quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Ou ele ou eu

25 de Novembro é o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. 
Um conto meu do livro "Mal Me Quero", porque este romance escrito há tantos anos,  ainda é tão actual. 

Mais do que o Manel que bate na Maria, fixei-me nos casos de que ninguém fala, os que não fazem queixa à polícia, os que não contam nem à própria sombra, os que chamei "os números calados". 
De toda a pesquisa que fiz, não contei uma história verdadeira. São todas ficção, porém as personagens vão parecer-lhes familiares. Uma tia-avó? A vizinha do 2º esq.? O irmão mais velho? Aquele colega de trabalho?
Sim.
A violência doméstica acontece mesmo debaixo do nosso nariz, aproveita-se do silêncio, vence no medo que a vítima vai tendo de enfrentar ou contrariar a tendência crescente do agressor ou agressora, medra ao mesmo tempo que a inércia, não se compadece de pedidos de perdão e-ai-que-nunca-mais-vou-fazer que só servem para os abusadores ganharem tempo e terreno, porque acreditem - fazem de novo e outras tantas vezes mais sem que a saciedade lhes chegue. Acontece debaixo de telhas bem perto de nós, onde não suspeitamos ou, até mesmo sabendo, não nos metemos porque entre marido e mulher não há quem queira meter a colher. 
Toda esta pesquisa ensinou-me a meter a colher. 
Desde 2010, a reacção a este livro é curiosamente calada. As pessoas não dizem publicamente que o leram, antes contam-me à boca pequena, no silêncio de um longo email como gostaram, aproveitam para contar a sua própria história, a passada e também muitas vezes a presente. Há pessoas que compreenderam que são vítimas ao ler uma história em que se revêem, há pessoas em que pressinto a mensagem verdadeira quando me confessam que não conseguiram ler tudo até ao final e aplicam um determinado motivo para o explicar.
Eu compreendo e aceito-o em silêncio. Evito dar conselhos (quem sou eu...?) na verdade para os meus leitores não tenho mais palavras a dizer para além das que escrevi neste livro. 
Mas acreditem, aprendi a comportar-me como cidadã e a perguntar a cada situação que veja na rua com voz bem firme: 
- Precisa de ajuda?

Fico muito grata a meus leitores por me continuarem a ler.




Conto "Ou ele ou eu" in Mal Me Quero 


De repente ficou desorientada, como se tivesse tomado consciência do que tinha acabado de fazer. Nunca lhe passara pela cabeça, nem nas ocasiões mais perversas que, um dia, pudesse chegar a este ponto. Mas esse dia era hoje.
E agora? Não era alívio o que sentia, tão pouco culpa... como explicar o que não concebia?, uma grande confusão de sentimentos contraditórios. Estaria em choque? Se estivesse, pensava, não seria tão consciente de todos os seus movimentos, pois não? Os que tinha acabado de fazer, os passos que teria forçosamente de executar de seguida, a falta de motivação e o poder irresistível de, por o ter feito, ter mudado todo o curso da sua vida. Arrependimento? Nem sabia. Fora um impulso, a oportunidade surgiu e nem pensou noutra coisa senão... morrer ou matar.



Não tinha visto toda a sua vida em flash-back como dizem nos livros. Agora sim, as imagens sucediam a uma velocidade vertiginosa: sabia que não tinha pretendido fazê-lo, mas, num momento de loucura, como fora este, teria realmente, por algum segundo, pensado em acabar com todo o seu martírio, ao pegar naquele horrível martelo dos bifes? Outro pesadelo estaria agora a começar, sabia-o bem. A cristalina consciência da sua situação era tão evidente quanto veloz: não parava de pensar que, provavelmente, estaria em estado de choque.
Olhou para o vaso derrubado com petúnias que tinha comprado para o jardim, havia terra por todo o lado. Se num primeiro impulso pensou em levantar a planta e limpar a terra, no seguinte, recordou os filmes da TV, em que não se devia mexer no local do crime. Crime...? Cometera um crime, sim! Ela perpetrara o mais terrível delito: matara uma pessoa, a mesma a quem prometera amar, respeitar, estar ao lado na saúde e na doença, até que a morte os separasse...
Seria presa, certamente. Quem iria acreditar na sua palavra se alegasse legítima defesa? Ninguém nunca iria crer que, logo eles os dois, tinham um casamento onde imperava o medo, o cinismo, a dissimulação. 
E sim, a cobardia. 
A dele, por a atingir a cada olhar, a cada ameaça, a cada murro. A sua, por o esconder, o encobrir e o perdoar.
Ainda a limpar as mãos na toalha da cozinha, cuidou que o tinha visto respirar. O peito parecia que subia e descia! Aproximou-se a medo. Lembrou-se quando, em pequena, viu um morto num acidente de viação, também o peito dele subia e descia e nem estava no estado que o marido estava... Impossível estar vivo com a cara naquele estado! Deu-lhe um pontapé no pé. Morto. Só podia ser algum reflexo involuntário, alucinação sua, uma brincadeira de mau gosto da sua mente. 
Seria presa, decididamente. Fugir não era opção. Só foge quem quer escapar de algo que fez de errado. Teria sido assim tão errado matá-lo? Ele ia matá-la, senão desta vez, da próxima, ou na seguinte. Sabia, havia muito tempo, que eventualmente morreria às suas mãos. Seria tão errado não querer para si esse fim? Seria assim tão errado querer viver?, fugir desse filme de terror em que se transformara o lindo romance de amor que deveria ser o seu casamento?, se não vivessem todas sempre à espera do príncipe e do cavalo branco, pensava, talvez as expectativas não fossem tão altas, quiçá, tendo fechado o canal cor-de-rosa, pudessem avistar um calhorda na roupagem alva logo à distância!
Devagar, tacteou a cara. Conseguia ver as suas próprias bochechas, devia estar jeitosa... a toalha húmida soube-lhe bem no rosto dorido. 
Porque é que permitiu tanto? Porque é que perdoou tanto? Podia ter acabado as coisas antes do casamento. Sim, naquele longínquo dia, devia ter percebido que não se iria meter em coisa boa, mas já tinham comprado a casa, os convites já tinham sido enviados e os sofás eram tão bonitos... hoje parecia-lhe uma futilidade de motivos, mas percebia agora, claramente, que já era o medo a nidificar em todos os poros do seu ser, serenamente, sem permissão, sem deixar sinal, a impossibilitá-la de pensar no assunto, de reagir. Podia ter sido no dia do casamento, quando o seu antigo namorado telefonou e lhe pediu para não o fazer, podia ter sido no primeiro dia em que a desancou sem motivo, podia ter sido... ontem!, mas nunca conseguiu verdadeiramente pressionar o botão agir... Mas, seria preciso matá-lo? Seria. Mil vezes, seria! Jamais teve ou teria coragem de mexer-se! Jamais respondeu empregando semelhante tom, nunca virou ou viraria as costas, nem tentou ou tentaria argumentar, fugir então...
Aproximou-se. Mortinho da silva! Agora não a atingiria. Aproximou-se mais um pouco. Tentou decifrar o significado da expressão intacta no lado direito do rosto desfigurado. Estranheza? Pasmo? Estupefacção? Não. Não era isso. Era... sim, era medo! 
Ele tinha sentido, no último momento da sua vida, medo dela. Ele tinha tido medo! A primeira sensação foi sentir-se vingada, mas não era bem um gosto a vitória, sabia a amargo. Veio a tristeza. Ele tinha uma cara tão bonita, a mãezinha dele, sua sogra querida, nunca a perdoaria... 
A euforia. Precisava de ajuda... não sabia como ou o que fazer, para onde ir ou ligar, mas... ele estava ali, no chão, caído, ela matara-o, mortinho, matado!
Era tão frágil a vida humana, um gesto, num ápice e ceifa-se uma vida. A poça de sangue escuro nauseava-a. Limpava continuadamente as mãos ao pano. Nunca pensara deveras quão precária pode ser a existência do ser humano. Num ápice azarado, podemos apanhar com o vaso do inquilino do segundo esquerdo que, sem se dar conta, sacode despreocupadamente um tapete, ou inocentemente atravessar uma estrada no momento errado, em que um condutor zeloso, para se afastar da clássica situação, a criancinha que corre atrás da bola, vira repentinamente e, ao escolher a direcção contrária, atinge-nos sem sentido, ou então, pode simplesmente acontecer, como hoje, quando a nossa cara-metade nos faz a cara em metade. 
Tão forte que ele era, pensa, tão fácil que foi. Acabou. Mal, ele não lhe faz mais! Acabou. Respira profundamente. Passa as mãos pelo cabelo, afastando-o do rosto dorido. Está horrorizada com o formato inócuo e desresponsabilizado que todo o seu ser parece adoptar em relação ao que acabou de causar, a facilidade com que o fez, a displicência de quem não tem nada a fazer ali, contudo, no mesmíssimo segundo, sabe e sente a culpabilidade, aguarda a punição, a espera: foi um acto que não tem desculpa possível, nem sequer a do instinto de sobrevivência, de ter estado a lutar para salvar a sua própria vida. Nunca deveria ter permitido que o rumo dos acontecimentos tomassem o leme na sua existência, devia ter feito... poderia ter feito tanto! 
Pensou na mãe, na sua mãe, no que sentiria quando lhe dessem a notícia, como reagiria quando a soubesse presa? No emprego, certamente iriam preencher o seu lugar quando a soubessem uma assassina! Os amigos, os vizinhos, o que iriam dizer? 
Foi até à janela e ficou a olhar as gotas de chuva que escorriam pela vidraça. Amanhecera. Caía uma chuvada valente de pingos grossos. Abriu a janela para escutá-la melhor. Sorriu ao cheiro bom de terra molhada. Aspirou-o profundamente, como que a degustar o seu novo momento. Paz...? Estranhamente, não tinha vontade de chorar, como, achava, seria normal acontecer. Engoliu em seco, doeu-lhe a garganta. Veio-lhe à lembrança as mãos bojudas em torno do seu pescoço, a correria pela casa... olhou em volta – parecia o cenário de uma guerra. Não era o que tinha sido? Desta vez tinha lutado firmemente, não se resignara em apanhar umas biqueiradas placidamente, como se a reacção tivesse sido mandada de folga, desta vez reagiu! O seu marido tinha ficado atónito com a primeira caçarolada na cara, nunca o havia feito e apanhou-o desprevenido. Acto contínuo, como seria bom de ver, ficou mais violento, bateu-lhe com as duas mãos bem abertas, como tão bem fazia, mas, desta vez esqueceu a precaução de não a marcar no rosto e bateu até a ver com a cara num bolo. Devagar, tacteou de novo a cara. Incomodava-a o inchaço, poder ver as próprias bochechas... 
Recordou esse instante... Sim, claro!, ela não tinha tido a intenção de o matar! Fechou a janela e voltou a olhar para aquele corpo inerte. Chegou bem perto e afastou-lhe a franja no lado intacto da cara. Amava-o apesar dos pesares... Ele parara de bater, olhou-a no rosto e viu o que tinha feito: ela achou que tinha terminado a investida do dia. Já suspirava de alívio quando sentiu que ele abrira a gaveta dos talheres e, enquanto remexia, ameaçava: “Achas bem a colher de pau, querida? Já estão fora de moda! Hoje vou usar uma faca, ou preferes um martelo, não deve ser giro?” 
Não fora nada giro. Inicialmente apenas fugira, quando encurralada, ela ainda achara que não a iria matar, apenas a queria intimidar, era o costume, este era apenas um novo instrumento, mas um brilho novo no seu olhar que, momentânea e estupidamente, a fez lembrar o capitão Gancho, assustou-a. Era desta! O seu inferno ia ter um fim. Gritou. Gritou muito alto. Ele tapou-lhe a boca. Ela nunca gritava, e os vizinhos?! 
Fora aquele o instante. O martelo deposto ali ao lado... nunca mais... nunca mais... nunca mais... nunca mais me tocas... nunca mais me bates. – Murmurara a cada investida. 
O céu estava carregado. Ia ser outro dia de chuva forte, tinham dado trovoada. 
- ‘Tá lá? É do 112? Olhe, desculpe, mas eu matei o meu marido. 



domingo, 25 de outubro de 2020

A hora do nada

Sempre que acontece a mudança de hora, em que recuamos uma hora nos nossos relógios, nas nossas vidas, a minha imaginação dispara nas múltiplas possibilidades do que pode ou não acontecer a cada um de nós numa hora que não existe e que de uma forma utópica mude a forma de estar e ser para sempre. É claro que esse momento nos pode surgir em qualquer hora de nossas vidas, mas muito mais poético se for naquela hora mágica que só se designou (não) existir uma vez por ano, poético e definitivamente uma excepcional história para, um dia contar aos seus netos. 
Não seria o caso de Sandrine, se fosse o caso desta minha personagem de livro ser real. É uma das muitas caras sem rosto que dão cor ao meu livro "Mal Me Quero" que sendo um romance de ficção, aborda realidades vividas por muitas Marias e Sandrines. Nem sempre mulheres, nem sempre Marias, e sim, também o reforço no meu livro com personagens masculinas, apesar de o rosto mais visível da vítima da violência doméstica seja o feminino.
Deixo-vos com a Sandrine, quiçá para ser lido na hora do nada deste ano, acompanhado pelo som de Billy Joel - num dos contos deste meu livro de ficção (que pode ser tão real, silenciada debaixo das telhas de cada casa)  "MAL ME QUERO" - páginas 53 a 56 - "A hora do nada". 


A Hora do Nada

Sandrine convenceu-se que não tinha acontecido. Até porque fora só daquela vez e aquela vez não tinha existido.
Engraçado os mecanismos que a nossa cabeça arranja para se defender do lixo mental que não queremos ver, ouvir, cheirar, sentir, menos ainda saborear.
O Ruben tinha aquele hábito horrível de beber bagaço com a bica do jantar. O pai dela também o fazia, quando imigraram para França, dizia sentir-se mais português por comer bacalhau, chouriças e beber bagaço. Esse era um fedor que se lhe entranhava nas roupas, junto com esse, o do tabaco dos outros da taberna, entrava pela cama lavada a cheirar a alfazema e roubava-lhe o odor a casamento feliz que tanto queria sustentar.
A mãe e o pai ainda tinham um casamento composto, tinham lá as suas coisas, mas qual o casal que não as tem? Viria a ser assim com o Ruben também. Era um bom homem, amigo de trabalhar, um bocado rude devido à educação que tinha tido. A princípio, quando vinha nas férias, até o achara peculiar e pensava que se poliria com o tempo, o convívio e o ficarem juntos em Portugal.
Mas era o Portugal dele. Não o seu. Não agora.
O marido era de perto da terra dos seus pais, uma zona de quintas bem perto de Lisboa. Visitavam os avós todos os verões, no mês habitual e o namoro com o moço despontou. Coisa de miúdos, quando se encontravam nos passeios de bicicleta, pelas pequenas florestas onde depois brincavam. Sandrine recordava-se sempre das histórias de bruxas quando passava por lá, devido ao marulhar esfregadiço das folhas quando havia vento.
Só nos seus 16 anos levararam o namorico da menina mais a sério num amargo fim de Agosto: Sandrine não queria, porque não queria voltar à França deles e pedia: porque não ficava a viver com os avós? Nascera lá, mas o coraçãozinho de jovem ficara só às últimas chuvadas de Verão porque os pais não permitiram que a sua menina de ouro interrompesse a escola e o sonho de a vir a tornar alguém na vida. A promessa de trabalho dos tios do marido, o sonho adolescente de um casamento perfeito e um irredutível Ruben de mochila às costas frente à casa dos pais sem aviso prévio, fizeram-na deixar os pais aos dezoito anos e vir para uma terra que nunca viria a sentir sua.

Três filhas depois sentia-se sugada, estupidificando a cada dia, numa casa sem graça no bairro escuro, como se um vagaroso torpor tomasse lugar da menina inteligente para os livros de escola, enquanto a sua bicicleta enferrujava nas traseiras do quintal.
Aquela noite não tinha existido. Não naquele momento mágico em que a hora de Inverno anda para trás e por isso mesmo nada tinha acontecido. Todos os dias pensava nisso e tentava focar-se apenas na ideia da hora que não tinha acontecido, por isso era tão fácil convencer-se! Contudo, nada ficou igual depois dessa hora em que nada, mas tudo aconteceu.

O Ruben chegou da taberna tarde como vinha sendo habitual. Estranhou quando o ouviu dar uma volta na fechadura da porta do quarto, apenas cerrou mais os olhos, encostou o nariz no lençol e fingiu dormir, como já se tornara seu hábito, tentando reter a lavanda nas suas narinas.
Só teve tempo de estranhar ele não se sentar pesadamente do outro lado da cama e atirar com as botas sem pensar que por baixo dormiam vizinhos: Estava do seu lado da cama e...
Pôs as mãos dentro da sua camisa de dormir e... fez o que não lhe foi muito confortável.
Sabia o nome da coisa, porque tinha dito veemente e repetidamente NÃO.
Honoré de Balzac dizia «Pode-se perdoar, mas esquecer, isso, é impossível.» Sandrine tentava esquecer, tentava ferozmente esquecer, sem se dar conta que nem perdoar conseguia. Talvez o que mais lhe custava desculpar fosse aquele momento, logo no início, quando se debateu, fechou as pernas e disse, “NÃO FAÇAS ISSO”, a valente chapada na cara e aquela voz bagacenta a ordenar: “ESTÁ QUIETA!”
Está quieta...?
Como se não fosse dona do seu ser, do seu querer ou não querer.
Não se ajeitou, tão pouco lhe facilitou a coisa. Parvamente recorda quando, desesperada, olhou para cima e na escuridão do quarto viu o neon da luz do despertador e se recordou que teria de mudar a hora.
Depois...
Quando ele saiu para o toillete, rolou na cama e limpando as lágrimas com o pulso dorido, recuou a hora do despertador. Esboçou um sorriso tonto e tentou evadir-se para o campo ensolarado lilás da plantação de alfazema que havia na propriedade onde os pais trabalhavam na sua França enquanto apertava o relógio contra si. Foi a primeira vez que lhe ocorreu esse pensamento a que se agarrava até hoje: A hora do nada. Porque se não existira, logo, nada se passara!
Havia ocasiões em que ponderava e a culpa era dela. Era um dever conjugal a que se esquivava frequentemente quando o Ruben bebia e, verdade se diga, recusava muito. Não suportava aquele cheiro a entrar-lhe pelas narinas e a bloquear-lhe a líbido. Era mais fácil fingir que dormia e dormia muito.
Nunca falaram sobre aquela noite.
Ele solicitava e ela não se debatia. Assim. Função cumprida. Todos os dias.
Até que uma noite – daquelas em que Sandrine agora dormia mesmo muito com uns comprimidos que, entretanto, comprara – acordou e não o sentiu na cama a seu lado.
Nessa noite em vez de sentir alívio por ele não estar a seu lado... gelou.
As meninas.
Sorrateiramente foi espreitar o que podia estar a acontecer, mas um sonoro sopro anal vindo do toillete anunciou a localização de Ruben.
Entrou no quarto das meninas e foi beijar e aconchegar uma a uma no soninho descansado. Cheirinho a Alfazema. Perfumava-as sempre depois do banho antes de as deitar. E se... Não. NÃO!
Sabia que no bairro havia uma Associação de Imigrantes. Sabia que eram bastante activos com a população em perigo, não iriam negar ajuda a uma mãe com três filhas, como tinha conhecimento não negavam a ninguém. Uma vizinha cabo-verdiana perto dela andava a ser ajudava por esses senhores da associação, a outra família lá além também e percebia claramente tanto empenho e dedicação.
Deu duas voltas à chave do quarto das meninas e deitou-se na cama com a mais pequenita. Inspirou bem profundamente o ar impregnado de lavanda.
Não pensou no que tinha de comprar na mercearia na manhã seguinte: Mentalmente soube onde iria assim o sol amanhecesse. 


sexta-feira, 15 de maio de 2020

novos livros para a sua mesa de cabeceira


Ana Martins regressa com todos os seus romances, agora com preço reduzido. 

              10 euros 

Em tempo de pandemia receba os livros na sua casa em segurança e autografados. 


É simples.
Contacte-me.
Por mensagem ou e-mail 


Se já leu, escreva-me, qual foi o seu preferido?


Mais detalhes abaixo 🔽


O livro da maturidade e do amor 

 Ana Martins escreveu um verdadeiro «thriller» do amor e da felicidade que se desenrola entre Lisboa e o Alentejo. Uma história a saborear para esquecer a dureza dos tempos. Um livro azul e branco, mas não cor-de-rosa, repleto de Alentejo: com humanidade, sotaques, gastronomia, paisagens vislumbradas, e mesmo uma banda sonora. Um livro para escutar, sobretudo o coração das personagens: Ana Martins adora tanto as suas personagens que nós acreditamos quase no impossível. Um livro cheio de amizade, de bom senso e de sentido da vida. «Foi Flora que conseguiu falar em primeiro lugar: - Adoro como o Universo nos põe no momento certo com as pessoas certas sem nos darmos conta!» Este livro fala-nos e gostaríamos de responder.  


  







O livro “Ao km 32” conta, através da história de amor das personagens Hala e Wael a guerra na Síria, e mais do que o drama dos refugiados que se vê na TV ou se lê nos Media, a autora aborda com elegância e subtileza o que não se vê, o não se conta: tráfico humano e de órgãos, as controversas travessias de barco para as praias gregas, dá-nos conta da fuga pela vida até à liberdade, da busca dos que estão bem pelos seus desaparecidos, a superação para além de todas as adversidades, sem nunca perder o prumo de conseguir contar a guerra com amor. "Ao Km 32" é, acima de tudo, uma história com muito amor: é através do namoro de sentir absoluto de Hala e Wael que a autora nos conta a guerra, tira-nos o fôlego numa criativa maratona de emoções até ao desfecho, traz-nos um romance apaixonado que começa e termina com a mesma palavra: AMOR! 




Mal Me Quero 

Violência doméstica não é só quando o clube perde e o Manel bate na Maria! Cada conto deste livro é pura ficção, se alguma personagem, evento ou circunstância lhe parecer familiar, não é pura coincidência, é apenas porque as histórias aqui contadas – contos curtos, incisivos e perturbadores – realmente acontecem. Ao nosso lado, debaixo do nosso nariz, onde menos esperamos, da forma mais perniciosa e inesperada. 
Para além do mal querer de qualquer vítima, há e haverá sempre, a perene certeza que existe o momento de dizer: BASTA!


Evo (ou amar para sempre) 
(esgotado, disponível em ebook) 

Sendo Evo cronologicamente o primeiro livro de Ana Martins, contam os amigos que decidiu guardá-lo, evitando publicar até um improvável dia mais tarde na vida. Décadas depois resolve, sem mexer no texto inicial, dar-lhe uma roupagem de contemporaneidade ao juntar um inusitado narrador que abraça e respeita o que a menina escreveu, mas nos revela com mestria a mulher que hoje escreve.
Honrando os amigos que sempre lhe disseram para o publicar, além de finalmente aceitar o pedido (e de lhes dedicar o livro), desafia-os: Uma frase sobre o Evo. As respostas foram todas céleres e emotivas – partilhadas agora com todos os leitores.


Autista, quem...? Eu? 
(esgotado, disponível em ebook) 

Autismo, esse fantasma que assombra e ao mesmo tempo ilumina as vidas que vai tocando. Viver com o autismo é uma fonte constante de sobressalto e criatividade que a Autora retrata através da descrição do narrador.

SINOPSE

E se um primeiro emprego, temporário, lhe modificasse a vida? Quando Xavier Duarte, 22 anos, aceita ser baby-sitter de uma criança autista jamais imaginava que iria entrar num mundo completamente diferente. Desconhecedor das acções, reacções, motivações e obsessões que movem uma criança autista, Xavier vê-se confrontado com emoções contraditórias. De um modo inteligente, a autora, Ana Martins, faz-nos entrar na pele desta personagem levando-nos a sentir, à medida que viramos cada página deste livro, um mundo enigmático, poético e, sobretudo, desconcertante.



 Contos de Verão 

Colectânea de contos publicado no âmbito de um concurso da Editora Coolbooks. Os melhores 30 autores seriam publicados. Eu ganhei com dois contos sendo assim o livro publicado com 29 autores.

Promessas de Verão
Miguel e o Sol

Este livro já não se encontra disponível uma vez que a editora foi comprada e o stock existente infelizmente foi para pasta de papel. Aparentemente pratica comum que me desagrada profundamente. Poderiam ter sido oferecidos a bibliotecas escolares!
Contudo nem tudo fica perdido, decidi colocar os dois contos disponíveis para leitura neste site -- clique aqui --








terça-feira, 12 de maio de 2020

A mal contada fábula da cigarra e da formiga

Na quarentena dei comigo a pensar na opinião que sempre tive acerca da forma como se conta a fábula da cigarra e da formiga. 
Povoámos a nossa mente com admiração, ao termos sempre escutado como a sofrida formiga acartava zelosa e diligentemente um respeitável peso para a sua fraca compleição, carregando dia e noite as provisões para o seu formigueiro, servindo abnegadamente a comunidade.
Em contraponto, sempre nos foi incutido um certo desdém pela conduta boémia da cigarra que preguiçando pelos prados cantava dia e noite.
Uma das recordações mais antigas de raciocínio em tenra infância que tenho, prende-se com esta fábula.
Observante dos bichinhos que me rodeavam e com a imaginação sedenta de histórias, guardo a lembrança das quentes noites de Agosto, a tentar conciliar o sono, deleitando-me a escutar os sons da natureza, encantada com o estridular das cigarras a cortar o silêncio profundo e a embalar os meus sonhos. Eram as minhas cantoras favoritas! Talvez por isso nunca compreendia o final daquela história em que só a formiga era louvada pelo seu árduo trabalho.
Hoje compreendo. Fui educada numa família que valorizava as artes. Tive o privilégio de crescer rodeada de livros que o meu pai me incentivava a ler, ao som de discos de vinil que pavimentaram a minha vida, ou o deslumbramento sentido da primeira vez que a minha mãe me levou à Gulbenkian assistir ao bailado Quebra-nozes. Esta infância criativa marcou indelevelmente a minha personalidade. Penso mesmo que os teatrinhos que encenava para toda a embevecida família, foram certamente as primeiras histórias que criei, tão pequenina, imaginando-as ainda antes de as saber escrever!
Outro dia perguntaram-me o que quis ser em miúda quando crescesse. Depois dos sonhos infantis de bailarina e veterinária, eu sempre quis escrever. No entanto, já adulta, sempre que escrevi tive outros empregos paralelos para poder pagar contas.
Sempre considerei que o trabalho árduo da cigarra tem tanto valor quando o da formiga. Quantas vezes os artistas são intitulados de sonhadores, no entanto, sabem respirar fundo, descer à terra e têm outros e diferentes sofridos empregos para se sustentarem e poderem alimentar os seus sonhos. É uma dicotomia difícil de ser explicada ou conciliada.

Se há lição que escuto dizerem deste tempo que todos tivemos de nos confinar em quarentena é que nos teria sido incomensuravelmente mais complicado se não tivéssemos acesso a um livro que nos fez sair de casa sem sair do sofá, escutado uma música que nos fez dançar sozinhos, assistido a um filme que balançou as nossas emoções e que nos fez rir, chorar.
Impedidos de formigar para os nossos empregos vimos à nossa volta tanta criatividade cigarrear - do vídeo engraçado na internet ao pão no forno.

O poeta brasileiro José Paulo Paes sempre foi um apaixonado pelos livros. 
Após ter estudado química e trabalhado durante anos num laboratório farmacêutico, um dia resolveu escrever poesia, inicialmente para adultos, só depois para crianças. Ao abandonar a rigidez da química  nos 25 anos seguintes entregou a sua alma à edição de livros e traduções. Esqueceu-se de formigar pela química e entregou-se à magia de cigarrear pela poesia infantil, aprendeu a brincar com as palavras e escreveu um mundo maravilhoso para as crianças viverem. 

"Enquanto a formiga 
Carrega a comida 
Para o formigueiro, 
A cigarra canta, 
Canta o dia inteiro. 

 A formiga é só trabalho. 
A cigarra é só cantiga. 

 Mas sem a cantiga 
da cigarra 
que distrai da fadiga, 
seria uma barra 
o trabalho da formiga."
José Paulo Paes

Se "A Cigarra e a Formiga" é uma das fábulas atribuídas a Esopo na Grécia antiga ("O Gafanhoto e Formiga" no original) e só veio a ser popularizada mais tarde pelo francês Jean de La Fontaine, eu penso que em 1989 o poeta José Paulo Paes trouxe-a finalmente à sua verdadeira dimensão: a união, a compreensão, a aceitação e o respeito pela diferença do labor do outro. 
Afinal todos são especializados, todos são fruto de muito empenho, de horas incalculáveis de dedicação ao seu trabalho, seja ele manual, intelectual ou artístico. 
Formigas e cigarras de mãos dadas entreajudando-se na esperança de um mundo melhor. Talvez, assim - talvez só assim - se possa cumprir o jargão estafado que tanto se ouviu na quarentena de que vamos todos ficar bem. 



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