quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Sexo no Autismo, acontece...?

Perguntavam naturalmente ao Pedro se já tinha namorada. "Eu não!!," respondeu com aquele ar absolutamente imperturbado, "e depois tinha de fazer sexo com ela...!!" 
Claro que é anedótico e nos rimos - por vezes as famílias de autistas riem de coisas muito diferentes - mas se olharmos com seriedade para cada detalhe na convivência com um miúdo autista, podemos retirar aprendizagens inusitadas. 
Então os autistas não gostam de sexo? 
Se até os bichinhos gostam… 
Lá entramos de novo nas terras pantanosas dos tabus de que não se fala, não se diz. Pois, mas eu falo, questiono outras famílias, quero saber. 
Com o meu filho fica fácil, porque sempre me contou tudo, mas resguardo as nossas conversas. 
Que serviram de base para construir a personagem autista Xico? Sem dúvida que recheei as falas e pensamentos do Xico com as frases excepcionais do meu Pedro, mas o leitor nunca sabe se é o meu processo criativo, se é copy-paste do real. Benefícios de quem connosco priva, apenas.
Mas os autistas, são assexuados, é isso? Não. Ora, seria tão simplista...
Pela minha observação constato que na deficiência o preconceito impera, se confunde sexo com sexualidade, erotismo com inocência, que os julgam erroneamente por um todo, que decidem a bel-prazer apontando o dedo que neste caso é   assexuado ou neste outro só poderá ser hiperssexualidade! Não se pode colocar numa só embalagem com a mesma etiqueta tantas existências, tantas formas de ser, sentir e ver o mundo. 
Não me canso de repetir que se cada indivíduo formula o mundo num olhar diferente, tanto dos neurotípicos como dos seus pares e que, se a vida é absorvida, compreendida de uma maneira tão casuística, porque encarariam este tema em particular em bloco de forma una? 


No livro "AUTISTA, QUEM...? EU?" para além do Xico, mencionei um senhor dentro do espectro do autismo que até tinha conseguido casar e ter uma vida conjugal, mas que a determinada altura se decidiu divorciar, e ao anunciá-lo a sua mulher chorou. Resposta dele? "Não te preocupes, eu arranjo outra..." Mais uma vez o nosso olhar neurotípico acha hilário, mas o twist prende-se num detalhe único que faz toda a diferença. A intimidade. O toque. O dar e receber. O pensar no outro. O amar o outro.
É tudo tão arredio do autismo...
Daí ser até natural pensar: são assexuados. Mas o lado físico da pessoa com autismo cresce e nas idades certas acontece o mesmo que nos neurotípicos. É então que sucede, a quem destas pessoas cuida, a negação da sexualidade, o infantilizar das atitudes e um virar a cara para o outro lado. Para mim não faz sentido.
Sei que o meu filho já esteve verdadeiramente apaixonado - não vos vou contar detalhes, mas sentiu as tais borboletas no estômago, sofreu ao se ver trocado e foi à luta pelo que pretendia. Visto aos olhos da normalidade?, seria mais um de tantos namoricos, mas foi para mim emocionante e também muito divertido presenciar a ausência de malícia sem joguinhos de sedução e directos no ponto. Autistas até à quinta casa!, mas terrivelmente coerentes e correctos. Foi uma lição. Vi o meu filho feliz. E isso sim, para mim fez todo o sentido.
A forma como a sociedade repudia e estigmatiza as manifestações sexualizadas a estas pessoas, causa-me uma certa revolta. Muitas das acções que consideram ter uma carga sexual, serão as que não são pelos neurotípicos encaradas como tal, vá... vou considerar como um piropo: pode ser inofensivo e até nos fazer sorrir.
 (imagem de dois actores brasileiros não-autistas)  
Há quem passe por nós e nos afague os cabelos, ou simplesmente nos cheire os ombros. De notar que no autismo as sensações, as texturas, o odor, os sentidos são exacerbados, têm uma maneira tão diferente de sentir. 
Então serei eu que tenho dificuldade em aceitar que determinado gesto tem uma conotação sexualizada? Terá? E que seja...! Incomoda-me? Não. Deixo-me ser tocada, cheirada, afagada. Sinto que estarão a percepcionar o meu Eu. Tão simples como isso. Se não sinto erotismo no gesto, como o vou conotar como tal, só por não ser neurotipicamente falando aceitável? Há tantas acções (ou piropos) de neurotípicos que não considero de forma alguma normais e ainda assim são por outras pessoas conotados como aceitáveis...! 
Se é tudo tão relativo, porque não aceitar a diferença na diferença? 
Eu vejo desta forma: gosto dessa proximidade que é momentânea e por vezes, mágica. Já outros gestos ou acções denotam o que identificamos com clareza: uma erecção, ou a intenção de passarem a mão pelo nosso peito. Como reajo? Afasto a mãozinha antes de chegar lá, como faria a qualquer neurotípico! Com grande grau de probabilidade com um neurotípico eu sei que não seria tão afável.
Se pensarmos quantos ditos normais existem com transtornos inadequados para consolidarem um relacionamento amoroso... Porque todos nós temos pontos menos bons, quantas vezes nem disso somos totalmente conscientes ou racionais, e no entanto esses factos não interferem negativamente na satisfação entre um casal. No autismo - especialmente nos indivíduos com Síndrome de Asperger - pode até haver um desejo de ir ao encontro do outro e, porque não?, de ser amado, mas não haverá motivação suficiente porque acreditam que, se o fizerem, serão estigmatizados a partir dos padrões que lhes são impostos, por seus cuidadores e pela sociedade no geral. 
Tenho pena que não se invista no amor e sexualidade no universo autístico e simplesmente se entre no facilitismo de lhes prescrever medicação para 'acalmar as hormonas'. 
A meu ver, não se deveria infantilizar adultos. Têm direito à sua vida plena. Mais. Esta minha interrogação acerca do poder do amor e dos relacionamentos amorosos poder ser uma das improváveis mas possíveis soluções, vindo a abrir a porta ao desenvolvimento de comportamentos  sócio-comportamentais adequados e porque não, melhoramento dos cognitivos, apenas porque estão felizes...? Não seria caso de se ponderar sobre o que aconteceria?



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