Faz agora um ano que segui muito de perto a viagem que o Pedro Lapa fez e a que chamei “O carro que veio de Aveiro”. Não preciso que as memórias do FB me lembre as datas e momentos que em mim ficaram gravados debaixo da pele.
O Pedro foi porque não conseguiu ficar sentado no sofá a assistir pela TV ou redes sociais ao que acontecia, e eu fiquei. Combinámos que seria os seus olhos, voz e coração: eu escreveria o relato da sua viagem, a cada dia ia telefonar-me e transformaria as suas palavras em textos que publicaria no meu site, nas redes sociais.
Parecia simples, mas não foi.
Relatava-me o que via de voz quase apagada, embargada de tantas emoções, muitas as vezes que chorámos juntos, na incredulidade, pelo que presenciava, tanto o que as notícias não veiculam. Acreditamos que tivemos os telefones sob escuta, fui ameaçada, mas os textos não pararam de ser publicados a cada dia.
Hoje acredito que esta viagem mudou cada uma das pessoas que se envolveram nela das mais variadas maneiras, trazendo ao de cima a essência de cada um. Mas eu escrevi sobre a viagem do Pedro e sobre o carro que veio de Aveiro e é sobre isto que hoje continuo apenas a querer falar.
O Pedro foi porque não conseguiu ficar sentado no sofá a assistir pela TV ou redes sociais ao que acontecia, e eu fiquei. Combinámos que seria os seus olhos, voz e coração: eu escreveria o relato da sua viagem, a cada dia ia telefonar-me e transformaria as suas palavras em textos que publicaria no meu site, nas redes sociais.
Parecia simples, mas não foi.
Relatava-me o que via de voz quase apagada, embargada de tantas emoções, muitas as vezes que chorámos juntos, na incredulidade, pelo que presenciava, tanto o que as notícias não veiculam. Acreditamos que tivemos os telefones sob escuta, fui ameaçada, mas os textos não pararam de ser publicados a cada dia.
Hoje acredito que esta viagem mudou cada uma das pessoas que se envolveram nela das mais variadas maneiras, trazendo ao de cima a essência de cada um. Mas eu escrevi sobre a viagem do Pedro e sobre o carro que veio de Aveiro e é sobre isto que hoje continuo apenas a querer falar.
A cada um dos 10 dias de viagem, eu escrevi e publiquei um texto. Os telefonemas que o Pedro me fez, o que ele viu, escutou e me transmitiu quebraram algo em mim. O que ele sentiu, sendo um homem tão bom, ainda hoje, depois de tantas conversas que já tivemos, continuo a crer que seja bem mais profundo do que consegui em alguma vírgula pôr naqueles dez textos, do que ele mesmo consiga explanar por palavras ou pelo seu olhar.
A viagem terminou com um resultado maravilhoso: foi justamente no carro do Pedro, o carro que veio de Aveiro, que trouxeram uma família síria para Portugal, Ali, Nada com as suas três filhas. Hoje a viverem em Ovar, as meninas a frequentarem a nossa escola, a Nada a cuidar da família, o Ali a trabalhar e a sustentar a sua família honestamente como sempre quis fazer. Um sorriso no rosto, uma voz serena, uma vivência que diz atirar para trás, que o futuro são as suas meninas, e de novo todos atados, agora numa corda invisível, rumo à paz que em Portugal podem viver.
Quando digo que algo quebrou em mim, visualizo-o como uma casca de ovo, porque a viagem do Pedro em mim resultou num renascimento. Envolvi-me muito mais do que esperaria e após a chegada, quis continuar a escrever sobre este tema, apenas escolhi outro caminho, o meu, o da ficção e faz agora também um ano que me embrenhei na ideia, no nascimento do livro que agora tenho em mãos.
É um livro de Amor. Assim começa e assim acabará. Amor. Será através do amor que tenho a veleidade de vos contar a guerra, porque só assim consigo conceber como escrevê-lo.
Comecei com um título, como de resto sempre começam os meus livros e daí desenrolo o fio de todo o enredo na minha cabeça. Criei personagens, dei-lhes nomes, vida. Dei-lhes uma cidade – Lattakia, e uma outra cidade – Aveiro. Dei às minhas personagens um propósito, existências felizes e harmoniosas ou simplesmente normais. Pesquisei, continuo a pesquisar tanto sobre uma vivência que nós, com uma vida ocidentalizada, desconhecemos porque não nos aparece nas notícias.
Hoje tenho uma mão-cheia de pessoas sírias que continuam generosamente a contar-me, não só as suas difíceis e dolorosas histórias da travessia até à paz (relatos que me deixam sem voz, sem mais perguntas a fazer, apenas pouso o lápis e escuto, de olhos arregalados a sentir um imenso murro no estômago), como me contam detalhes importantes para mim de forma a saber reconhecer cheiros, sons, e saberes, povoam a minha imaginação com as suas realidades, expectativas e sonhos. "Põe isto no livro, Ana, é importante." E eu vou pôr todo esse colorido que me ensinaram a ver. São formas de ser e pensar de um povo que aprendi a respeitar. Aprendi que os sírios - mais que as outras nacionalidades do médio-oriente - são como os portugueses: gente boa, afáveis, bons anfitriões, brincalhões, são um povo gentil e generoso - são como nós.
,E depois a guerra, estúpida sem sentido que assola a Síria há cinco anos, que destruiu cidades inteiras, monumentos, a identidade de um povo cuja história remonta às mais antigas do mundo, uma perda sem tamanho para a humanidade. E depois... uma fuga incomensurável, uma corrida da morte certa para uma liberdade incerta, uma maratona pela Vida, pela Paz, pelo Amor.
Faz agora um ano que comecei a escrever a maratona das minhas personagens. E penso que já passei o meu km 32.
A viagem terminou com um resultado maravilhoso: foi justamente no carro do Pedro, o carro que veio de Aveiro, que trouxeram uma família síria para Portugal, Ali, Nada com as suas três filhas. Hoje a viverem em Ovar, as meninas a frequentarem a nossa escola, a Nada a cuidar da família, o Ali a trabalhar e a sustentar a sua família honestamente como sempre quis fazer. Um sorriso no rosto, uma voz serena, uma vivência que diz atirar para trás, que o futuro são as suas meninas, e de novo todos atados, agora numa corda invisível, rumo à paz que em Portugal podem viver.
Quando digo que algo quebrou em mim, visualizo-o como uma casca de ovo, porque a viagem do Pedro em mim resultou num renascimento. Envolvi-me muito mais do que esperaria e após a chegada, quis continuar a escrever sobre este tema, apenas escolhi outro caminho, o meu, o da ficção e faz agora também um ano que me embrenhei na ideia, no nascimento do livro que agora tenho em mãos.
É um livro de Amor. Assim começa e assim acabará. Amor. Será através do amor que tenho a veleidade de vos contar a guerra, porque só assim consigo conceber como escrevê-lo.
Comecei com um título, como de resto sempre começam os meus livros e daí desenrolo o fio de todo o enredo na minha cabeça. Criei personagens, dei-lhes nomes, vida. Dei-lhes uma cidade – Lattakia, e uma outra cidade – Aveiro. Dei às minhas personagens um propósito, existências felizes e harmoniosas ou simplesmente normais. Pesquisei, continuo a pesquisar tanto sobre uma vivência que nós, com uma vida ocidentalizada, desconhecemos porque não nos aparece nas notícias.
Hoje tenho uma mão-cheia de pessoas sírias que continuam generosamente a contar-me, não só as suas difíceis e dolorosas histórias da travessia até à paz (relatos que me deixam sem voz, sem mais perguntas a fazer, apenas pouso o lápis e escuto, de olhos arregalados a sentir um imenso murro no estômago), como me contam detalhes importantes para mim de forma a saber reconhecer cheiros, sons, e saberes, povoam a minha imaginação com as suas realidades, expectativas e sonhos. "Põe isto no livro, Ana, é importante." E eu vou pôr todo esse colorido que me ensinaram a ver. São formas de ser e pensar de um povo que aprendi a respeitar. Aprendi que os sírios - mais que as outras nacionalidades do médio-oriente - são como os portugueses: gente boa, afáveis, bons anfitriões, brincalhões, são um povo gentil e generoso - são como nós.
,E depois a guerra, estúpida sem sentido que assola a Síria há cinco anos, que destruiu cidades inteiras, monumentos, a identidade de um povo cuja história remonta às mais antigas do mundo, uma perda sem tamanho para a humanidade. E depois... uma fuga incomensurável, uma corrida da morte certa para uma liberdade incerta, uma maratona pela Vida, pela Paz, pelo Amor.
Faz agora um ano que comecei a escrever a maratona das minhas personagens. E penso que já passei o meu km 32.