Na quarentena dei comigo a pensar na opinião que sempre tive acerca da forma como se conta a fábula da cigarra e da formiga.
Em contraponto, sempre nos foi incutido um certo desdém pela conduta boémia da cigarra que preguiçando pelos prados cantava dia e noite.
Uma das recordações mais antigas de raciocínio em tenra infância que tenho, prende-se com esta fábula.
Observante dos bichinhos que me rodeavam e com a imaginação sedenta de histórias, guardo a lembrança das quentes noites de Agosto, a tentar conciliar o sono, deleitando-me a escutar os sons da natureza, encantada com o estridular das cigarras a cortar o silêncio profundo e a embalar os meus sonhos. Eram as minhas cantoras favoritas! Talvez por isso nunca compreendia o final daquela história em que só a formiga era louvada pelo seu árduo trabalho.
Hoje compreendo. Fui educada numa família que valorizava as artes. Tive o privilégio de crescer rodeada de livros que o meu pai me incentivava a ler, ao som de discos de vinil que pavimentaram a minha vida, ou o deslumbramento sentido da primeira vez que a minha mãe me levou à Gulbenkian assistir ao bailado Quebra-nozes. Esta infância criativa marcou indelevelmente a minha personalidade. Penso mesmo que os teatrinhos que encenava para toda a embevecida família, foram certamente as primeiras histórias que criei, tão pequenina, imaginando-as ainda antes de as saber escrever!
Outro dia perguntaram-me o que quis ser em miúda quando crescesse. Depois dos sonhos infantis de bailarina e veterinária, eu sempre quis escrever. No entanto, já adulta, sempre que escrevi tive outros empregos paralelos para poder pagar contas.
Sempre considerei que o trabalho árduo da cigarra tem tanto valor quando o da formiga. Quantas vezes os artistas são intitulados de sonhadores, no entanto, sabem respirar fundo, descer à terra e têm outros e diferentes sofridos empregos para se sustentarem e poderem alimentar os seus sonhos. É uma dicotomia difícil de ser explicada ou conciliada.
O poeta brasileiro José Paulo Paes sempre foi um apaixonado pelos livros.
Após ter estudado química e trabalhado durante anos num laboratório farmacêutico, um dia resolveu escrever poesia, inicialmente para adultos, só depois para crianças. Ao abandonar a rigidez da química nos 25 anos seguintes entregou a sua alma à edição de livros e traduções. Esqueceu-se de formigar pela química e entregou-se à magia de cigarrear pela poesia infantil, aprendeu a brincar com as palavras e escreveu um mundo maravilhoso para as crianças viverem.
"Enquanto a formiga
Carrega a comida
Para o formigueiro,
A cigarra canta,
Canta o dia inteiro.
A formiga é só trabalho.
A cigarra é só cantiga.
Mas sem a cantiga
da cigarra
que distrai da fadiga,
seria uma barra
o trabalho da formiga."
Se "A Cigarra e a Formiga" é uma das fábulas atribuídas a Esopo na Grécia antiga ("O Gafanhoto e Formiga" no original) e só veio a ser popularizada mais tarde pelo francês Jean de La Fontaine, eu penso que em 1989 o poeta José Paulo Paes trouxe-a finalmente à sua verdadeira dimensão: a união, a compreensão, a aceitação e o respeito pela diferença do labor do outro.
Afinal todos são especializados, todos são fruto de muito empenho, de horas incalculáveis de dedicação ao seu trabalho, seja ele manual, intelectual ou artístico.
Formigas e cigarras de mãos dadas entreajudando-se na esperança de um mundo melhor. Talvez, assim - talvez só assim - se possa cumprir o jargão estafado que tanto se ouviu na quarentena de que vamos todos ficar bem.
Observante dos bichinhos que me rodeavam e com a imaginação sedenta de histórias, guardo a lembrança das quentes noites de Agosto, a tentar conciliar o sono, deleitando-me a escutar os sons da natureza, encantada com o estridular das cigarras a cortar o silêncio profundo e a embalar os meus sonhos. Eram as minhas cantoras favoritas! Talvez por isso nunca compreendia o final daquela história em que só a formiga era louvada pelo seu árduo trabalho.
Hoje compreendo. Fui educada numa família que valorizava as artes. Tive o privilégio de crescer rodeada de livros que o meu pai me incentivava a ler, ao som de discos de vinil que pavimentaram a minha vida, ou o deslumbramento sentido da primeira vez que a minha mãe me levou à Gulbenkian assistir ao bailado Quebra-nozes. Esta infância criativa marcou indelevelmente a minha personalidade. Penso mesmo que os teatrinhos que encenava para toda a embevecida família, foram certamente as primeiras histórias que criei, tão pequenina, imaginando-as ainda antes de as saber escrever!
Outro dia perguntaram-me o que quis ser em miúda quando crescesse. Depois dos sonhos infantis de bailarina e veterinária, eu sempre quis escrever. No entanto, já adulta, sempre que escrevi tive outros empregos paralelos para poder pagar contas.
Sempre considerei que o trabalho árduo da cigarra tem tanto valor quando o da formiga. Quantas vezes os artistas são intitulados de sonhadores, no entanto, sabem respirar fundo, descer à terra e têm outros e diferentes sofridos empregos para se sustentarem e poderem alimentar os seus sonhos. É uma dicotomia difícil de ser explicada ou conciliada.
Se há lição que escuto dizerem deste tempo que todos tivemos de nos confinar em quarentena é que nos teria sido incomensuravelmente mais complicado se não tivéssemos acesso a um livro que nos fez sair de casa sem sair do sofá, escutado uma música que nos fez dançar sozinhos, assistido a um filme que balançou as nossas emoções e que nos fez rir, chorar.
Impedidos de formigar para os nossos empregos vimos à nossa volta tanta criatividade cigarrear - do vídeo engraçado na internet ao pão no forno.
Impedidos de formigar para os nossos empregos vimos à nossa volta tanta criatividade cigarrear - do vídeo engraçado na internet ao pão no forno.
O poeta brasileiro José Paulo Paes sempre foi um apaixonado pelos livros.
Após ter estudado química e trabalhado durante anos num laboratório farmacêutico, um dia resolveu escrever poesia, inicialmente para adultos, só depois para crianças. Ao abandonar a rigidez da química nos 25 anos seguintes entregou a sua alma à edição de livros e traduções. Esqueceu-se de formigar pela química e entregou-se à magia de cigarrear pela poesia infantil, aprendeu a brincar com as palavras e escreveu um mundo maravilhoso para as crianças viverem.
"Enquanto a formiga
Carrega a comida
Para o formigueiro,
A cigarra canta,
Canta o dia inteiro.
A formiga é só trabalho.
A cigarra é só cantiga.
Mas sem a cantiga
da cigarra
que distrai da fadiga,
seria uma barra
o trabalho da formiga."
José Paulo Paes
Se "A Cigarra e a Formiga" é uma das fábulas atribuídas a Esopo na Grécia antiga ("O Gafanhoto e Formiga" no original) e só veio a ser popularizada mais tarde pelo francês Jean de La Fontaine, eu penso que em 1989 o poeta José Paulo Paes trouxe-a finalmente à sua verdadeira dimensão: a união, a compreensão, a aceitação e o respeito pela diferença do labor do outro.
Afinal todos são especializados, todos são fruto de muito empenho, de horas incalculáveis de dedicação ao seu trabalho, seja ele manual, intelectual ou artístico.
Formigas e cigarras de mãos dadas entreajudando-se na esperança de um mundo melhor. Talvez, assim - talvez só assim - se possa cumprir o jargão estafado que tanto se ouviu na quarentena de que vamos todos ficar bem.
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