sexta-feira, 4 de julho de 2014

Vamos espreitar o primeiro capítulo do livro Autista, quem...? Eu?

Estou muito contente por ter voltado a pôr este livro no mercado. A frase 'a pedido de muitas famílias', aqui, aplica-se. Não esqueci cada um dos pedidos de leitores e fui sempre procurando como poderia ou conseguiria fazê-lo. O resultado está bem catita e deixa-me feliz ver a adesão imediata que teve da parte do público. 
O livro é o mesmo, este é apenas a versão digital a que juntei imagens e sons, já que este formato me permitiu e eu não voltei costas ao trabalho extra.  

Fiz o layout baseado na capa do livro físico e o conteúdo, quem já tem este ebook, diz que está muito giro, apelativo. Pode ver tudo, entrando aqui

Mas melhor que explicar é deixar-vos espreitar, que tal? 
Deixo-vos com um abraço e a visualização do primeiro capítulo do livro "Autista, quem? Eu?" 



Nunca poderia imaginar, apenas com 22 anos, que o meu primeiro emprego, inicialmente temporário, se viesse a revelar tão gratificante, tão essencial à minha vida. 
Sou jovem, solteiro e bom rapaz.
Dizem-me as miúdas que o contraste dos olhos claros no meu tom moreno as mata... mas eu sou basicamente tímido, desajeitado nessas lides e, naquela época, francamente embaraçado pelo meu sorriso com mais dentes do que a minha boca podia suportar. 
Na verdade tudo começou porque queria fazer um tratamento à boca de ortodôntia (que rapidamente me fez granjear a alcunha de sorriso-de-ferro...) mas não tinha dinheiro suficiente para o orçamento cabeludo que o dentista fez e tinha enorme relutância em pedi-lo ao meu pai: dar-lhe-ia razão quando proclamou a sete ventos que a ida do filho para Lisboa para se tornar independente havia sido prematura! Assim sendo, aceitei a proposta do meu amigo José João (a quem chamo J.J.) para ser baby-sitter oficial do Xico, o sobrinho dele, quando a irmã, mãe do miúdo precisasse de dormir. 
Ora eu que sempre adorei putos, hesitei quando J.J. me disse que o Xico era autista. Para ser franco nem sabia bem o que era um autista e inicialmente até pensei que fossem aqueles miúdos com a cara esquisita.  
Lembro-me que o J.J. sorriu e me deixou à vontade com a explicação sumária que me deu – quis que fosse a casa dele conhecer o sobrinho ainda antes de tomar qualquer tipo de decisão. 
Recordo como se fosse hoje como fiquei chocado ao deparar-me pela primeira vez com o Xico: como é que um puto deficiente tem um ar tão normal? Bloqueei. Senti apoderar-se de mim um torpor que me sitiava como se fosse parvo. Não imaginava como deveria falar ou agir com um menino diferente, logo eu que sempre brinquei com a canalha miúda! 
Num repente, o Xico elevou as mãos no ar, como se fosse um maestro pronto a começar o concerto da sua vida; deteve-se por breves segundos nessa posição e logo começou um movimento estereotipado com as mãos que me fez lembrar um pequeno querubim tocando uma harpa celestial num dedilhar imaginário. 
Parando noutro repente, sempre sem olhar para mim, perguntou-me num tom monocórdico: 
– De que cor é a tua escova de dentes? 
–...Não sei... acho que é amarela. - respondi sem perceber. O J.J. explicou-me nessa altura que, em vez de um Olá ou de um habitual Como te chamas? o sobrinho cumprimentava a todos quantos falassem com ele com a mesmíssima pergunta, e que, estranhamente, sabia a cor da escova de dentes de todas, mas mesmo de todas as pessoas que conhecia, isto sem contar com a escova que já há muito teriam deitado fora... Se encontrassem na rua alguém que já não viam há muito tempo, o Xico declararia de imediato: 
– A tua escova é verde, como o Sporting. Às vezes a pessoa negava: 
– Nããã... É branca Xiquinho. Invariavelmente a pessoa pensava um pouco e depois replicava com admiração: – Espera lá, ele tem razão, estou a lembrar-me... Isto é fantástico, mas a que tinha no ano passado quando estive convosco e ele me perguntou pelo raio da escova era, efectivamente, verde... 

Como é que se lida com um miúdo assim? Quando ainda morava no Porto, na casa dos meus pais, costumava jogar à bola com a garotada ou então pegava na minha guitarra e, sentado nos degraus, tocava para que todos cantassem... a minha guitarra! Mas é claro!!! Como vinha das aulas trazia a minha inseparável guitarra a tiracolo. O J.J. fez-me sinal de ser boa ideia e, logo na primeira nota, apercebi-me do excelente ouvido musical que o Xico possuía. Fiquei fascinado! 
O J.J. todo orgulhoso explicava-me que o sobrinho também reconhecia todos os autores das músicas que ouviam em casa e, inclusive, costumava dizer: Esta música é do carro ou Esta música é da casinha do 24 associando sempre onde e quando a ouvira pela primeira vez, de uma forma quase matemática. 
Acho que de repente se deu conta da minha cara de espanto e traduziu as suas próprias palavras... 
– Espera! Casinha do 24 é como o puto chama à nossa casa, o número da moradia é 24... - justificou como se fosse a coisa mais normal do mundo - e depois sabes? ... nós ao longo dos anos temos adoptado para o nosso vocabulário muitas das expressões do Xico e esquecemo-nos das outras pessoas... 
Na altura não compreendi completamente, mas o Xico puxava as cordas da minha guitarra, estávamos a perder o seu tempo, ele queria mais... 
Claro que toquei de seguida várias melodias e o Xico, para meu grande espanto, trauteou-as todas: desde a canção da moda do momento até à tradicional Mula da Cooperativa

Max - Mula da Cooperativa

Fiquei encantado pela possibilidade de comunicar com alguém deste modo, logo eu, que acalento o sonho de um dia conseguir ser um músico reconhecido e ver o meu nome, Xavier Duarte, nas capas dos CD... mas desenganem-se se pensam que esta era a sua única maneira de comunicar! É um tagarela! 
O J.J. explicou-lhe, com uma certa graça, que eu gostava de ir para dentro de um CD (da mesma forma que a mamã escrevia e aparecia dentro do jornal) e que um dia íamos ligar o rádio e sairia a minha música de lá. Bom, na verdade, é o que eu mais quero e, a bem dizer, persistência não me falta! 

Foi pela mão dessa vontade imensa de ser músico e tentar a vida como profissional que quis vir estudar para Lisboa. Esses três anos de formação musical numa escola como o Hot-Clube de Portugal representavam um sonho que, de repente, eu queria que estivesse ali, ao alcance da minha mão. 
O meu pai afirmou que não me sustentaria, estaria por minha conta e risco. Pois bem! Estava decidido a sair de casa de estojo de guitarra a tiracolo, mala e cuia, quando, inesperadamente, tive uma ajuda: o meu avô Luciano, o meu querido avô, o maior artista de Avintes! 
A guerra entre o meu pai e o meu avô materno instalou-se quando este resolveu apadrinhar o meu sonho: chamou-me bolseiro-do-espírito-criativo e mensalmente deposita na minha conta o suficiente para as prestações da escola, o pequeno apartamento que aluguei na Baixa lisboeta e o mais que necessário para viver com dignidade. 
Larguei tudo, casa, família, amigos e também a Faculdade de Direito... Trocar a toga por uma guitarra foi incompreensível aos olhos do meu pai! Vim para Lisboa um bocado incomodado com a sua postura, bem sei que este é o meu sonho, não o dele: Não ficámos zangados, mas nunca mais foi a mesma coisa e no Natal passado fiquei mal com a frieza dele. 
Mas o primeiro ano sozinho, nesta cidade nova para mim, tão avassaladora em grandiosidade e movimento para um banal estudante nortenho, aliado às boas notas no final de cada semestre, atestaram pela minha sanidade mental... 
Tenho a convicção que algum dia lá chegarei! 
Como forma de minimizar a prestação e amealhar algum pé-de-meia, no primeiro ano colaborava nos intervalos das aulas nos trabalhos da secretaria. No segundo ano comecei a ser baby-sitter
No entanto, é bom que se diga: desde essa memorável primeira visita à casinha do 24, o tio Zé João fez logo ali do sobrinho Xico o meu maior fã!!! 

Nesse ano o J.J. foi estudar para a Universidade do Minho, já que não tinha conseguido entrar em Arquitectura aqui em Lisboa. Confidenciou-me como estava angustiado por deixar a irmã sozinha com o sobrinho porque ambos tinham ao longo dos anos formado uma boa equipa em torno do Xico. Havia pensado em desistir mas a Margarida não permitira... afinal tinham considerado o Minho como opção na candidatura dele. 
Herdaram uma quinta em S. Torcato, mais propriamente para os lados de Guimarães, perto do Campus de Azurém, onde ficava a Escola de Arquitectura, tão perto que J.J. nos dias em que não chovesse poderia ir de bicicleta... 
Chegaram a pensar na hipótese de alugar alguns quartos a colegas de faculdade (coisa que não escasseava no enorme casarão com dez divisões) e assim facilitar as muitas despesas que tinham, caso ficasse deslocado de Lisboa. 
Foi desse desespero que nasceu a ideia louca de convidar este amigo para baby-sitter do sobrinho... É que uma criança como o Xico que não tem bem adquirida a noção de perigo, é isso mesmo: um perigo! 

Estes meninos (explicou-me o J.J.) estão muito sujeitos a acidentes porque não entendem que têm de olhar para os carros antes de atravessar uma estrada ou porque se debruçam demasiado nas janelas sem sequer perceberem o risco que estão a correr... e não é por falta de cuidados ou de explicações contínuas e diárias... 
Quando o Xico era pequenino pensavam que era simplesmente corajoso, muito destemido para a idade, mas depois aprenderam que, para um autista, a noção de medo pode ser tão imprevisível como desconcertante. 
A interpretação de conceitos na cabeça do Xico é processada de uma forma diferente: para ele os carros têm sempre a conotação de bom tal como o vermelho é mau. Como não tem adquirida a noção do que é efectivamente perigoso, estranhamente para a nossa compreensão, atravessar a estrada pode ser bom... 
O J.J. pediu-me para imaginar estas duas situações hipotéticas como que numa imagem cinematográfica: a) O Xico atravessa uma estrada porque logo ali naquele local, do outro lado da rua, está um stand de automóveis e, impávido e sereno, o Xico passa por entre os carros que travam e se enfaixam uns nos outros... b) O Xico atravessa uma estrada mas pára subitamente no meio da via porque o carro é vermelho e isso sim, é perigoso! 
Por ser destituído dessa consciência que é instintiva nos outros meninos, representa um grande perigo para ele próprio: desafia constantemente a sua integridade física e põe a mãe e o tio de nervos em franja e cabelos em pé. 

O meu papel seria o de estar simplesmente SEMPRE de olho nele, mas... provavelmente nem J.J. pensou que eu me fosse interessar tanto, nem eu suspeitei como este meu emprego temporário iria ser bem mais apaixonante do que ser apenas um vulgar guardião diurno... 
Foi também nesse mesmo dia que conheci a Margarida, a irmã de J.J. e mãe do Xico, que se veio a tornar ao longo destes anos na minha querida amiga Gui. 

Lembro-me de que no início fiquei hesitante sobre como tratar o menino. 
O J.J. havia apresentado o sobrinho como Xico mas a mãe tratava-o por Quico... Achei natural, uma vez que entre amigos o tratávamos por J.J. e em família era o Zé João... 
Hesitei se deveria chamar-lhe Francisco por uma questão de formalidade, por eu ser um desconhecido... 
O J.J. riu-se e contou-me um episódio engraçado. 
– Há alguns anos uma psicóloga veio com essa teoria de que a família não devia dispersar a personalidade da criança confundindo-a e a minha irmã e eu resolvemos, apesar de na escola ser formalmente o Francisco Maia, tratá-lo por Xico, como a maioria das pessoas já faziam, e também porque era o diminutivo que usavam para o nosso avô paterno... 
– Aquele avô de que tu gostavas muito...? - perguntei. 
– Sim... esse mesmo - e prosseguiu - No final do primeiro dia o miúdo estava agitado, triste, e perguntou candidamente: 
– O Quico do Xico foi embora para nunca sempre
 Sorrimos. 
– É... O Xico tem coisas muito giras... - rematou J.J. - E então foi assim, desde aí a minha irmã resolveu mandar às urtigas a opinião da psicóloga e continuar com a brincadeira que é, e sempre foi, só deles os dois: a minha irmã trata-o por Quico e ele em vez de mãe chama-a muitas vezes pelo nome Maguida... só nunca percebi se era diminutivo de Margarida se de Mãe Guida!  
Decidi-me então: Xico seria! 

Recordo exactamente o meu primeiro dia, uma semana antes de o J.J. ir embora. 
O Xico estava a ver televisão. 
Não me ligou nenhuma. 
Do filme lembro-me de identificar o grito na selva e o esvoaçar de liana em liana. 
Amistosamente o J.J. e a irmã mostraram-me em todas as divisões da casa, no quintal e no jardim, os locais ou cantos preferidos do Xico e quais os hábitos e actividades que ele tinha. Para uma criança normal, disseram-me, isso seria desnecessário mas um menino autista liga muito às rotinas. 
Depois aconselharam-me a, simplesmente, sentar-me ao pé dele. 
Perguntou sem tirar os olhos da televisão: 
– Aquele Nissan é teu? 
Sorri. 
Para quem não tinha ligado nenhuma... 
– Sim, aquele Nissan estacionado lá fora é meu. Gostas de carros, é Xico? 
– O teu Micra já é velho tens de comprar o modelo novo. 
Ri-me. Sim eu também gostaria... 
Enquanto falámos de carros a conversa fluiu, mas depressa percebi que isso se devia apenas e só ao tema da conversa porque sempre que começava outro assunto, ele voltava de imediato aos carros. 
– Posso ir buzinar o teu Micra? - perguntava sem me olhar. 
A mãe trouxe um tabuleiro com o lanche que pousou na mesa da sala. 
– Então Quico já conheces o Xavier? Deste um aperto de mão? 
Levantou-se como um autómato, veio para a minha frente e, sem nunca me olhar, deu novo sentido à frase que insistentemente o actor repetia: 
Mim Quico, tu Xavier. 




Quer ler mais? 

Saiba como ter acesso ao livro entrando aqui 
ou contacte-me anamartins.com@gmail.com

terça-feira, 1 de julho de 2014

ebook Autista, quem...? Eu?

Este meu livro - Autista, quem...? Eu? - foi publicado da forma mais tradicional em 2006 pela Editora Centralivros. 
É um livro que tem feito o seu percurso de uma forma muito bonita, ao longo destes anos e edições.
Muitos foram - e são - os leitores de que recebi - e recebo - mensagens, confidências, desabafos, palavras que não vou esquecer jamais.
Sendo uma história de ficção, é bastante humanizada e que toca de muito perto quem vive com o autismo dentro de casa, como acontece com as personagens deste livro. 




Hoje, 8 anos após o seu lançamento, este livro continua vivo, a ser-me solicitado não só por vários leitores meus que pretendem partilhar as emoções que tiveram e querem oferecê-lo a outras pessoas, como até por quem não o leu e o quer fazer pela primeira vez por lhe ter sido repetidamente recomendado.
Porém, tendo em conta que está esgotado há anos e me dá um dó imenso não poder divulgá-lo mais, rendi-me às novas plataformas - diferentes do livro físico que tanto prezo - e surge esta forma de apresentação. 
Espero que este livro, agora virtual, continue a ser lido com o mesmo interesse, que continue a ajudar famílias como curiosamente tem acontecido até aqui.


Como fazer para ter acesso ao primeiro livro virtual de Ana Martins?

O acesso ao livro está disponível em duas modalidades
em apenas 3 cliques: (contactar via email - anamartins.com@gmail.com)



  • acesso de leitura por 2 meses 
      - por 5€ 


  • acesso de leitura vitalício 
      - por 10€ 


PRIMEIRO

Após escolher qual dos acessos pretende, efectuar o seu pagamento (tranferência ou paypal), e mandar com o confirmativo apenas o endereço de email. 
Receberá no email o seu convite para o livro. 
Abra e clique em ACEITAR CONVITE


SEGUNDO

Não esqueça o conselho em letras pequenas: Tem de iniciar a conta google. E outro ainda: aceite o convite rápido, tem prazo, e dentro de dias expira. Mas quer mesmo ler.... então vamos lá, clique de novo em ACEITAR CONVITE.




 TERCEIRO 

O seu acesso ao livro está concluído em 3 cliques! Viu? Simples!!





Agora já tem acesso directo ao livro Autista, quem...? Eu? 

ok, agora clicou neste link e não conseguiu entrar, foi isso? 

Pois. Está reservado apenas a leitores autorizados, os que passaram pelo ponto inicial - o pagamento. 
O livro, o trabalho da autora, não é oferta. Neste ebook foi adicionado ao texto que já existia um extra que este novo formato permitiu: imagens e sons que ajudam a conduzir o leitor nas emoções da alucinante viagem de montanha-russa que é o mundo desconcertante do autismo.

Agora sim, pode começar a ler, no seu telefone, tablet ou computador. 










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