O pai acompanhou-a no gesto, sentando-se do outro lado, reacomodou-se até que os joelhos encostassem aos do filho e, acto-contínuo, pousou no colo dele uma caixa leve, rectangular, indicativa de mais um par de sapatos de ténis. Enquanto desembrulhava, a mãe olhou para o pai e pousou a mão no joelho do filho, e o pai, repetiu o gesto.
O jovem ficou pasmo, ao abrir a caixa e desvendar, pela translucidez da folha de papel de
seda, com que dentro da caixa envolvia um inesperado par de sapatos.
Retirou-os da caixa, sem palavras.
A mãe, acariciou a pele macia dos sapatos e encaminhou a sua mão pelo corpo do filho até chegar junto ao coração.
O pai, sem quebrar o silêncio que gritava na sala, levantou o braço, passou-o pelos ombros do rapaz e, sentiu-o, tremular. A mãe compreendeu o espanto, medo ou embaraço que o jovem poderia estar a sentir, quiçá acuado, a ponderar que era agora ou nunca, teria de falar ou calar-se, numa eterna negação.
Então a mãe, esfregando o peito do filho com a mão e enroscando o outro braço no do marido, criou um elo de tranquilidade e amor.
Disse ao seu incrédulo filho:
- Meu amor, tu sabes que, a nós, podes contar tudo!
O jovem ainda atemorizado, olhou para a mãe e, no encontro desse olhar, só viu paz, amor e anuência.
O pai apertou o afago, enleando ainda mais o jovem, garantindo-lhe:
- Sim, connosco e com todo o mundo. Esta é a tua vida, meu filho, vive-a intensamente, voa, brilha, sê feliz!
A mãe rematou ternamente:
- Escondes dentro de ti, meu príncipe, o que, desde sempre, não foi invisível aos nossos olhos.
O filho inspirou profundamente, demorou a responder enquanto manteve a apneia, e, pousados os sapatos no seu colo, deixou-se embrulhar naquele abraço quentinho que sempre conheceu nos seus pais, deixando-se, por fim, aninhar.
Respondeu - ainda abesbílico - em forma interrogativa:
- Sempre souberam…?