quinta-feira, 3 de março de 2011

O fim-de-semana em Paris

Estamos de volta neste site de ganga vestido aos desafios literários a amigos. Desta vez duas amigas muito próximas. Ana Paula Motta do outro lado do Atlântico e Sandra Vieira,  mesmo aqui à minha beira, como dizem no norte. E o que lhes proponho? É simples. Se somos três, faremos um triângulo! Eu escrevo uma personagem e o desafio que lhes lanço é o de fazerem as outras duas personagens desta história que vos conto.
A confusão entre personagens reais e ficcionais é puro delírio da sua cabeça de leitor atento.


por Ana Martins

Carolina pensava seriamente como contar ao marido. Amava-o. Por isso o havia feito. Ele iria sofrer tanto com aquele resultado de exame que decidiu num ímpeto de insana lucidez alterá-lo. O seu amor de sempre nunca poderia gerar um filho, nunca seria pai, mas puxou a si a responsabilidade de uma patologia que não tinha para que ele não se torturasse. Amavam-se. Seriam felizes e nada mais importava. Mentiu e para toda o mundo que os circundava, Carolina era estéril.
O chão fugiu-lhe debaixo dos pés quando leu. Inadvertidamente, não tinha por hábito espreitar, estava apenas a tirar um contacto do telemóvel do marido quando viu a mensagem em rascunho, leu porque pensou ser para ela. Mas a ela era outra. Ele traí-la? Impossível. Tinham um casamento tão feliz! Iam agora para fora… logo a Paris, a cidade do Amor, que cliché estapafúrdio transformar um fim-de-semana apenas num fim!?
Carolina concentrou-se em perceber o que se estava a passar. Leu todas as mensagens para tragar aquela história e poder entender. A sua mentira. Tinha começado na sua mentira. Ele estava interessado numa mulher que era também mãe, aquilo que ele pensava que ela nunca poderia ser por sua culpa e agora procurava outra que o fosse…? Era tão inacreditável que se fechou na casa-de-banho a chorar. Enterrou a cara no toalhão de banho para que não a ouvisse.
Passou o rosto por água fria e mais recomposta decidiu que desse por onde desse teria de lhe contar o seu segredo. A mentira que guardava por amor.
Teria ele feito o mesmo por ela? E esse pensamento corroeu-lhe a alma. Tinha abdicado do seu desejo de ser mãe, absorvido o impacto que a dor da notícia poderia fazer a seu amor e ele como respondia? Arranjando outra. Seria assim tão descartável, substituível? Por ser infértil, estéril, como uma ameixa seca, como já tinha ouvido chamarem-lhe? Estaria o seu marido com ela por pena? Ele ficara devastado com a impossibilidade de serem pais. Mas em vez de se centrar na companheira de vida como ela o fizera, o seu lado animal procurava outra fêmea?
Eu faria isso por ele. Pensou Carolina. Engravidaria de outro homem para lhe dar um filho. Eu faria isso!! A questão que agora me coloco é se o meu casamento vale tudo o que fiz, faço ou faria.


por Sandra Vieira

Já nem sei como começou esta coisa das mensagens, sei que agora são mais de trinta por dia… A primeira vez que o vi, achei-lhe piada, só isso, mas aliança na mão esquerda afastei-o logo da minha vista, e agora ando a enviar mensagem atrás de mensagem, como um vício entranhado na minha pele. O tipo tem piada, faz-me rir… algo que há muito não faço, desperta em mim o humor negro pelo qual era conhecida na faculdade. Agora quer marcar um encontro há mais de duas semanas de que fujo com o rabo à seringa… desculpas atrás de desculpas… também já tentei parar com isto das mensagens, mas esta coisa é viciante. Estar sozinha há mais de três anos, é no que dá.
Fomos para a Serra, devia estar louca… sozinha com um tipo que apenas mandei umas mensagens, inconsciência consciente?! Falamos de tudo, de mim do meu casamento falhado, da minha família, dele, da mulher… de não poder ter filhos, este aliás foi um assunto que desde cedo percebi ser assunto proibido para ele. Ninguém o pode censurar, ser mãe é para mim como água no deserto. No dia em que conheceu o meu Gui, vi o olhar dele… um misto de tristeza com doçura, querendo aproximar-se afastando-se. Hoje durante o tempo que estivemos juntos tentou vezes sem conta beijar-me, eu afastei-o sempre… chamei-o à razão vezes sem conta: és casado!
Agora fico a olhar para o vazio… acordo de manhã pinto-me e demoro duas horas a vestir-me… já não me lembro de fazer este tipo de coisas, ando estupidamente alegre e sorrio a toda a gente. Duas horas por dia é o que ele me dá, e saímos a correr do trabalho entramos no carro às escondidas e assim que passamos o fim da rua já estamos de lábios colados um no outro, não almoçamos nem nada, a vontade comer passa quando nos enchem a alma de afecto. O desassossego do não devo, com a vontade de ter é o pior de tudo, sei que é casado, mas o sabor dos seus lábios, o cheiro da pele dele fica horas entranhado no meu nariz, nas minhas mãos, é de enlouquecer.
Ele quer-me… eu desejo-o mas ele é casado… não sei se consigo ultrapassar este último obstáculo. Tenho o nome dela na cabeça: Carolina. Amanha vão para França, cinco dias… ainda agora me mandou uma mensagem, não sabe como vai passar tantos dias sem me ver… sem me tocar, mas vai estar com ela em Paris a Cidade do Amor. Nada pode ser mais romântico que Paris… Estou louca varrida se não vejo o que está diante dos meus olhos… esta noite vai ser a última vez que estamos juntos… está decidido.
Encontramo-nos no local do costume… olho-o nos olhos, ele quer-me beijar como se não houvesse amanhã, o beijo dele é doce e quente… desta vez não fecho os olhos… e ele também não. Os nossos olhos estão tão colados como os nossos lábios… é o último…. Penso eu… a última vez que vou beijá-lo… agora já não penso… uma lágrima está prestes a cair…
Este foi o nosso último beijo…


por Ana Paula Motta

Daniel era o estereótipo do bom rapaz, desde sempre o primeiro aluno da classe, educado, óculos displicentemente sobre o nariz pequenino.
Desde miúdo foi sempre um protetor. Foi assim com a mãe, abandonada grávida e que fazia dele o centro do universo.
Casou cedo, e sonhava ser um pai exemplar, oposto do canalha que sumiu no mundo assim que soube que ele chegaria.O casamento aconteceu assim que concluiu a faculdade de engenharia, quando conheceu a Carolina, que cursava pedagogia.
Gostava dela, do seu jeito dependente. Seria uma boa mãe. Era uma boa esposa e tinha lá seus encantos.
Quando descobriu que seriam um casal sem filhos, viu seu mundo perfeito ruir. Aos poucos foi criando um mundo paralelo.
Conheceu Laura, decidida um tanto carente de afeto. E era mãe, de um miúdo loirinho, como fora ele um dia.
Num átimo seu mundo foi dividido em dois, os lares se completavam. No Gui realizava de certa forma o papel de pai, provedor e herói. A Carolina tinha nos olhos a submissão das que amam sem limites, era dependente dele, como se a vida sem ele não fosse possível.
Laura era decidida e tinha uma doçura nada passiva, de frágil nem o fato de ser uma mãe sozinha. Atraía seu instinto de macho. Trouxe para sua vida uma excitação que até então desconhecia.


por Ana Martins

Nuno afagou-lhe pausadamente o rosto tranquilo e o seu olhar dizia: Linda Carol. Sempre a tratara assim, desde que a conhecera na faculdade, tal como a amara em silêncio sem jamais deixar que soubesse. Carol só tinha olhos para o namorado, aquele com quem tinha casado. Por isso Nuno estranhara tanto quando a encontrou desesperada a discutirem na rua em Paris.
Carolina distendeu-se preguiçosamente deixando-se afagar. Gostava do cheirinho bom do Nuno, sempre gostara. Era o seu melhor amigo, partilhava tanto e tudo, sem nunca supor que, um dia, o seu melhor e mais prolongado orgasmo fosse com ele!
Depois de Paris nada poderia ser igual. Só de pensar que chegara a cogitar engravidar para dar um filho a um marido que não merecia sacrifício algum, deixava-a indignada. Só a ideia de ter usado o leito conjugal, conspurcado a sua cama, devassado a intimidade do seu quarto ao partilhá-lo com uma outra qualquer… sim, não se orgulhava, mas continuara a espreitar-lhe as mensagens. Como ousara continuar a escrever-lhe mensagens de texto mesmo de Paris? Percebia agora claramente que a outra teria tido mais juízo que o Daniel, mas isso pouco lhe importava. Fora com ele que jurara ficar, fora consigo que Daniel se comprometera perante Deus, a família e os amigos todos – numa festa inesquecível – que a amaria, a honraria e lhe seria fiel e contudo… até no seu quarto!? Estragara-o. Nunca mais seria capaz de se deitar, de fazer a cama de lavado ou de se sentar no cadeirão do canto sem que imagens a assaltassem. Aquela já não era a sua toca. Beijou Nuno nos lábios e levantou-se languidamente. Não precisava de toca, não no sentido metafórico de se esconder. Não se queria esconder mais.

EXERCÍCIO
E se, com uma só frase, mudasse todo o sentido do texto?
Caro leitor, faça-me o favor e agora leia de novo substituindo a frase a Bold por esta: 
Por isso Nuno estranhara tanto quando lhe telefonou aliviada a convidá-lo para Paris.



4 comentários:

Isabel Santos disse...

Meninas adorei esta história a três.
Uma ideia bastante original,pelo menos para mim,mera leitora e mais de livros de pessoas especiais...Resulta.
Gosto das ideias entrelaçadas num triangulo de amor e desejo,desta curiosodade que fica entrecortada sem saberes se existe amor ou apenas compaixão.
Beijos para as três meninas

Ana Martins disse...

Olá Isabelinha,

Eu gosto destes desafios partilhados. Prometo ir promovendo mais parcerias engraçadas.
beijinho

Isabel Santos disse...

Um fim romântico.
Ana como se ama tanto um homem e de repente,tudo desaparece!
Como entre o degosto,a traição,o desalento,aparece outro amor?
Eu sou de Marte...
Beijinhos Amiga

Ana Martins disse...

Isabelinha,

Primeiro não é de repente. Ai lá vou eu advogar pela minha personagem...
Tanto na opção de uma frase como outra, deixa em aberto o espaço temporal. Presumimos que seja na mesma altura ou de seguida por ainda pensar de forma tão veemente no marido. Mas em momento algum dei tempo a esse novo relacionamento.
Depois, mesmo que fosse, mesmo que ligasse ao Nuno ainda em Paris com o marido, convenhamos que um coração devastado com a traição pode ter reacções que a própria nem reconhece em si.
Querida, não és de Marte, quiçá a minha imaginação viaja demais até lá.
Abraço

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