemente premeia valores de segunda escolha, ou mesmo a ausência.
Acredito que não se deva baixar os braços e a cada dia se continue, nem que por um simples gesto – como um sorriso – afiançar que se muda mesmo a vida de um qualquer alguém que nunca vamos conhecer.
E como diz o pequeno príncipe:
«E nenhuma pessoa grande há-de alguma vez perceber como isso é importante!»
in «O Príncipezinho», Antoine de Saint-Exupéry, 1943


Livros de uma vida #2

a 14 janeiro 2010

Hoje trago: «O Perfume» de Patrick Suskind


Talvez seja este o livro que mais me deixou perplexa em toda a minha vida de leitora (e já o reli várias vezes) pela veemência com que o autor consegue que sintamos todos os odores – do nauseabundo ao perfeito – num crescendo de intensidade dramática que culmina num final orgásmico e arrepiante. E não!, hoje não vou contar nada sobre este livro sob pena de estragar a emoção única em cada leitor. Apenas salientar que não é livro de se deve perder de vista. Ou no caso… seguir-lhe o cheiro! É um livro que apela aos sentidos, em particular ao olfacto. O autor consegue inebriar o leitor e logo com uma personagem que nasce sem ter cheiro, mas que memoriza e categoriza todos os cheiros em seu redor de uma forma verdadeiramente sublime. Ler este livro é… deixar-se envolver numa mescla sensorial de odores!
Desde que foi publicado em ‘85, nunca mais parou de ser reeditado e vendido em todo o mundo.
Este romance foi adaptado ao cinema, numa visão belíssima que merece ser vista, tanto quanto o livro lido. E se no filme começa apenas com a imagem quase estática, serena mas firme, de um nariz (apenas de um nariz) que respira a aspira todos os cheiros em seu redor – porque é de um nariz de perfumista que o autor nos fala – no livro começa por nos transportar para Paris do século XVIII em que é o nosso nariz, o de cada leitor, que é agarrado da forma mais repugnante.
Melhor do que tentar explicar como, vou ler essa passagem da primeira página do livro «O Perfume» de Patrick Süskind.
“Na época a que nos referimos dominava nas cidades um fedor dificilmente imaginável para o homem dos tempos modernos. As ruas tresandavam a lixo, os saguões tresandavam a urina, as escadas tresandavam a madeira bolorenta e a caganitas de rato e as cozinhas a couve podre e gordura de carneiro; as divisões mal arejadas tresandavam a mofo, os quartos de dormir tresandavam a reposteiros gordurosos, a colchas bafientas e ao cheiro acre dos bacios. As chaminés cuspiam fedor a enxofre, as fabricas decurtumes cuspiam o fedor dos seus banhos corrosivos e os matadouros o fedor a sangue coalhado. As pessoas tresandavam a suor e a roupa por lavar; as bocas tresandavam a dentes podres, dos estômagos tresandavam a cebola e os corpos, ao perderem a juventude, tresandavam a queijo rançoso, leite azedo e tumores em evolução. Os rios tresandavam, as praças tresandavam, as igrejas tresandavam e o mesmo acontecia debaixo das pontes e nos palácios. O camponês cheirava tão mal como o padre, o operário como a mulher do mestre artesão, a nobreza tresandava em todas as suas camadas, o próprio rei cheirava tão mal como um animal selvagem e a rainha como uma cabra velha, quer no Verão quer no Inverno.”
in «O Perfume» Patrick Süskind, Editorial Presença, 1986


Livros de uma vida #3

a 19 janeiro 2010

Hoje trago: «O Amor em tempos de cólera» de Gabriel García Marquez

(Esta semana trago-vos dois autores sul-americanos que considero imperdíveis)

Dizer que este romance é apenas mais uma estória de amor é um erro. Talvez porque apesar de todas as estórias já terem sido contadas, merece sempre a pena ler as que são bem escritas. E esta é baseada na história verídica dos pais de Gabriel García Márquez.
O amor de Florentino Ariza por Fermina Daza é palpável, forte e tocante. Nos dias de hoje sobrevaloriza-se a juventude. E ler um amor tardio pode afinal ser tão refrescante. O autor conta-nos de uma forma sublime quanto tempo se pode esperar pelo Amor. E isso tudo contabilizado em dias, meses e anos…

«O comandante olhou para Fermina Daza e viu nas suas pestanas os primeiros pingos de um orvalho de Inverno. Depois olhou para Florentino Ariza, o seu domínio invencível, o seu amor impávido, e ficou assustado pela suspeita tardia de que é a vida, mais que a morte, que não tem limites.»
in «O Amor nos Tempos de Cólera», Gabriel García Márquez, Dom Quixote, 1985

Livros de uma vida #4

a 21 janeiro 2010

Hoje trago: «Paula» de Isabel Allende

Esta é a  segunda escritora sul-americana (chilena) que quero destacar esta semana.

De toda a obra de Isabel Allende, volto sempre ao «Paula» porque o considero o livro de viragem no percurso da autora. Até então, em todos os romances podemos adivinhar nas mais variadas personagens um mundo fervilhante de emoções, amores e aventuras vivenciadas por uma autora chilena exilada (é familiar do presidente Salvador Allende derrubado pela ditadura de Pinochet), mas é apenas em «Paula» que Allende justifica passo a passo cada um dos seus livros. Não se deve ler o «Paula» sem se ter deliciado anteriormente com «Eva Luna», «Plano Infinito» ou o mais conhecido «Casa dos Espíritos». «De Amor e de Sombra» é o meu favorito (um dia, Marco… falo só deste livro!!!). Mas ao ler «Paula» um livro auto-biográfico, escrito à cabeceira da filha de mesmo nome em estado de coma, e por dar a volta a toda a obra, remete-nos a um ponto final. Não havia mais a dizer depois de Paula morrer e fiquei curiosa como Isabel Allende iria descalçar esta bota. Não descalçou. Brincou de escrever e o livro seguinte foi «Afrodite» um belíssimo livro sensual de receitas a atirar para o afrodisíaco. Seguiu-se uma colecção para jovens e pensei termos perdido esta escritora para sempre, mas reaparece com toda a sua força em «O meu país inventado». Mais solta e madura. E já não esconde que escreve sobre seus familiares e amigos.

Mais do que recomendar um livro só, Marco, Isabel Allende é uma autora para se ler e reler. Até o livro de receitas está bem conseguido.

A frase que hoje gostava de ler, não de «Paula» mas o que escreve de seguida: o começo de «Afrodite».
“Dedico estas divagações eróticas aos amantes brincalhões e - porque não? - também aos homens assustados e às mulheres melancólicas.»
in «Afrodite», Isabel Allende, 1997


Livros de uma vida #5

a 26 janeiro 2010

Hoje trago: «Uma outra maneira de ser» de Elisabeth Moon


Esta autora de ficção científica escreve sobre autismo com muita propriedade. Sabe o que faz numa arrojada visão de um (im)provável futuro onde a ética e o avanço surpreendente da medicina se cruzam e enleiam. Tendo como ponto de partida um futuro mais ou menos próximo (em que já existe cura para o autismo), escreve sobre um tratamento experimental que faz as pessoas com esta condição ficarem “normais”. Ora, a partir daqui abre-se a discussão na cabeça de cada leitor. Desperta-os para questões sociais, morais e principalmente éticas: Então um indivíduo com autismo é menor? Ao submeter-se ao tratamento, será uma pessoa melhor? Será a mesma pessoa? A quem serve esta homogeneidade? Num naipe de personagens bem pensadas, Elisabeth Moon escreve um livro sublime, tocante e forte, que consegue ajudar a perceber algo tão intrincado como é o autismo. Mesmo para quem não conheça, este é um livro enternecedor.
O trecho que vou ler hoje é um eloquente pensamento da personagem Lou Arrendale, adulto, independente e autista:
«Claro que sei que não devo dizer isto em voz alta. Na minha vida, tudo aquilo a que dou valor foi conseguido à custa de não dizer o que penso, de dizer o que eles querem que eu diga. Neste consultório onde sou avaliado e aconselhado quatro vezes por ano, a psiquiatra está tão certa como todos os outros da linha que nos separa. A sua certeza é dolorosa de ver, pelo que tento não olhar para ela mais do que o estritamente necessário. Isso também tem os seus perigos; como todos os outros, ela acha que eu devia olhar mais nos olhos. Lanço-lhe uma olhadela. A Dra. Fornum, muito seca e profissional, ergue uma sobrancelha e abana a cabeça, quase imperceptivelmente. Os autistas não compreendem esses sinais; pelo menos o livro assim o diz. Eu li o livro, portanto sei o que não compreendo.»
in Uma outra maneira de ser, Elisabeth Moon, Editorial Presença, 2005


Livros de uma vida #6

a 28 janeiro 2010

Hoje trago: «O Estranho Caso de um Cão Morto» de Mark Haddon


Ora… estamos perante o melhor livro alguma vez escrito sobre autismo! O autor consegue a genialidade de entrar, de proporcionar o desmontar de uma cabeça autista a nossos olhos, os ditos “normais”, vista de dentro – jamais nos poderia descrever de forma tão lúcida se não fizesse do jovem autista Christopher de 15 anos o narrador! Esta é, do meu ponto de vista, a chave de sucesso deste livro. Brilhante Mark Haddon! A própria concepção e apresentação do livro é original: os capítulos não estão numerados naturalmente são todos números primos, ou seja começa no dois (2, 3, 5, 7,11,13…) e acabem no 233. Tem desenhos, esquemas, algoritmos - como se fosse um livro de apontamentos do Christopher. Deixar-nos embalar pelo raciocínio vertiginoso de um autista, como vê a vida, como sente cada momento, a forma como nos desconcerta com uma simplicidade arrevesada da sua leitura dos factos é cativante.
O "Estranho Caso do Cão Morto" é um livro premiado, é um best-seller, um dos mais vendidos da década - vendeu 2 milhões de cópias e é o único livro que faz frente ao estrondoso sucesso do escritor Dan Brown. E... é apenas um livro de apontamentos de um miúdo autista!!
«Os miúdos na minha escola são todos burros. Só que eu não devo chamá-los burros, embora eles o sejam. Devo dizer que têm dificuldades de aprendizagem, ou que têm necessidades especiais. Mas isto é estúpido, porque toda a gente tem dificuldades de aprendizagem, pois aprender a falar francês ou compreender a Relatividade é difícil; e toda a gente também tem necessidades especiais, como por exemplo, o Pai, que tem de trazer consigo um pacotinho de adoçante artificial para pôr no café, ou a sra. Peters, que usa um aparelho auditivo beije, e nenhuma destas pessoas são Necessidades Especiais, mesmo que tenham necessidades especiais. Mas a Siobhan disse que temos de utilizar essas palavras, porque as pessoas costumam chamar aos miúdos como os da escola “incapazes”, “aleijados” e “atrasados”, que eram palavras ofensivas. Mas isso também é estúpido, porque às vezes os miúdos da escola vêem-nos na rua, e gritam: - Necessidades Especiais! Necessidades Especiais! »
in «O Estranho Caso de um Cão Morto», Mark Haddon, Editorial Presença, 2003


(Não é por mudarmos a nomenclatura que se resolve a problemática, Marco… faz-me lembrar a situação quase anedótica dos pais que ficam tão felizes porque o senhor doutor não disse que o filho tem atraso mental, apenas disse que tem deficit cognitivo, é um branqueamento da situação!, preferem lidar com a palavra levezinha Asperger do que com a carga implícita em Autista ...)



Livros de uma vida #7

a 2 fevereiro 2010

Hoje trago: «Plenilúnio» de António Muñoz Molina



Hoje, em fase de lua cheia (e plenilúnio quer dizer lua cheia) não trago um livro fácil. É um murro seco no estômago – de uma escrita carregada, obcecada, mas com um traço poético – que fala sem pruridos, sem bolinha no canto de um tema perturbador. Pretende explicar a mente de um pedófilo.
Pessoalmente o mais perturbador que li nesta obra sublime de António Muñoz Molina foi, de uma vez, entender o que sente uma menina que é subitamente atacada, como a sua mente infantil e inocente interpreta gestos, actos e odores que não povoam – não povoavam! – a sua cabeça, a sua candura. E quebram-na, Marco. Para sempre. Por estranho que possa parecer o que vou afirmar… sexo é o de menos mau que acontece a uma criança violada. Porque estragam-na como pessoa para todo o sempre.

«Atravessa ele também, e outro toque de buzina muito violento fá-lo estremecer, como se o despertasse de sonho em que não sabia que tinha caído, sonâmbulo sem se dar conta, por tantas noites a dormir pouco ou sem dormir, pelo trago de rum e pela excitação nunca mitigada do segredo inviolável. A condutora de um carro insulta-o pela janela, agitando uma mão com pulseiras e unhas vermelhas, «pasmado», diz-lhe, «não tens olhos na cara?», e ele cora até à raiz do cabelo, desta vez sim, vermelho como um idiota, todo o corpo reage, as costas, as virilhas, as palmas das mãos, finca as unhas com os dois punhos serrados, tinha de ser uma gaja, pensa, diz em voz alta enquanto alcança o outro passeio, volta-se para responder e o carro já passou, mas ainda vê a mulher furiosa agitando as mãos, e duas crianças de seis ou sete anos que o olham com um ar idêntico de indiferença e de troça, as caras esmagadas contra o vidro traseiro, menino e menina com uniforme de colégio de freiras, meninos bem, filhos de papá, o carro é um Volvo, de certeza que o cabrão que o comprou não tem de se levantar às quatro e trabalhar mais horas que as do relógio para pagar as letras: que sentiria a gaja, tão soberba, com as suas pulseiras e as suas unhas vermelhas, se o menino ou a menina saíssem à rua e tardassem em voltar, ou não voltassem nunca?»


in «Plenilúnio» António Muñoz Molina, Editorial Notícias, 1998


Livros de uma vida #8

a 4 fevereiro 2010

Hoje trago: «O Fio das Missangas» de Mia Couto


O escritor moçambicano Mia Couto comete o ‘pecado imortal’ na sua narrativa ‘perfumegante’ de inventar novas palavras como as que uso hoje, de nos deixar os ‘olhos cristalindos’
Na sua ‘lenga-lengação’ podemos descobrir personagens como a “Isadorangela” (tão gorda que tem dois nomes em um), de palavras cheias de sentido ‘homosensuais’ a expressões perfeitas como ‘sexo à primeira vista’ ou ‘chorar babas e aranhas’.
Marco e digo-te como ‘penúltimato’: Hoje vou optimizar (com “P”) o tempo dos «Livros de uma Vida» a brincar com a poesia das palavras de Mia Couto! Queres melhor justificação porque não precisamos acordo ortográfico para ler a alma lusófona!?
«Na minha vila, a única vila do mundo, as mulheres sonhavam com vestidos novos para saírem. Para serem abraçadas pela felicidade. A mim, quando me deram a saia de rodar, eu me tranquei em casa. Mais que fechada, me apurei invisível, eternamente nocturna. Nasci para cozinha, pano e pranto. Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer que acabei sentindo prazer em ter vergonha. (…) Agora, estou sentada, olhando a saia rodada, a saia amarfanhosa, almarrotada. E parece que me sento sobre a minha própria vida.»
in «O fio das Missangas», Mia Couto, Editorial Caminho, 2004


Livros de uma vida #9

a 9 feveiro 2010

Hoje trago «Literatura Very Light» de Nuno Gervásio


Gostava de dizer que pedi licença ao Marco Domingos para falar deste autor hoje, uma vez que é público – o Nuno Gervásio é um querido amigo e meu parceiro de trabalho do projecto ShotStories.
Estreia-se hoje, dia 9 a peça de teatro «Elisabeth» no Instituto Franco-Português em que se estreia também o Nuno Gervásio como co-autor, desta vez num registo bem diferente do humor.
E Marco, se não te levantasses tão cedo para o Café com Iris, convidava-te para a ante-estreia…
O Literatura Very Light é um livro hilariante, inteligente que se lê de sorriso parvo e constante no rosto. É um autêntico manual de humor contagiante e uma viagem divertidíssima ao imaginário do Nuno – o texto seguinte é melhor que o anterior e sempre neste crescendo.
Fala sobre temas tão díspares como sexo, alcunhas carinhosas, despedidas de solteiro, mulheres, Soraia Chaves e lavandarias, ou toda uma série de teorias sobre os assuntos mais improváveis.
O autor garante 50 gargalhadas bem dadas – ou o dinheiro de volta.

«Estão a ver aqueles escritores que aparecem na contracapa ou na badana dos seus livros com a mão sobre o queixo num género de fotografia que todos consideram como “pose intelectual”? Nada disso. É simplesmente para esconder a papada. Aposto que 99% dos escritores que assim posam estão a pensar: “Caraças pá, eu sou tão brilhante, escrevo umas coisas tão porreiras, não é justo que me tenha aparecido esta espécie de bócio aqui à vista e toda a gente. Gaita para isto!” Lembrem-se desta bonita imagem quando estiverem com um livro na mão a observar a fotografia do autor.»
in «Literatura Very Light», Nuno Gervásio, Cherry Entertainment, 2009


Livros de uma vida #10

a 11 fevereiro 2010
Hoje trago: «Gostaria de ter alguém à minha espera num sítio qualquer» 
de Anna Gavalda

Este é um livro de contos absolutamente irresistível.
Começa levemente e entranha-se… se pensamos que será fácil, não o conseguimos ler de uma só vez. Como se uma mão imaginária nos travasse a cada final de um conto que nos obriga à reflexão. Aparentemente de leitura tão acessível e tranquila, a autora põe-nos em confronto com situações limite ou inverosímeis, mas é um soco surdo no estômago. É necessário tempo para a sua inteira digestão. Porque é uma leitura que nos entra no sistema.

«Como não conseguia dormir, a minha mulher fez amor comigo com muita doçura. À meia-noite estava outra vez na sala. liguei a televisao e procurei um cigarro por toda a parte. À meia-noite e meia, aumentei um pouco o volume para o último telejornal. Não conseguia tirar os olhos do monte de lata espalhada nos dois sentidos da auto-estrada. Que disparate. E eu pensava: esta gente é mesmo estúpida. Depois um camionista apareceu no ecrã. Vestia uma t-shirt a dizer Le Castellet. Nunca esquecerei o seu rosto. Esta noite na minha sala, o tipo disse: “Está bem, havia nevoeiro e é verdade que as pessoas iam depressa demais, mas esta merda toda nunca teria acontecido se o outro cretino não tivesse feito marcha-atrás para enfiar pela saída de Bourg-Achard. Eu vi tudo da cabine. Necessariamente. Houve dois que abrandaram ao meu lado, depois ouvi os outros a enfiarem-se uns nos outros como manteiga. Acreditem se puderem, mas eu não via nada pelos retrovisores. Nada. Branco. Espero que isto não te tire o sono patife.” Foi a mim que ele disse. A mim. A mim, Jean-Pierre Faret, em pêlo na sala.»
in «Gostaria de ter alguém à minha espera num sítio qualquer», Anna Gavalda, Publicações Dom Quixote, 1999

Livros de uma vida #11

a 18 fevereiro 2010
Hoje,  a brincar a falar a sério, trago:

«As boas raparigas vão para o céu as más vão para todo o lado» de Ute Ehrhardt


Ainda da réstia do brincar ao Carnaval e não sendo apologista de livros de auto-ajuda, hoje trago um livro para – a brincar – falar um assunto sério. Esta autora, cujo nome não me atrevo a pronunciar (Ute Ehrhardt), num tom jocoso, sem nunca deixar de ser assertiva, ensina a uma geração de mulheres educadas na senda “nascida-para-casar” a reaprenderem as regras do jogo e, muito particularmente, a saberem dizer N-Ã-O.

«As raparigas bem comportadas estão proibidas de dizer palavrões, expressões ou alusões sexuais fortes. Esta área linguística é domínio do homem. É pouco feminino exprimir-se de maneira agressiva ou obscena. A “merda!” proferida por um homem não causa o menor espanto. Mas dita por uma mulher, chega para assustar um grupo inteiro. No entanto, as mulheres não notam que prescindem de expressões fortes. Elas raramente se permitem ter reacções ordinárias. Por vezes, sentimo-nos melhor depois de dizer um palavrão, e até as mulheres se sentem aliviadas quando libertam a pressão dessa maneira. Calam-se muitas vezes, porque querem evitar conflitos, porque preferem calar-se a dizer alguma coisa ofensiva. Em vez de contra-argumentarem com os homens, as mulheres amuam e calam-se. Na melhor das hipóteses, é uma amiga que vem a saber o que elas pensam de facto.»
in «As boas raparigas vão para o céu as más vão para todo o lado», Ute  Ehrhardt, Editorial Presença, 1994


Livros de uma vida #12

a 23 fevereiro 2010
Hoje trago: «A Amizade» de Francesco Alberoni

Francesco Alberoni neste livro consegue dissecar em todos os seus cambiantes o sentimento mais belo, profundo e puro que pode unir duas pessoas. E sim, esse sentir é a amizade.
Desde o princípio a amizade rege-se por “encontros” não necessariamente físicos. Importa a próxima vez que se encontra o amigo e a amizade fica em suspenso até então. Não existe “o tempo” nem a sua cobrança. A Amizade é sempre autêntica, honesta, desprendida. É um dar sem pedir em troca, apesar da componente “reciprocidade” porque se esta não existir, não é verdadeira a amizade. É o único relacionamento que não se coaduna com a ambivalência.
O excerto que vou ler é o quebrar de uma amizade, porque acho que Alberoni o descreve de uma forma sublime.

«A mola da amizade, recordemo-lo, é o encontro. De uma maneira geral a amizade absolve, perdoa. Se é o perdão, o perdão é definitivo. Mas, se não existir o perdão, se houver a condenação ou a simples dúvida, a amizade está quebrada para sempre. Mesmo a simples dúvida. Porque a dúvida avilta a amizade, contamina-a. A amizade necessita da pureza. Basta um inquinamento infinitésimo e a substância já não é pura. A crise da amizade não depende da vontade. Quando a amizade se quebra, podemos procurar salvá-la, conservar uma atitude amigável, fingir que nada aconteceu, mas é inútil. A Amizade tem uma substância moral. Uma vez perdida a confiança, perdeu-se para sempre. A crise da amizade portanto é um processo. O passado é reevocado para ser julgado. O futuro é invocado porque tem de ser determinado. “E a decisão é sempre inapelável.”»
in «A Amizade», Francesco Alberoni, Bertrand Editora, 1984




Livros de uma vida #13

a 25 fevereiro 2010
Hoje trago: «Enamoramento e Amor» de Francesco Alberoni

Volto a Francesco Alberoni, por considerar estes os dois livros essenciais da sua vasta colecção de ensaios. A meu ver, depois de escrever estes dois livros, seria desnecessário escrever todos os outros, uma vez que recorrentemente busca, nestes, as noções que já escreveu para as reescrever. Todos os outros ensaios complementam a colecção sem contudo serem a pedrada no charco que estes dois livros, «A Amizade» e o «Enamoramento e Amor», foram.
No «Enamoramento e Amor» acentua o carácter perene e apaziguador do amor e o que chama ser a revolução do enamoramento. Alega que uma pessoa pode amar e contudo se enamorar quando realmente almeja a mais. E por enamorar-se, não se refere unicamente ao sentir por um outro indivíduo (do mesmo género ou não) é audaz ao afirmar que se enamora com facilidade (e não com leveza) aquele que vive apaixonado pelo ser, pelo dar, seja pelos filhos, pela profissão, pela vida!

«Não é a nostalgia de um amor que nos faz enamorar, mas a convicção de não termos nada a perder tornando-nos naquilo que somos; é a perspectiva do nada à nossa frente. Só então se constitui dentro de nós a disposição para o diverso e para o risco, aquela propensão de nos lançarmos no tudo ou nada, que os que estão de qualquer modo satisfeitos com o que são não podem experimentar.»
in «O Enamoramento e o Amor»,  Francesco Alberoni, Bertrand, 1979






Eis a rubrica semanal de literatura 
às terças de manhã, que estreou no
 dia 1 de Fevereiro 2011
na RADIO MARINHAIS


MESINHA DE CABECEIRA 
por Ana Martins
à conversa com João Vitor


clique -- aqui -- para ouvir em directo





Mesinha de cabeceira #1
de 1 fevereiro 2010

Hoje trago: «Mal Me Quero» de Ana Martins


JV – Vamos fazer a ligação à Ana Martins para dar início a este novo momento de literatura que hoje começa.
AM – Bom dia!
JV – Bem-vinda à Rádio Marinhais! Gostava de te perguntar porque chamaste à rubrica Mesinha de Cabeceira.
AM – Recordei um momento de uma conversa com um amigo meu, também autor, que me dizia que já tinha o meu livro e o tinha posto na mesinha de cabeceira, que lhe ia pegar assim que conseguisse, e como isso me deixou momentaneamente feliz. Esse meu amigo é o autor de uma das novelas que estão a passar neste momento e sei-o demasiado ocupado nesta altura a escrever, mas o meu livro, aguardava o seu momento no local mais mágico, onde guardamos o que vamos efectivamente ler e mais… ao colocar na mesinha de cabeceira, já o estamos a fazer com um carinho absolutamente diferente do desprendimento de guardar um livro novo na estante. Daí ter chamado assim esta rubrica. O logótipo que escolhi, uma mesa-de-cabeceira com uma imensa pilha de livros colocada numa praia, representa o que um livro pode fazer por cada leitor – fazê-lo viajar… sonhar mais além do horizonte.
JV – E conta-nos o que te vamos ouvir nesta rubrica todas as semanas à terça-feira?
AM – Justamente o que vai saindo de novo no mercado. É a minha visão sobre o que vale a pena ir parar à mesa-de-cabeceira dos nossos ouvintes.
JV – Falemos então do livro que também tenho na minha mesa-de-cabeceira. O teu mais recente romance MAL ME QUERO. É um tema quente onde abordas a violência doméstica.
AM – É verdade. Eu fiz muita pesquisa para este livro, e à medida que aprofundava, deparei-me com realidades que desconhecia ou que se calhar acabamos por não reparar num primeiro olhar. Chamei-lhe “os números calados”. Porque para além da violência mais comum de nos chama a atenção (o Manel que bate na Maria), há a violência na 3ª idade, que me chocou imenso, a violência na deficiência e a violência no namoro, como começam cedo demais.
JV – Pelo que já li, Ana, conseguiste escrever sobre várias situações…
AM – Sim, no Mal Me Quero pincelei várias realidades, não só a violência física do Manel e da Maria (porque não os exclui), mas escrevi sobre a violência verbal e a psicológica, que conseguem ser tão perversas quanto a física.
JV – Mas são muitas as tuas personagens! Percebo que era necessário para contares as várias histórias…
AM – A forma como estruturei o livro parece um livro de contos, mas é um romance. Apenas compartimentei cada realidade. Cada uma fica separada pelo facto de serem contos, aparentemente independentes, mas trata-se de um recurso literário para demonstrar que, tal como na vida real, o que acontece debaixo das telhas de um amigo, de um vizinho, fica lá, nós não sabemos, nunca sabemos e acontece mesmo ali ao nosso lado! O leitor vai sendo surpreendido pela forma como todas as personagens se cruzam sem nunca suspeitarem do que se passa na vida dos outros. E leva a aperceberem-se que como nunca pensamos que quem está perto de nós pode efectivamente precisar de ajuda sem nunca a pedir.
JV – Lá está, os números calados de que falavas à pouco…
AM – O medo, a vergonha do que vão dizer, paralisa a vítima. Fica prisioneira de uma teia de mentiras, que protege o agressor e faz com que ganhe terreno e continue. Só há uma forma de combater, João Victor, que é ter a coragem de falar. Denunciar a situação faz uma revolução na relação de poder entre agressor-vítima. E todos ficam a ganhar.
JV – Muito bem, e é um livro que consegues contar toda essa intensidade, mas também usas muito o sentido de humor… é para contrabalançar? Para equilibrar?
AM – Sim claro, além disso… faz parte da minha forma de ver a vida, transparece nos meus livros, na forma que construo as personagens ou nas soluções que lhes apresento. Os meus leitores dizem-me muitas vezes isso. Que não podem ler os meus livros em público porque são acometidos de gargalhadas ou porque choram no comboio ou no metro e enfim… são momentos de que deveriam ser privados. Mas de facto, de cada vez que me contam uma situação caricata, é um enorme elogio que cada um de meus leitores me está a fazer. Mexer com as emoções de uma pessoa é difícil e estão a dizer-me, sem o saberem, que o consegui. E eu fico grata. Muito grata.
JV – Essa é outra curiosa faceta tua enquanto escritora. O teu contacto com os leitores…
AM – É sim, prezo muito quem me lê e as opiniões que me dão. Se os leitores pensam que só eu lhes proporciono momentos perfeitos, enganam-se. Dão-me tanto em troca, mimam-me tanto e nem o sabem!!! Ou sabem, porque faço questão de lhes agradecer.
JV – E para garantir essa continuidade, vamos-te ter cá para a semana! Ana, muito obrigada. Mesinha de Cabeceira, hoje com destaque para o livro Mal Me Quero. E diz-nos, onde os nossos ouvintes podem encontrar o teu livro?
AM – No meu site. anamartinscom.blogspot.com – basta entrar em contacto comigo – uma mensagem , um email, até uma carta – os livros são enviados via CTT à cobrança, praticamente de um dia para o outro. Preço do livro + portes. Os meus contactos estão lá.
JV – Obrigada Ana e espero que esta rubrica de literatura que hoje começa se prolongue por muito tempo!
AM – Obrigada e até terça!





Mesinha de cabeceira #2
de 8 fevereiro 2010
Hoje trago: 
«Fotobiografia da Sophia Mello Breyner» de Paula Morão e Teresa Amado
«José Afonso – Todas as Canções» de José Mário Branco, Guilhermino Monteiro, João Lóio e Octávio Fonseca
«Luanda 61» de Dalila Cabrita Mateus e Mateus

(e ainda uma sugestão de cinema)


08-02 MESINHA DE CABECEIRA by Radio Marinhais

JV – Bom dia! Hoje temos a Ana Martins directamente de Coimbra!
 E o que nos trazes hoje? Tiveste tempo de espreitar as livrarias?

AM – Ora bem: Hoje gostava de falar de autores portugueses. Começo por Sophia. Sai uma fotobiografia pela Editorial Caminho que acompanha a decisão familiar de doar todo o espólio da poetisa à Biblioteca Nacional. Assim, e também com este livro, fica lançada a intenção de deixar ao alcance de todos a vida e obra da escritora, mesmo o que não era conhecido. 

Depois quero falar de Zeca Afonso. Sai por mão da Assírio & Alvim um livro importante, onde por fim se reúne todas as partituras, todas as letras e todas as cifras das muitas músicas – 159 – que o cantor nos deixou. Foi um livro que tardou em aparecer, visto ser Zeca Afonso e por ser a primeira vez que se publica em Portugal uma obra completa de um cantautor. Apesar de estar a ser escrito há 6 anos, havia questões familiares, alheias aos autores que não os deixaram avançar com o projecto. Mas sai agora!, e nunca fica tarde para o que não tem tempo!
Por fim quero falar-vos de uma tema polémico que volta pela mão de Dalila Cabrita Mateus e seu marido Álvaro Mateus, publicado pela Texto Editora. Depois da «Purga em Angola» sai agora Luanda 61, por altura da comemoração dos 50 anos dos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961- o irromper de um movimento que muitos consideram o princípio do declínio português face ao colonialismo. A tentativa de reconstruir uma realidade ocultada através da análise séria levada a cabo por estes autores de documentação da época, torna este segundo livro necessário. Eu apenas espero maior sorte e sucesso que com a «Purga de Angola». Cá estaremos para ver e escrever.

João Victor, não quero terminar esta rubrica de hoje sem deixar uma especial atenção, não a um livro, mas a um filme que está em exibição e considero imperdível: O Cisne Negro. A ver, a não perder, a deixar que todo o conteúdo se entranhe em todo o nosso ser!! É daqueles filmes que arriscam entrar directamente para os nossos favoritos de sempre. E agora, sim, até para a semana, que eu vou tomar um chazinho!



Mesinha de cabeceira #3
de 15 fevereiro 2010

Hoje trago:
«Cartas de Amor» de Pablo Neruda

Há um livro que sai esta semana pela D. Quixote que quero destacar: As cartas de amor de Pablo Neruda para a sua Matilde Urrutia, a publicação de postais, cartas e bilhetes furtivos do período de amor proibido, até ao final de suas vidas, já casados e com um amor maduro, dos anos ‘50 até à morte do poeta em Setembro de ’73.
Na mesma altura que vem a lume haver provas de um outro amor proibido no final da sua vida, um segredo bem guardado pelos amigos de Neruda, em que a amante furtiva seria Alicia Urrutia, uma sobrinha de Matilde que descobriu tudo e expulso-a de casa, é a mesma altura que sai este cartas de amor e percebemos a força desse sentir que pulsa nesta obra.
É um livro que apetece ler, descobrir, saborear. Esta colectânea tem um grafismo apetitoso. Dispõe os bilhetinhos, postais e cartas reproduzidos a cores, e sentimos como Neruda os escrevia. Escondido, enquanto viajava com Delia, a legítima antes de Matilde, ou enquanto assistia a congressos ou até quando dava um salto de fugida aos correios. A forma como datava as missivas é igualmente original. Poderia ser o dia, o mês, com ou sem ano, ou como mais gostei: “Hoje sábado”. Percebemos pormenores como quando uma caneta falha e ele a substitui, os erros ortográficos, os desenhos engraçados que acompanham os bilhetes, as gralhas quando estreia uma máquina de escrever que confessa não ter muito jeito, sempre com um sentido de humor e ternura que nos comove e dá vontade de mais.
Para terminar, são várias as passagens que eu poderia escolher como a melhor para vos ler, mas prendi-me com esta despedida que achei francamente original. Não diz de que ano, datou apenas “Paris 28”, mas presume-se que seja do inicio do relacionamento, 1950.






Mesinha de cabeceira #4
de 22 fevereiro 2010



Hoje trago:
«Um Livro» de Hervé Tullet





Perguntaram-me como faço a minha selecção a cada semana e gostaria de explicar aos nossos ouvintes: Há uma loja de que gosto muito, a Livraria Dharma, onde vou sempre procurar as novidades para fazer esta crónica e a dona, a Carla, permite que traga para casa os novos livros da semana para que analise e faça a minha escolha. Ter os livros comigo em casa é uma pesquisa completamente diferente e gostaria de publicamente aproveitar o ensejo para agradecer à Carla da Livraria Dharma.
Para hoje quedei-me na secção dos livros infantis, particularmente num tão visual que pensei ser um desafio engraçado explicá-lo aqui na rádio, sem o suporte da imagem.
Conseguem imaginar um livro simples que se chama UM LIVRO e que por ilustrações tenha apenas bolas? Vou tentar que o imaginem: começa com uma bola amarela e um pedido – carrega neste círculo amarelo – o que qualquer criança responde com a ingenuidade que nós adultos já perdemos e cinicamente pensamos que nada acontece se carregarmos numa bola amarela numa folha de papel. Mas estamos enganados. A criança carrega e ao virar a página acredita nas duas bolas amarelas que estão previamente impressas. E ao novo pedido na página seguinte estarão três e a criança sorri. Depois há outro pedido que esfregue o círculo amarelo da esquerda. De notar que o adulto compreende que se está a introduzir a noção de lateralização com a brincadeira e ao virar a página, a cor dessa bola mudou. É a noção das cores que aparece com um sorriso e nesse momento a criança tira-nos o livro da mão e acha-o mágico, mas o adulto já se deixou encantar pela brincadeira e não deixa que a criança descubra a etapa seguinte e já estão ambos sentados no chão e este livro, que é apenas um livro com bolas, já conquistou o seu público.
O meu filho já não tem idade para este livro, poderia pensar, mas eu quis brincar com ele e ver a reacção às sucessivas etapas. Carregou, esfregou e sacudiu a cada pedido. Quando tirou o livro das minhas mãos encantou-me e de repente tinha o meu filho pequenino de volta num simples jogo e aquele livro com bolas voltou a fazer magia por uns segundos.
O pedido que mais gostei, é que o livro seja inclinado e todas as bolinhas descaem para o lado esquerdo e depois ao contrário e parecem rebolar para o lado direito. Brincam com o leitor pedindo que toque, esfregue, incline, abane e sopre, com mais força, mais devagar e as luzes apagam-se e acendem e quando se pede palmas e mais força nas palmas as bolas crescem e crescem até quer toda a página seja amarela! E no fim, tal como no princípio, o livro acaba com uma bolinha amarela incitando a que se jogue outra vez.
Eu? Já não o fiz com o meu filho. Perderia a magia de o ter visto bebezinho de novo, mas para quem tenha filhos pequenos, aconselho O LIVRO.
Como nota de rodapé, gostaria de terminar com uma nova editora de livros infantis que apareceu, a Bags of Books Edições, com uma mestria nas ilustrações que me encantou feitas com pedaços de tecidos e botões alinhavados ou papéis recortados fazendo um apelo simpático à reciclagem mas com um grafismo dos nossos dias.



Mesinha de cabeceira #5
de 1 março 2010



Hoje trago:
«O homem que plantava árvores» de Jean Giono



Este não é um livro novo, é um aclamado conto publicado em 1953, saiu em filme em 1987 (está disponível no Youtube e aconselho vivamente) e vou falar agora que sai uma nova edição, é um livro pequeno com bonitas ilustrações, mas com um conteúdo imenso.
Muito se falou deste conto de Giono cuja mensagem esteve muito adiante do seu tempo, na sua intenção de um mundo melhor – reflorestar para rejuvenescer o planeta. A sua personagem, Elzéard Bouffier, um pastor que chamou a si uma missão e todos os dias plantava árvores, tendo o especial cuidado de escolher previamente as melhores sementes. Como o local que plantava era longe de sua casa, veio a construir outra casa mais perto para não deixar de cuidar das suas ainda pequenas árvores, deixou a pastorícia com receio que as ovelhas estragassem a sua obra e dedicou-se à apicultura. Sabia de uma nascente e construiu diques, irrigou o terreno, transformou em poucos anos um vale árido e desolado numa floresta magnificente, o que valeu ao local tal fama que milhares de pessoas foram viver para lá sem saberem que aquele pastor lhes proporcionou essa felicidade.
Durante décadas o autor permitiu que fosse alimentado o mito que a personagem seria homenagem a uma pessoa real e que o narrador do conto o alter-ego do autor, mas só cerca de uma década depois de publicado, Jean Giono confessou, numa carta, que a sua personagem Elzéard Bouffier era ficcional e que a sua intenção era que os seus leitores gostassem de árvores, melhor ainda, que gostassem da ideia de plantar árvores. Dizia ainda como este seu conto havia sido traduzido em tantas línguas e os livros distribuídos pelo mundo gratuitamente, que não tinha ganho nada com o livro e contudo, era o texto de que mais se orgulhava de ter escrito.
Para terminar, quero realçar que este livro pequeno é impresso em papel reciclado e dá a garantia que por cada livro vendido, uma árvore é plantada.

Depois, gostava só de salientar estes livros que vêm em embalagem de dois e na compra de um exemplar, a editora 7 dias e 6 noites e o autor oferecem outro às crianças de Moçambique ou Cabo-Verde. E ainda incitam o comprador/leitor a fazer uma dedicatória no exemplar de oferta!
«O rei e a estrela» de Vanda Furtado Marques com ilustrações de Lurdes Silva
«Aliane e Zaneah» de Francisco Fernandes com ilustrações de Sílvia Neto Gonçalves
«Uma lágrima chamada Sal» de Hélder Reis com ilustrações de José Nelson Pestana Henriques


O Filme de 1987 - vale a pena ver



Mesinha de cabeceira #12 
de 10 maio 2011 





“O Bom Inverno” – João Tordo












Nesta altura que decorre a Feira do Livro de Lisboa, curiosamente a minha escolha desta semana recai sobre uma obra do autor João Tordo, publicado pela Dom Quixote já no ano passado – O Bom Inverno – mas pronta a ser descoberto (e lido ou relido, conforme o caso) com uma roupagem nova na página de Facebook de cada um de nós. E como? Muito fácil: Sendo “amigo” do narrador e das personagens deste livro.
Podemos acompanhar esta original edição à medida que for sendo publicado, a do narrador e das suas admiráveis 17 personagens, através do link http://www.facebook.com/obominverno - nesta página, não paramos por aí a nossa leitura, mas sim somos convidados a adicionar a página de cada personagem e iremos saltitar de perfil em perfil para acompanhar o enredo do livro. Pode parecer estranho ou confuso, mas não é. O autor de forma engenhosa apenas utiliza as ferramentas ao dispor de qualquer utilitário do FB para assim fazer história: a primeira publicação Face Books – um livro no “face”.
Tem obviamente os seus leitores (seguidores, se quiserem em linguagem FB) que vão crescendo à medida que este novo projecto, a arrancar agora, está a ser divulgado, com direito a promo oficial da editora no Youtube.
Para acabar quero ainda acrescentar que João Tordo, é um ainda jovem autor – mas já premiado, há pouco tempo ganhou o Prémio José Saramago 2009, com a obra “As Três Vidas” – gostaria de salientar a excelência na escrita, no rigor técnico, sem nunca perder de vista o seu toque apimentado no seu habitual tom zombeteiro. Aqui ele desconstrói o seu próprio narrador (também ele um escritor).




Promo da Editora





Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...