terça-feira, 19 de abril de 2011

Mesinha de Cabeceira #10

de 19 abril 2011




Hoje trago: «Son-rise» de Barry Neil Kaufman






De um relato inicial de 1976, surge este livro de Barry Neil Kaufman, que nos conta na primeira pessoa o caso de seu filho Raun, um menino com autismo severo e como o casal decide começar uma metodologia muito própria (a que chamam SON-RISE) para o resgatar do mundo em que vive e trazê-lo para o “nosso” – com as devidas aspas, uma vez que de alguma forma vivemos todos no mesmíssimo mundo.
É um relato intenso dos avassaladores três primeiros anos desta família, quantas vezes assaltada de dúvidas e incertezas, mas sempre com a tónica na perene luta no resgate do pequeno Raun das mãos do autismo. E, efectivamente, neste caso acontece, pese embora que até à data desta crónica, não seja conhecida a causa ou a cura do autismo. Na tradução do título para Português fica-nos o segredo deste sucesso – MILAGRE DE AMOR – e se analisarmos este relato de uma forma honesta, vemos que a jornada deste casal em torno de seu filho é baseada no bom-senso de pais que querem o melhor para o seu filho. Que o milagre se vá dar a cada caso? Pois aí pessoalmente tenho as minhas sinceras dúvidas, mas acredito que é possível melhorar as condições e qualidade de vida nesta forma de resgatar um filho do autismo. E sei, porque de uma forma absolutamente autodidacta o fiz com meu filho Pedro nos seus primeiros anos de vida. Tinha visto o filme inspirado neste livro na televisão ainda em adolescente, é um filme marcante, não passa despercebido e mais tarde sendo já mãe, eu sabia ainda antes da comunidade médica acertar no diagnóstico do meu filho que era como o menino daquele filme e que eu iria fazer o meu próprio milagre de amor.
J V – E Ana… aconteceu com o teu filho a remição como com o Raun Kaufman?
A M – Não, João Victor, no caso do Pedro há muita patologia associada e dificilmente poderia acontecer… Sabes que nenhum caso é igual quando se trata de autismo, contudo, até no caso severo do Pedro posso dizer que é hoje um adulto bastante funcional. Esta filosofia deste casal Kaufman foi fundamental na abordagem que eu como mãe escolhi fazer e que é sabido, ao longo destas últimas décadas tem sido seguida por muitas famílias. Devo acrescentar, logo agora neste mês de Abril que escrevo estas crónicas de livros sobre autismo, sabendo que finalmente chegou a Portugal o programa Son-rise pela mão da associação Vencer Autismo, não poderia deixar de incluir esta válida sugestão: leiam o livro Son-rise ou procurem o filme “Milagre de Amor” ou com o título na versão brasileira “Meu filho, meu mundo”, porque está disponível na net.
Eu aconselho-o aos pais que, depois de um diagnóstico de autismo, buscam por uma resposta, eu aconselho este livro ou filme – pelo menos àqueles pais que têm vontade de se mexer e não ficam apenas à espera que os médicos e técnicos façam tudo…



terça-feira, 12 de abril de 2011

Mesinha de Cabeceira #9

de 12 abril 2011



Hoje trago: «O Estranho Caso de um Cão Morto» de Mark Haddon






Ora… estamos perante o melhor livro alguma vez escrito sobre autismo! O autor consegue a genialidade de entrar, de proporcionar o desmontar de uma cabeça autista a nossos olhos, os ditos “normais”, vista de dentro – jamais nos poderia descrever de forma tão lúcida se não fizesse do jovem autista Christopher de 15 anos o narrador! Esta é, do meu ponto de vista, a chave de sucesso deste livro. Brilhante Mark Haddon! A própria concepção e apresentação do livro é original: os capítulos não estão numerados naturalmente são todos números primos, ou seja começa no dois (2, 3, 5, 7,11,13…) e acabem no 233. Tem desenhos, esquemas, algoritmos - como se fosse um livro de apontamentos do Christopher. Deixar-nos embalar pelo raciocínio vertiginoso de um autista, como vê a vida, como sente cada momento, os medos e as fobias, as preferências e as incoerências que ligam o nosso interruptor da compreensão do que é afinal simples, e nos explica o porquê de nos desconcertar com uma naturalidade arrevesada. Esta leitura dos factos na cabeça do Christopher, a personagem/narrador autista é cativante.
O "Estranho Caso do Cão Morto" é um livro premiado, é um best-seller, um dos mais vendidos da década - vendeu mais de 2 milhões de cópias e é o único livro que faz frente ao estrondoso sucesso do escritor Dan Brown. E... é simplesmente um livro de apontamentos de um miúdo autista!!


J V – Ana, também tu escreveste um livro que abordas o mesmo tema no teu romance: “Autista, quem…? Eu?” Se na tua opinião, como acabaste de dizer, colocar na pele do narrador o jovem autista é a solução perfeita, então qual foi a tua solução no teu livro?
A M – Eu coloquei na pele do narrador o Xavier, o baby-sitter do menino autista. A fórmula que usei é simples – o Xavier um bom rapaz, estudante de música, queria ganhar uns trocados e aceitou ser o baby-sitter do sobrinho de um amigo. Não sabia o que era autismo, mas dispôs-se aprender. Ora nessa caminhada da personagem/narrador da estranheza à procura pela compreensão do Xico, aquele menino ao mesmo tempo encantador e bizarro, faz com que o Xavier como que dê a mão ao leitor e o leve na descoberta do que realmente vem a ser o autismo. À justa medida que o Xavier vai entendendo e se apaixonando pelo mundo do Xico, o leitor vai-se entusiasmado e sem se dar conta entende o autismo.
J V – Então podemos dizer que esse é o segredo do sucesso deste teu livro? Ser um romance que além de lúdico é educativo? Porque já é um livro com algum tempo e sei que continua a ser falado e comprado…
A M – É verdade, João Vítor, este romance já vai para 5 anos que foi lançado e continua a ser procurado, comentado e usado como base para diversos trabalhos de estudantes deste país. Deixa-me muito orgulhosa, este percurso que este meu livro tem feito. Sabes que há dias um escritor meu amigo me disse a propósito que tirando os grandes nomes, um livro tem vida curta em Portugal. Primeira edição e desaparece das bancas, quanto muito existe uma segunda edição. Mas um livro que subsiste 5 anos, com o historial bonito que este tem feito e vai ter agora a 3ª edição, ainda para mais requisitado por uma nova editora uma vez que a que o editou faliu e deveria ter ditado também a morte do livro, é um feito de que me devo honrar muito! E é real, tenho mesmo muito orgulho a cada leitor que me procura para me contar há quanto tempo leu o livro e o que aprendeu com as minhas palavras. Isto sim tem para mim um valor que não há palavras!!
J V – E deve ser compensatório este trabalho em prol do autismo! Nós vamos continuar a consciencializar aqui na Marinhais FM ao longo de todo o mês de Abril!



sexta-feira, 8 de abril de 2011

A violência no autismo acontece

Pedro & Ana
Foi uma conversa longa com a jornalista Patrícia Machado da RTP1. Supostamente seria mais uma entrevista - esta sobre o Dia Mundial para a Consciencialização do Autismo e acabei por perceber, já depois de terminada a reportagem que se iria inclinar para este tema... falámos tanto, mas este foi o foco de interesse: era novidade, e até o entendo do ponto de vista meramente jornalístico. Na realidade é um assunto que não me agrada, mas não o nego - não me calo que deveria haver mais ajudas para as famílias. Gostei da forma como a Patrícia abordou o tema na reportagem, sem o drama... o horror... mas sim com honestidade, e sem nunca esquecer que para além da agressividade, o Pedro é doce, doce, doce. Dia 2 Abril é um dia pintado de azul, mas o autismo tem muitas cores e definitivamente porque muito que se azule a questão, não é só azul. A violência no autismo acontece. Não é a face mais visível (para o bem-estar de cada um de nós), mas é uma das faces. É real. Escamotear a verdade não faz com que ela desapareça. Quisera eu.....
Cristo-Rei de Azul
Inicialmente escondia. Tinha o meu filho 16 anos. Chamam-lhe violência dirigida. Eu tinha vergonha e demorei muito tempo a entender que tinha MEDO. E era só comigo, a pessoa que ele mais ama.... Eu? Só queria entender. Sempre tão próximos, tão unidos, como!?, mas como num repente tanto acontecia?
O que mais odiei, após a primeira vez, foi o facto de NINGUÉM me ter avisado que poderia acontecer. Nem médicos, nem outros pais de jovens mais velhos. Nunca tinha lido nem ninguém mencionou que um autista pode ter comportamentos de agressividade extrema - para com ele próprio (auto), para com outros (hetero) ou mesmo dirigida a alguém em especial.
O meu Pedro não acredita em auto-agressão, comenta até sobre os seus colegas que o fazem que serão uns palermas, porque se magoam. Contudo, já com a violência dirigida fica revoltado porque a aplicam a A ou B especificamente por achar injusto. Quando ele próprio o faz (inicialmente era só mesmo comigo), fá-lo momentaneamente (este momentaneamente pode durar horas) e logo se arrepende, fica destroçado.
Um dos grandes problemas do Pedro nem posso dizer que seja o autismo. Ele tem outras patologias associadas sendo a mais bizarra ter défice cognitivo e ser extremamente inteligente. Na prática? Tem perfeita consciência do que o rodeia, da sua dificuldade em entender completamente e de se mover enquanto pessoa neste mundo que chamamos nosso e que é também deles, afinal, não temos mais nenhum para lhes oferecer!!
O que o meu filho mais queria era ser "normal" e essa percepção de uma realidade que nunca poderá ser a sua, revolta-o de um forma que nós, os que temos a normalidade como adquirida, não poderemos jamais aferir...
Consegui chegar até ele no entendimento do porquê que se revolta e, tendo a ideia errónea de que eu-mãe sou uma extensão do seu ser, como que um terceiro braço dele, incomoda-o sem que consiga ter a real percepção que não o sou e que não posso fazer pufff e fazer com que num toque de magia ou numa vontade suprema de o ajudar o faça ficar "normal". Esse é na minha opinião o motivo da sua violência dirigida.
Pedro & Ana
Depois e talvez por termos vivido demasiado só nós os dois, sempre juntos, sempre tão unidos, digamos de uma forma elegante por falta de comparência de outros elementos de agregado familiar, eu como mãe precisei de lhe dar asas e deixá-lo voar. Foram precisas muitas conversas duras que vários médicos e técnicos tiveram comigo para que o entendesse e chegasse ao ponto de aceitar. Era tempo de cortar o cordão umbilical que em tempos idos não nos cortaram num parto que foi difícil e que ao longo dos anos eu não tive a vontade, o instrumento ou o tempo para pensar nisso ou efectivamente o fazer. Mas tardiamente esse tempo chegou e o terceiro braço precisava ser quebrado. Era tempo do meu filho entender que havia outra visão para além da que a mãe lhe transmitia – outros mundos, outros seres, outras formas de pensar, de agir e estar para além da mãe. Que dói deixar um filho ir? Uiii. Faltam-me as palavras. Não consigo ainda hoje saber a qual dos dois custou mais. Porque em mim ficou um vazio que nada nem ninguém repõe. A constatação de que, após muito tempo, tê-lo deixado voar fora do ninho, me faz ver agora o meu filho integrado, cooperante, organizado, a trabalhar, a produzir e feliz deixa-me a serena noção que perante o momento mais difícil da minha vida, agi e reagi com a razão que apenas o bom-senso de mãe nos sabe segredar. O meu filho está num C.A.O., tem a sua casa com os seus colegas (de uma forma protegida) e vem a casa todos os fins-de-semana, feriados e nas férias.
Mãe & Filho

Eu própria cresci como pessoa. O vazio sem me dar conta substitui-o dando-me aos outros. Ajudar ajuda-nos com um retorno que nunca esperamos, mas nos acaricia e reconforta a alma.
Se quando o Pedro está comigo continua a ser violento? Tem os seus momentos sim, não o nego, nunca o fiz nem o calarei ou aceito como inevitável, mas já aprendia superar o mais terrível - o medo - e tenho vindo a aprender como ajudá-lo no momento que a cabeça lhe ferve e não consegue parar, pelo menos que não avance. Fácil? Não é, nunca será, vivo bem com esse facto. Nunca páro de tentar encontrar uma melhor solução para que os momentos difíceis sejam menores e toda a incrível doçura do meu filho Pedro regressem ao seu olhar. Mil truques são necessários? Então mil e um usarei, e a cada instante que vejo o seu olhar escuro iluminar-se sei que consegui apenas mais uma das nossas batalhas e o sorriso a crescer naqueles olhos negros como azeitoninhas faz-me sentir enleada no cordão que não há forma, nem vontade nem instrumento que o corte. Aí é o coração que aquece e somos uno.

Reportagem Telejornal RTP1 dia 2 Abril 2011




terça-feira, 5 de abril de 2011

Mesinha de Cabeceira #8

de 5 abril 2011




Hoje trago: «Uma outra maneira de ser» de Elisabeth Moon



Esta autora de ficção científica escreve sobre autismo com muita propriedade. Sabe o que faz numa arrojada visão de um (im)provável futuro onde a ética e o avanço surpreendente da medicina se cruzam e enleiam. Tendo como ponto de partida um futuro mais ou menos próximo (em que já existe cura para o autismo), escreve sobre um tratamento experimental que faz as pessoas com esta condição ficarem “normais”. Ora, a partir daqui abre-se a discussão na cabeça de cada leitor. Desperta-os para questões sociais, morais e principalmente éticas: Então um indivíduo com autismo é menor? Ao submeter-se ao tratamento, será uma pessoa melhor? Será a mesma pessoa? A quem serve esta homogeneidade? Num naipe de personagens bem pensadas, Elisabeth Moon escreve um livro sublime, tocante e forte, que consegue ajudar a perceber algo tão intrincado como é o autismo. Mesmo para quem não conheça, este é um livro enternecedor.
O trecho que vou ler hoje é um eloquente pensamento da personagem Lou Arrendale, adulto, independente e autista:



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