sexta-feira, 31 de julho de 2015

os perfeitinhos do séc. XXI

Diga-me: começa o dia a sorrir para uma nova manhã ou a correr para a balança à espera do milagre matutino? Pela sua saúde, tenha juízo! 
Existem balzaquianas gorduchinhas, até nas personagens ficcionadas que povoam a nossa mente, como uma maravilhosa Bridget Jones, a sentimentalona desastrada (isto quando a actriz Renée Zellweger tinha cara e corpo de Bridget) ou uma bem desenhada Princesa Fiona que escolhe ser feia, gorda (e verde!) contrariamente aos cânones de beleza vigente, e contudo é linda! Então entre tantas das muitas mulheres com corpos pouco danone, respeito as que desrespeitam as regras, as que quebram o padrão, as que são como são, o que as torna (a meu ver) nas verdadeiras wonder woman deste século.

Porque motivo ser-se magrinha é bonitinho, ou até sinónimo de elegância? Não sabe? Pasme-se com a resposta: porque dá trabalho.

Explico: Se em tempos idos ter acesso a alimentação variada e em abundância tinha uma conotação de status (apenas para alguns privilegiados), quando o reverso da moeda (passar fome) era o espectável, então nessa época ter-se um aspecto nutrido era difícil e considerado o supra sumo da batata frita. 
Hoje é o contrário. Com toda a revolução industrial e industrializada, ficou fácil, temos à disposição uma panóplia fantástica de alimentos, do saudável ao hidrogenado. E cada um (ou uma) de nós é uno nas suas escolhas alimentares, nas que fazemos a cada momento, sejam as conscientes, sejam as da gula ou da palermice aguda. É aquela compulsão de comer uma batata frita seguida de outra, logo de outra, e não parar até às migalhas do fundinho. Apesar de não serem as opções mais correctas, empanturramo-nos - optamos com muita ligeireza pela facilidade do 'saciar', e já nem falo apenas de alimentação ou do cliché da falta de auto-estima ou ter muitos gatos: É o equilíbrio. E esse reside no âmago de cada um de nós. 
Hoje tem um peso demasiado exacerbado o peso que cada um tem. Eu? Voto no bem estar. Conseguir rondar esse bem estar, enroscar mente, alma e corpo numa harmonia que atingida não pode ser partilhada, antes sentida, faz com que ditames de revistas e imposições photoshopadas se reduzam à sua insignificância: se cada um (uma) se sente bem num 40, 42, porquê a guerrilha do 34, vá 36...? Excesso de peso?, ou excesso de zelo? Bom senso é que não é. E depois... 'Mente sã em corpo são' não é o slogan de um qualquer ginásio de moda, daqueles que a malta frequenta para bombar corpos saciando-se de modas, inflando biceps despropositados e egos megalómanos. 
E os postiços...? Ele é unhas, pestanas e cabelos quilométricos, ou maminhas e barriguitas de adolescente, tudo se compra, corta e alinhava. Tudo devidamente uniformizado para não escaparem ao modelito vigente. A originalidade é hoje um conceito esquisito. Ahhhhh, devem ser artistas... aí tudo cola convenientemente no figurino, não é? 
E os sorrisos??? Ceifam-se milhares de sorrisos únicos, com lábios assoprados por agulhinhas, aqueles sorrisos encantadores com um dente sobreposto ou outro tortinho que lhe conferia aquele ar engraçado, e essa unicidade perde para um pré-formatado sorriso pepsodent igualzinho a todos os outros que foram manietados com araminhos e elásticos.
Saciar o insaciável. Descartar o descartável. E logo a batata frita seguinte. Vive-se de um ideal que passamos nas redes sociais como uma realidade maximizada enquanto se esconde na sombra do tamanho desse perfil criado e alimentado a pão-de-ló.
São as linhas de conduta que os nossos dias exigem, ou melhor dizendo, escolhas que fazemos em função de metas que nos são propostas de forma subliminar, em nome de uma satisfação despida e imediatista.


Difícil, difícil? É vestir um 34, vá 32. Difícil é ter tanta comida à disposição e mandarmos a dona Gula evitá-la. 
Na nossa sociedade temos esse paradoxo de o social, o convívio ser em torno de uma mesa de refeição, vá... de petiscos. Amigos, e acepipes deliciosos para trincar. E depois endeusa-se a magrela que come uma folha de alface (a que fica com um humor de cão) e condena-se com um olhar uma anafadinha na montra de uma pastelaria (a que tem a gargalhada descompromissada). 
Teorias há que se batem com este novo modelo e a emancipação das mulheres. Como?, subjugando-as. Libertaram-se do jugo, foi? Tomem lá outro. Vamos inventar um novo sacrifício para as prender a um ideal que vão ter dificuldade extrema de atingir. Vamos pô-las doidinhas sem se aperceberem como e de onde esse sentimento de inadequação surgiu. Vamos às dietas loucas, às operações plásticas, toca a emagrecerem para terem credibilidade, para serem aceites. E ai das que desobedeçam, porque o rótulo salta mais rápido que os impropérios. 
Hoje não se fala em voluptuosidade, mas de implantes, esqueceram-se da sensualidade das curvas, da força de mãe-natureza que cada mulher possui: somos montanhas, vales, rios. Valoriza-se covinhas e saboneteiras nas omoplatas, conta-se as costelas, dá-se assustadoramente valor à ausência de valores.
"Uma fixação cultural na magreza feminina não é uma obsessão pela beleza feminina, mas uma obsessão pela obediência feminina".
Naomi Wolf
Hoje temos o fenómeno da Lua Azul... a minha amiga Rosa Barros desafiou-me há pouco, e desafio cada uma das minhas leitoras e amigas a celebrar-se junto com a Lua num pequeno ritual, seja com mais mulheres ou então a solo. Mas entregue-se, deixe fluir, desamarre as suas asas em final de julho e simplesmente voe. O que realmente conta é celebrar-se junto à Lua, é permitir-se voltar às raízes do feminino. Não sabe como fazer? Apenas dance... somos todo, somos uno, somos essa fluidez da vida, esses movimentos!!!

E temos Agosto aí. Eu? Estou arco-íris. Planeio de todo o coração abraçar este mês que entra, estou fisicamente de braços abertos com todo o meu ser receptivo à chegada do meu filho Pedro :) para o nosso Agosto feliz em arco-íris. E sim, comecei o dia a sorrir, e agora depois de muitooooo escrever, estou confiante, finalmente em paz.


sexta-feira, 10 de julho de 2015

Doer ou doer?

Sabe quando lemos uma frase, aqui ou ali, seja na net ou grafitada numa qualquer parede, que chama por nós? Quando até buscamos a autoria da mesma e depois ao encontrarmos perde o interesse, que nem é esse o nosso foco, porque o que vimos, a leitura que fizemos, é um outro filme? Eu foquei-me nesta palavra: "doer" 


Bem sei, leu certamente em português – "doer" (de dor, magoar) e contudo inserida na frase, a palavra é afinal em inglês "doer" (de fazedor, o que faz) – o que automaticamente posiciona tudo em duas acções ou posturas totalmente diferentes. 

Gosto de pensar em mim como uma mocinha "fazedeira", mas a ser completamente sincera, sei que muitas vezes não o fui, não o sou. No entanto olho para trás, para a pegada que deixo, e é real: um percurso estupidamente coerente colado a mim. E o sorriso, sempre um sorriso. 

Tenho, para trás, uma imensidade de vida de doer, a de dor, faz parte da massa que me moldou a ser a pessoa que sou hoje. O crescimento não é isento. Se fosse, as águas não mexeriam e tudo estagnaria numa alegre monotonia. A beleza de estar vivo, de sermos gente, vem da capacidade que temos de sentir, de pensar, de agir, de fazermos escolhas. Muitas vezes paralisei acometida de medos, outras deixei-me ir na corrente, mas sempre me travava com uma máxima para comigo: faz de conta que és corajosa, ninguém vai notar a diferença. E avançava. E de alguma forma superava os medos muito ou nada tolos. Durante anos supus que até a mim mesma enganava, por fazer de conta tempo demais, mas a determinada altura já se mesclava tanto o fazer de conta com o real... e realmente eu fazia. Doer de fazedeira. Nunca de dont'er. 
Ahhh, e sorria, nunca deixei - nem deixarei - de sorrir. 


segunda-feira, 6 de julho de 2015

O Autismo é f...

Há muitooooos meses fui contactada pela querida Sandra Gaspar para escrever um artigo sobre autismo para o Blog SWEET CAOS (que escreve em parceria com a Bárbara Aquarela Barreira), convite que me deixou muito honrada e feliz, tendo em conta os motivos que apresentaram. 
Contudo, quero confesso-vos a minha imensaaaaa demorada demora - não em aceitar o desafio, já que o fiz prontamente, mas em concretizá-lo. Primeiro foi isto, depois  era aquilo... a semana passada fiz um mea culpa aos meses de atraso, num ímpeto arrumei a Dona Preguiça e o Dom Procrastinador, sentei-me e escrevi-o num ai. Sabemos. O tema está escrito a tinta indelével na minha cabeça e debaixo da minha pele. Desta vez (ainda) usei palavras duras, mas creio que as consegui contornar.
O artigo saiu este domingo, que é dia de São Convidado no SWEET CAOS. Republico-o hoje, de novo aqui, para todos os meus habituais leitores, convidando-os a irem ao blog da Sandra e da Bárbara e lerem o que por lá tão bem fazem.
De brinde, um belíssimo desenho exclusivo, a acompanhar o meu artigo.
É um trabalho fantástico da ilustradora Ana Cocker, que podem acompanhar através do site: MY SIMPLE LIFE Obrigada Ana!! Comoveu-me deveras...
Deixo-vos com a linda ilustração e as minhas palavras.

O Autismo é f... 

Sabem aquele livro do Miguel Esteves Cardoso, O Amor é f...? Eu digo que não é bem o Amor, mas o Autismo. É certo, eu não tenho medo das palavras, do seu som ou intensidade. Sem ser a palavra f... - que podem estar menores a ler-me - diria com enorme segurança que o Autismo é "Desconcertante".

Há um momento negro de que todos os pais destes miúdos recordam - e que, naturalmente, os outros pais secretamente temem que lhes suceda: Um senhor doutor de bata branca sentado a uma secretária num qualquer consultório mais ou menos pomposo a debitar palavras que, essas sim, todos temos pavor de um dia ouvir. 
Até nisso tive sorte: não tinha bata branca, estava com o rabo sentado sobre a secretária com um fantoche na mão e enquanto fazia um timbre de voz em falsete a brincar com o meu filho, observava-o com olhar clínico. E fui eu que perguntei - Dr. Nuno, é autismo...? 
Era sim. Autismo e mais um par de botas de patologias associadas. 
Passaram mais de 25 anos desde essa primeira consulta. Terei hoje uma postura diferente perante a adversidade, contudo a mesma convicção, e sim, o mesmo médico. 

Autismo para mim nunca foi um bicho-papão. Inicialmente talvez, porque sabia ao que ia. Sou-era uma menina informada e não era um palavrão que teria de buscar numa qualquer enciclopédia (o Dom Google não fazia parte das nossas vidas, vivia-se sem internet naqueles tempos...) a minha atitude foi sempre muito positiva, no sentido em que arregacei as mangas e encarei o bicho olhos nos olhos: "Anda cá autismo, o que queres fazer tu com o meu bebé?, anda cá que eu estou aqui preparadinha para lutar contigo!!" E foi uma luta de uma vida. Mil batalhas ganhas muitas mais as perdidas, as que rapidamente esquecemos a cada nano-conquista. 
Porque é nesse sorriso do nosso filho em que se ganha fôlego para a seguinte, e a outra depois. 

Dizem que o autismo só se consegue diagnosticar depois dos dois, três anos. Perdoem-me a petulância, mas discordo veementemente. 
Primeiramente (deixem-me que vos diga a quem não sabe), por não existirem quaisquer testes médicos ou clínicos que se façam: o autismo é diagnosticado por observação. E observadora eu sou. Não o fui só com o meu filho. Noto em qualquer outra criança pequena que tenha aquele twist no comportamento que dispara a minha atenção. 
Porque é disso que se trata: Autismo é uma perturbação de comportamento. 
Há um olhar diferente nestes miúdos, uma desatenção, um gelar de alma que se instala quando o sentimos. 
Sim. Batam-me, mas uma mãe ou um pai sabe. Pode não querer senti-lo, muito menos verbalizá-lo, mas no mais recôndito e escuro recanto do seu ser, a dúvida instala-se, um medo frio e escorregadio, pespega-se nas entranhas, queremos a tecla do undo, do delete, do escape, mas não foram ainda inventadas para este intento. 
Este é um filho diferente dos irmãos, dos primos, dos filhos dos amigos. Todos o notam (é um facto incontornável nas relações de grupo), mas só alguns têm a capacidade, a coragem de o falar abertamente, de chamar a atenção dos próprios pais quando eles se fecham na oportuna concha. 
Não é um processo ligeirinho. 
Normalmente começa o cochicho calado. O olhar de esguelha. O acusar descomplacente para com uma postura que não entendem, mas lá que são rápidos no gatilho do julgamento.... 
Peço-vos: não o façam. 
E explico. 
Há pais que escolhem o caminho da negação. Então adjectivam: este filho é tímido, é distraído, é assim. Há pais que viram as costas e recusam aceitar. Há pais que ficam e lutam com armas que nem sabiam que tinham. Há pais que escolhem o caminho da eterna busca pela cura. Cura? Está bem... 
Querem um facto? Aqui o têm: os cientistas (ainda) não a descobriram. 
O que podem encontrar sim, são mil formas de melhorar a qualidade de vida desse filho e da família. 

Dizem os livros que autismo será a diferença mais difícil de gerir no seio de uma família. Demorei muito a aceitar como facto a dor que me provocava esse afastamento familiar e dos amigos que achava serem-me próximos. E é um grito que não deixo calar em mim. Se calhar deveria apaziguá-lo... 

Acredito firmemente que se as pessoas em geral soubessem-souberem realmente o que é um indivíduo com autismo, como se movimenta, pensa e encara a vida, se o respeitassem-respeitarem na sua essência, se se dessem-derem de coração para conhecê-lo, não teriam "medo" - porque é natural ter-se, sentir-se medo do que se desconhece, e a primeira imagem que se retém, de tantos mitos urbanos que circulam, não é simpática. 

É preciso querer-se olhar uma outra vez e com mais atenção para esta população. 
Urge em mim essa vontade. Que o façam. 
Sabia? São pessoas doces e meigas, muitas vezes dadas e terrivelmente genuínas, tanto que o são que muitos lhe chamam anjinhos e outras coisas fofinhas. São gente, como todos nós, têm o mesmo direito do que nós, os tais normaizinhos, de pisar este chão que é de todos, sabia? Eu já o aprendi da forma mais complicada. Não precisa ser assim para si... é que não está só, não está mesmo! 
Familiares e amigos, que se distanciam destas pessoas e suas famílias nucleares, não sabem como perdem uma oportunidade estranha de se elevarem, de crescerem, de serem melhores pessoas. 
Vou-lhe contar um segredo, quer? 
Aprendemos com estas crianças, jovens ou adultos (sim, eles crescem!) a verdadeira essência da vida, a resposta que todos buscamos: é o SIMPLES. Eles têm um *descomplicómetro* associado que lhes confere uma poesia na forma de ver e viver a vida que a nós, os formatados para a normalidade, nos desconcerta tão completamente. Afinal, nós os aparentemente normais, andamos a complicar a nossa existência para quê?? 

Como mãe e como observadora, gostaria ainda de assistir neste mundo ao momento em que familiares, amigos da família, pessoas que circundam estes entornos familiares onde existe uma pessoa com autismo, fossem simplesmente agraciados com uma inusitada generosidade e tivessem a verdadeira intenção de perceber como estas pessoas vivem cada momento do seu dia, como os pais e cuidadores resolvem problemas que apenas aparentam ser de somenos importância e podem ser (são) calamitosos. Mais. Deixassem de culpabilizar (os pais) que não tem nem a culpa nem a vontade que isso aconteça. Mais ainda. Esta é a fase em que estas famílias mais precisam de apoio, não de um dedo apontado. 

Sabe uma chuvada de Verão, que poeticamente achamos ter um cheiro romantizado a terra molhada, e essa ser a única emoção a ser acordada? Pode ser dramático para alguém cuja hipersensibilidade o faz sentir dor. 
A chuva não dói - que disparate - poderá pensar, não é? 
Faça-me lá a vontade e caminhe comigo: vá, dispa o casaco, fique de braços nus, descalce-se, abra os braços a uma nova descoberta e deixe os simpáticos pingos quentes da primeira chuvada tomarem conta de si. Caminhe à chuva, vá, mas esqueça-se da sensação que lhe é prazerosa e tente entrar na mentalidade autística de que só (me) ouve falar. 
Aferir a dor de outrem é algo que considero impossível - sempre afirmo isto - mas tente concentrar-se em que cada minúsculo pingo de chuva é uma alfinetada, um golpe de faca, o que seja que imagine que lhe doa a si, mas sinta que lhe dói. E muito. Então? Ficou com vontade de chorar? De gritar? Não acha (ainda) terrivelmente intrusivo?... Certo, vamos subir de nível neste jogo. Agora acrescente que todos os sons foram magnificados amplificados a raiar a distorção e consegue ouvir todas as conversas de todas as pessoas, todos os ruídos de portas, carros, sirenes, pássaros, até o ar condicionado da loja do outro lado da rua, todos os cães a ladrar, os passos de todas as pessoas, mesmo os grilos lá no fundo, do outro lado do quintal. Não chega... Pense nos cheiros que lhe entra pelas narinas. Quais? Então, o do suor do seu próprio medo, aquele que nem deu conta de que se apossou de si, o do pêlo molhado do cão que está do outro lado da rua, o do cozinhado queimado da tia Micas que sai pela janela, o do horrendo dos caixotes do lixo da rua detrás, e sim, o da terra molhada pela primeira chuvada de Verão. Podia continuar, mas vá, pense só que agora não pode abrir os olhos e acabar este exercício. Nunca. Nunca em toda a sua vida.... Diga-me: e agora já gritaria? Eu creio que sim. E nem falei das texturas complexas, das cores que ferem e doem, das palavras que passam por cima da cabeça e fazem fila para entrar nas suas ideias.... 

Autismo existe. É fodido, sim. É apenas o que lhe peço. Olhe para o lado. Cada vez tem mais amigos, vizinhos, primos e conhecidos a terem um bebé com autismo, não é? Então pare para ajudar. Nem que seja a entender. Vá, não seja fodido para com o autismo. 


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