terça-feira, 2 de abril de 2013

Posso falar?

Recordo sempre com carinho um leitor que me escreveu a contar que a filha de 11 anos quis ler o meu livro “Autista… quem? Eu?”. Ele permitiu, e como no final a menina dizia coisas que nos escapam a nós adultos (nessa família não há pessoas com autismo é apenas a reflexão da menina de 11 anos).
Dizia ela: “o Xico tem a minha idade e não consigo parar de pensar no que não pode fazer e eu posso.”
Aquilo que damos como garantido,  aos olhos de uma leitora que se identificou pela faixa etária com a personagem, fascinou-me e comoveu-me tal a sensibilidade da pequena. E contava o pai que durante vários dias o Xico esteve bastante presente no pensamento, discurso e acções da menina que enumerava com frequência momentos que eu, autora, jamais esqueci: dizia à mesa – “o Xico não comeria assim”. dizia a andar de bicicleta - “o Xico gostaria do vento na cara, de certeza!, mas se calhar não saberia pedalar”. Estava demasiado siderada com o que a diferença faz na vida de uma pessoa. 
Isso é consciencialização.


Continuo a afirmar que a consciencialização é necessária, deveria ser obrigatória (por exemplo) nas forças de autoridade. A cada momento acontece alguma situação que nos deixa desconcertados e o que faz a polícia, os bombeiros, a protecção civil? Pois. Explicamos (sim, nós, os pais!) primeiro o que é autismo, para depois nos poderem responder - lamento, não podemos ajudar. Como se não o soubéssemos. E que tal formação para esta gente que pode efectivamente ajudar? Que deveria fazê-lo (e fá-lo-ia) se soubesse como? 
Falar de temas - seja qual for - a datas precisas irrita-me profundamente, é sabido. Porque quem precisa, precisa sempre. Acredito que a consciencialização se faz o ano todo, 365 dias ao ano. Porque o autismo vive connosco 365 dias ao ano. Não apenas a 2 de Abril.

Luiz Caracol - Samba do Bairro

As datas são importantes para dar um empurrão e fazer lembrar que algo existe, que precisa ser valorizado. O que me irrita nas datas comemorativas é o facto de as pessoas só se lembrarem nesse dia. 
No caso de dia 2 de Abril, não é data comemorativa, é o dia mundial para a consciencialização do autismo. Caramba ainda estamos na guerra do básico, do pão com manteiga da coisa - é absolutamente necessário que se saiba, aquele saber que está debaixo da pele, entranhado pelas pessoas que nos rodeiam, para que de uma vez parem de olhar para a nossa população com autismo como uma coisa do outro mundo, não são excêntricos, nem malcriados, são autistas! São diferentes, são especiais? Chamem como quiserem, mas - utilizando uma expressão popular - dêem o nome certo aos bois, chamem-lhe AUTISMO!
Cansa-me profundamente explicar o meu filho a cada situação embaraçosa. Cansa-me justificar comportamentos e acções em torno da ideia do meu filho necessitar do ter um tubo de mm's mini na mão (sim, dá-lhe segurança, paz, faz com que "a cabeça não fique maluca" e se essa tranquilidade é um tubo, porque não compreender o que nos pede sem nos olhar?), cansa-me de explicar ad nauseaum que lhe é tão essencial como um pulmão e agradeço mil vezes aos meus amigos de S. Paulo, Brasil que me enviam caixas de tubos m&m's mini, uma vez que o produto foi descontinuado e só se encontra à venda em S. Paulo. Pergunto: têm noção do tamanho da ternura contida em cada uma dessas caixas que me chega pelos correios? Porque eu encaro isso como um acto de amor incondicional pelo meu filho e por mim um acto de Amizade que não esquecerei nunca! 
Ahhhh sim, e isso, também é consciencialização.
Cansa-me o olhar cansado de pais mais novos ao desabafarem comigo como foi uma consulta de um médico afamado e que sai de lá com um rol de improváveis patologias, mas que garante uns bons dois a três anos de terapias bem dispendiosas que se vêm a revelar inúteis, cansa-me a desunião que o autismo provoca no seio de uma família apenas porque está lá, cansa-me o olhar de comiseração do coitadinho. Cansa-me tanto que ensinei ao meu filho - como ensinei cada frase correcta como resposta adequada a cada momento e situação da vida (chamo a isso ter-lhe fornecido "um banco frases" - dados que ele usa como respostas para as mais diversas situações na vida, e na grande maioria das vezes usa adequadamente, apesar de baixinho me perguntar para validar: "disse bem?") Então, como me cansa o olhar comiserativo e todo o conceito pejorativo do  "coitadinho" também ensinei ao meu filho ter respostas prontas (a roçar o malcriadas, sim), e adequadas a ataques desses, na realidade a saber defender-se na mesma linguagem e ele, lindo menino diz com um ar bem pispineta: "Coitadinho...? Coitadinho é corno!"






Vem aí outro dia 2 de Abril. Este ano não me apetece apenas lutar para conseguir o Cristo-Rei de Azul no dia 2. Ficou lindo nos anos passados, tenho o maior orgulho de me ter empenhado e de ter conseguido, mas este ano, sei lá, quero mais! Quero 250 grs. de PAZ.

(já o peço há vários anos, mas não me canso e continuarei 
até conseguir... isso mesmo - consciencializar)
Dístico de lugar de estacionamento obrigatório à porta de casa de cada família onde habite uma pessoa com autismo - bem sei, não me calo com um detalhe que é tão simples de ser votado na Assembleia da República e ou pelos governantes deste nosso país - porque as rotinas são importantes para estas pessoas e saber que o familiar que os conduz estaciona sempre o carro no mesmo sítio, lhes dá paz.
Bem sei que o pedi directamente ao antigo primeiro ministro Sócrates que me respondeu - a ser como eu dizia, haveria muito a fazer. Pois. Continua a haver muito a fazer, lamentavelmente o sr eng José Sócrates nada fez. Agora tenho um novo pedido. Posso?

Encontro Presencial LX Factory 20 Bloguers com o Secretário Geral do P.S. José Sócrates
Moderador jornalista e bloguer Paulo Querido Uma ideia original do Deputado Jorge Seguro

Formação obrigatória para as nossas forças de autoridade. É necessário e premente que saibam o que é Autismo. Não são mongolóides, não são como o tonto lá da aldeia, não são malucos - e sim!, oiço isto das nossas forças de autoridade a cada vez que me confronto com estas situações. As famílias precisam deste tipo de ajuda? Por favor.... FORMAÇÃO e OBRIGATÓRIA. Vão-me ouvir enquanto não o conseguir!!!
Nem que seja só as 250 grs. de paz para esta população e suas famílias... para mim já chega, já me faria sorrir, nesta minha luta 365 dias ao ano de mostrar que o autismo existe e temos de lidar com ela a cada um dos dias e noites das nossas vidas. 


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