quinta-feira, 2 de abril de 2015

Consciencializar 365 dias ao ano

Ontem, na correria do meu dia-a-dia e distraída com os meus pensamentos, ao assomar uma entrada para um MB, percepcionei pela visão lateral - porque na verdade nem quis olhar de frente - um casal, em que um dos homens estava encostado à parede, e o outro debruçado sobre ele, o abraçava e beijava. Foi uma escolha momentânea, eu sei: entrei e não quis olhar para não parecer preconceito da minha parte (até porque assim não sou, nem me considero) e, na verdade, fui-o em grande escala. 
Não tendo tido sorte de usar o multibanco dentro de portas por ser exclusivo para os clientes com caderneta, dirigi-me ao fora de portas onde tinha acabado de passar pelo casal. Fiquei sem reacção: assim que saí uma querida amiga minha e companheira de muitos anos nesta nossa atribulada vida de mães de autistas cumprimenta-me: "Olá Ana!" Continuei sem reacção sem querer acreditar no que todos os meus sentidos já me gritavam e gelei por me sentir tão estupidamente horrorizada com o meu anterior pensamento. 
No momento seguinte estava rodeada pelo seu marido e o filho autista, também já adulto, como o meu, que me deu um carinhoso beijo bem babado. 
Eram pai e filho encostados, ali naquela parede, em que os julguei precipitada e preconceituosa! 
Consegui esboçar as palavras habituais num ritual de cumprimento, mas percebi a estranheza da minha pouco habitual efusividade no olhar inquisitivo da minha amiga, mas eu estava ainda naquele torpor perturbador do que acabara de sentir e estava tão indignada por ter feito o que critico, que simplesmente fiquei queda, sem acção. Pouco habitual em mim, é certo. Tanto a quietude no abraço e sorriso fraterno quanto a estupefacção do sentir-me preconceituosa. 
Sai daquele breve encontro perturbada. O filho dos meus amigos está um homem de 1,70 e muitos de altura, tal como o meu filho. Num primeiro olhar são tão "normais" e como momentaneamente não parecem aos olhos de quem os não conhece, ou desconhece o significado ampliado da palavra autismo, causam estranheza. 
O meu filho abraça-me, amassa-me, beija-me na boca na rua, ou então mesmo em público mexo-lhe amiudamente na braguilha para o compor (sempre com fecho abertos!) e sei que o olhar que têm para connosco é idêntico ao que eu mesma fiz com os meus amigos. Convivo com isso e respondo pondo as pessoas no sítio apenas com um olhar. 
Simples, habituei-me. Mas não me conformei. Não me vou conformar nunca! 
A falta de informação sobre esta população e as suas famílias é gritante, sim. Eu sou a que quase agarro as pessoas pelo braço e pergunto, está a olhar? Não sabe o que é uma pessoa com autismo? Venha cá!, que eu explico. 
Da próxima vez que se deparar com outra pessoa com autismo, pelo menos questione-se antes de julgar e vai entender as reacções que não são habituais ver, as frases proferidas em voz alto ou fora de contexto, todo um mundo que lhe parece estranho, é  apenas porque o desconhece. Venha cá, que eu explico! 
E sim, explico, tranquilamente. 
Faço muitas acções de sensibilização muitos dias após ou antes o 2 de Abril, e sei que o farei a vida toda. 
Consciencializar, consciencializar, sempre! 365 dias ao ano. 
Em algum momento chegamos lá. 
É uma certeza em mim. Em muitos de nós. 
Ao casal dos meus queridos amigos que se vão reconhecer quando lerem este texto, peço-vos perdão. É que - já viram? - eu não fiz o que peço ao mundo: que olhem com atenção reconheçam as reacções inusitadas de uma pessoa com autismo, antes de as julgarem. 


2 comentários:

Vivian disse...

..enquanto você aprende,
também nos ensina!

a vida é isso!

Ana querida,

vim desejar-te uma feliz
Páscoa e que o renascimento
do Cristo seja para todos nós
bençãos do céus, hoje e Sempre!

bjs doces desde um Brasil
outonal!

Ana Martins disse...

obrigada querida Vivian
um abraço deste lado do Atlântico!!

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