Andar de carro detém-nos a atenção em contraponto com o uso de transportes públicos que nos liberta todos os sentidos na mais despudorada cusquice dos gestos, particularidades e vidas de quem à nossa frente se senta ou ao lado consulta as redes sociais.
Quedei-me outro dia a observar uns espécimes (que seriam no meu tempo de menina de Alvalade) os "gandulos", cujo linguarejar divergia do meu idioma, em acordo ou profundo desacordo ortográfico. Um deles forçava a entrada nas barreiras para o comboio e deixou aberta a passagem ao grupinho de miúdos que naquele horário estariam muito certamente a faltar a aulas. Virei-me e fiquei os largos minutos que faltavam para a chegada do transporte a olhá-los directamente ao ponto de os incomodar.
As miúdas. Eram três e todas diferentes. Havia a mais encorpada (mais maquilhada que eu), que dizia amén a todos os grunhos que os moços soltavam, havia outra tão neutra que nem dei mais que dois segundos da minha atenção e a terceira, essa sim, em que me foquei. Seria de todos a mais novinha, seguramente todos repetentes e aquela caídinha de pára-quedas naquela turma. Não deveria ter mais de 10 anos, pensei, o que os colocaria a todos no 5º ano.
Passaram alegremente na cancela, menos essa menina de quem troçavam e diziam amiúde: Anda lá!! Por fim atravessou a cancela aberta ainda a murmurar: Mas eu tenho o bilhete pago... mas passou sem o validar e toda a sua linguagem corporal estava a dizer vou voltar atrás e fazer o certo, mas a matilha ria e batia palmas pelo seu primeiro acto heróico. De pés metidos para dentro e cabisbaixa avançou murmurando um opá...
Foi um ápice, levantou os olhos, certificando-se que ao redor não conheceria alguém, quando me viu. Encarou o meu olhar que lhe tentava transmitir a segurança que não tinha para ir validar o bilhete, ainda estava a tempo de agir correctamente, mas eu sabia que não iria contra o grupo uma vez deste lado da cancela. Não sei se percebeu a minha intenção, mas ficou de mãos nas alças da pesada mochila entre o olhar para mim e o olhar para trás para a passagem que ainda estava aberta.
Depois entrou outra pessoa e a cancela fechou, o puto já não a estava a segurar, antes se sentou por cima dos apoios tendo uma posição de destaque em relação aos outros, debitando alarvidades que iam do congratular-se pelas 10 negativas até ao conseguir fazer Sintra-Oriente sem ser apanhado, e a miúda, essa, continuava incomodada a verificar que os observava. Creio que foi quem chamou a atenção do grupo sobre mim e demorei mais que o habitual nano-segundo a entender que quando falavam "dama" se estavam a referir a mim... É verdade que os observava acintosamente, a tentar decifrar o idioma de fauna 'icêdezanoviana', e assim permaneci sem pejo até chegar o comboio.
Talvez porque a minha realidade maternal foi tão ao lado, me fez aterrar na terra dos cotas sem me dar conta do gap geracional que tanto se fala. Ou talvez não. O meu filho sabe quem são os Beatles, trauteia Freddie Mercury ou canta Sérgio Godinho. Já eu não sabia que One Direction era música nem faço ideia qual é a cara da Violetta, se é loira, morena ou tem cabelo púrpura.
Penso eu, se calhar de forma totalmente naïf, que cada um de nós educa, educou os seus filhos da melhor forma que sabe, soube. Nas minhas voltas pelo mundo assombroso do voluntariado aprendi que há pessoas que têm de ser ensinadas a saberem dar banho aos filhos, a limpar-lhes as orelhinhas, a saberem conjugar o verbo cuidar, manter, amar. Foi estranho para mim, olhando fotos do meu bebé cheirosinho, bem tratado com roupinhas Prénatal, apre(e)nder que há quem nunca tenha sido educado e por isso, não sabe como o reproduzir, como fazer. Na realidade 'icêdezanoviana', há muita criança que cresceu com pais a saírem demasiado cedo para o trabalho e a chegarem demasiado tarde a casa. Que não tiveram um bolo caseiro quentinho acabado de fazer para o lanche, nem estantes com livros em casa, nem o hábito enraizado de comer uma maçã enquanto lê... E esta realidade paga factura. Bem mais cara que um bilhete de comboio Sintra-Oriente.
Talvez porque a minha realidade maternal foi tão ao lado, me fez aterrar na terra dos cotas sem me dar conta do gap geracional que tanto se fala. Ou talvez não. O meu filho sabe quem são os Beatles, trauteia Freddie Mercury ou canta Sérgio Godinho. Já eu não sabia que One Direction era música nem faço ideia qual é a cara da Violetta, se é loira, morena ou tem cabelo púrpura.
Penso eu, se calhar de forma totalmente naïf, que cada um de nós educa, educou os seus filhos da melhor forma que sabe, soube. Nas minhas voltas pelo mundo assombroso do voluntariado aprendi que há pessoas que têm de ser ensinadas a saberem dar banho aos filhos, a limpar-lhes as orelhinhas, a saberem conjugar o verbo cuidar, manter, amar. Foi estranho para mim, olhando fotos do meu bebé cheirosinho, bem tratado com roupinhas Prénatal, apre(e)nder que há quem nunca tenha sido educado e por isso, não sabe como o reproduzir, como fazer. Na realidade 'icêdezanoviana', há muita criança que cresceu com pais a saírem demasiado cedo para o trabalho e a chegarem demasiado tarde a casa. Que não tiveram um bolo caseiro quentinho acabado de fazer para o lanche, nem estantes com livros em casa, nem o hábito enraizado de comer uma maçã enquanto lê... E esta realidade paga factura. Bem mais cara que um bilhete de comboio Sintra-Oriente.
2 comentários:
...e a pequenina de dez anos,
com certeza será levada
para o mesmo caminho,
infelizmente!
bjinho, Ana!
Eu sou sempre optimista, e prefiro pensar diferente.
Quem sabe a menina de 10 anos tem valores em casa dados no prato de cereais matinais, esquecidos ou desconhecidos nos lares dos colegas.
Um abraço,
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