Muitooo se tem falado e mais ainda digitado sobre o piropo, mas era inicialmente uma questiúncula tão mas tão ridícula, que roçou o meu descaso e foi embora.
Hoje, apetece-me piropear o piropo.
Como este quesito começou já na rentrée do BE, eu achei que Adriana Lopera e Elsa Almeida cometeram o lapso de debitar o discurso anterior da tola silly season, mas claramente foi um equívoco meu não as ter entendido.
A minha cisma é que persisto sem atingir o desassossego que as consome.
Tudo o que roce a proibição, dá-me urticária mental. É um facto incontornável na minha vida, e por princípio, sou logo 'do contra'. É que ainda sou do tempo de me lembrar de, na minha família, haver um hábito estranho para a minha cabeça infantil: abrirem a porta da rua, espreitarem se alguém estaria a escutar e só depois se sentarem para conversar baixinho. Não havia activistas no seio familiar, mas o medo instituído de uma possibilidade pidesca que só mais tarde entendi, faz-me ainda hoje respeitar por si só o conceito de liberdade.
Eu até compreendo que a malta esteja cansada da crise, e bate-se nos piropos com uma veemência, como se não houvesse amanhã, nem mais nenhum tema importante para resolver no país, mas convenhamos, um piropo é apenas isso: um piropo.
s. m. [Popular] Galanteio; elogio; frase amável ou lisonjeira dirigida a alguém.
"Mulher honrada não tem ouvidos", crescemos a ouvir isso, ou "não se responde a um pssst" e ainda que tenhamos uma educação judaico-cristã, com um vínculo muito estreito com a culpabilização, a meu ver, a assimilação de conceitos e preconceitos sobre a relação com próprio corpo, a sexualidade e a feminilidade, são diferentes em cada fase da vida de uma mulher.
Eu nasci e cresci no Bairro de Alvalade, que é paredes meias com Hospital Júlio de Matos. Na época da minha adolescência, convivia-se diariamente com os pacientes psiquiátricos internados que passeavam livremente pelas avenidas. Recordo que havia o senhor da gabardine que a abria despudoradamente, a ternurenta condessa desgrenhada que embalava um bebé-chorão, entre outros que até tinha uma maior paciência e havia os de que fugia devido aos meus atributos físicos constituírem uma séria ameaça. Se era incómodo para uma jovem adolescente? Certamente (e sei que a minha irmã se irá rir no preciso momento que ler este texto porque recordará uma historieta).
Eu fui uma menina que cresci com um peito grande. Se fui alvo de piropanços? Com certeza. Mas se em pré-adolescente me assustei (até porque ainda era maria rapaz), mais crescida, bem mais crescida, já liberta de culpas bacocas-religiosas, aprendi que um silencioso olhar podia ser mais dotado de más intenções que um piropo. Para ambos aprendi a defender-me ou com um olhar 33 ou com o meu comedimento na audição. Se ligo? Não, às vezes sorrio da piadola bem engendrada, mas não respondo, nem ligo aos narizes que quase caem no decote, nem olho (ainda) se fizerem pssst.
A relação com a sua feminilidade, não é na rua com o piropo do trolha, que a mulher aprende a lidar com os pseudo-traumas de que se tanto vê por aí escrito, é em casa, na educação que se dá a cada um dos nossos filhos ou filhas. O respeito aprende-se, é bonito e toda a malta gosta.
Gostaria de saber se uma colega minha de liceu se lembrará de uma ociosa tarde que resolvemos fazer um teste e piropear moços jeitosos, encostadas nas arcadas da pastelaria Vá-Vá como bons trolhas na hora de folga. As reacções foram as previsíveis - a incredulidade.
Não voltámos a fazê-lo, era apenas um teste. Mas se na adolescência aprendi que também as mulheres podem piropear e contudo não o fazem porque assim foram educadas, se calhar a resposta está na educação dos moçoilos. Mães que continuam a achar que os meninos não brincam com vassouras, não precisam saber cozinhar ou lavar a loiça... pensem melhor.
Hoje, apetece-me piropear o piropo.
Como este quesito começou já na rentrée do BE, eu achei que Adriana Lopera e Elsa Almeida cometeram o lapso de debitar o discurso anterior da tola silly season, mas claramente foi um equívoco meu não as ter entendido.
A minha cisma é que persisto sem atingir o desassossego que as consome.
As duas senhoras dizem entre outros mimos - e podem lê-lo na integra aqui: "O assédio só pode estar enquadrado na área na violência contra as mulheres, portanto da violência de género ou a violência machista, e será analisado como mais uma demonstração da relação de poder que a sociedade patriarcal estabelece".
Ora então vejamos: Se a finura for: "faço-te uma carica num olho, ó besta!" não é um crime de género, não, e é um primor de somenos importância, o desrespeito, é. Mas se for "Ó boooooa, anda cá ao pai", já é um crime analisado como mais uma demonstração da relação de poder que a sociedade patriarcal estabelece? Pois, continuo sem conseguir alcançar...Tudo o que roce a proibição, dá-me urticária mental. É um facto incontornável na minha vida, e por princípio, sou logo 'do contra'. É que ainda sou do tempo de me lembrar de, na minha família, haver um hábito estranho para a minha cabeça infantil: abrirem a porta da rua, espreitarem se alguém estaria a escutar e só depois se sentarem para conversar baixinho. Não havia activistas no seio familiar, mas o medo instituído de uma possibilidade pidesca que só mais tarde entendi, faz-me ainda hoje respeitar por si só o conceito de liberdade.
Eu até compreendo que a malta esteja cansada da crise, e bate-se nos piropos com uma veemência, como se não houvesse amanhã, nem mais nenhum tema importante para resolver no país, mas convenhamos, um piropo é apenas isso: um piropo.
s. m. [Popular] Galanteio; elogio; frase amável ou lisonjeira dirigida a alguém.
"Mulher honrada não tem ouvidos", crescemos a ouvir isso, ou "não se responde a um pssst" e ainda que tenhamos uma educação judaico-cristã, com um vínculo muito estreito com a culpabilização, a meu ver, a assimilação de conceitos e preconceitos sobre a relação com próprio corpo, a sexualidade e a feminilidade, são diferentes em cada fase da vida de uma mulher.
Eu nasci e cresci no Bairro de Alvalade, que é paredes meias com Hospital Júlio de Matos. Na época da minha adolescência, convivia-se diariamente com os pacientes psiquiátricos internados que passeavam livremente pelas avenidas. Recordo que havia o senhor da gabardine que a abria despudoradamente, a ternurenta condessa desgrenhada que embalava um bebé-chorão, entre outros que até tinha uma maior paciência e havia os de que fugia devido aos meus atributos físicos constituírem uma séria ameaça. Se era incómodo para uma jovem adolescente? Certamente (e sei que a minha irmã se irá rir no preciso momento que ler este texto porque recordará uma historieta).
Eu fui uma menina que cresci com um peito grande. Se fui alvo de piropanços? Com certeza. Mas se em pré-adolescente me assustei (até porque ainda era maria rapaz), mais crescida, bem mais crescida, já liberta de culpas bacocas-religiosas, aprendi que um silencioso olhar podia ser mais dotado de más intenções que um piropo. Para ambos aprendi a defender-me ou com um olhar 33 ou com o meu comedimento na audição. Se ligo? Não, às vezes sorrio da piadola bem engendrada, mas não respondo, nem ligo aos narizes que quase caem no decote, nem olho (ainda) se fizerem pssst.
Gostaria de saber se uma colega minha de liceu se lembrará de uma ociosa tarde que resolvemos fazer um teste e piropear moços jeitosos, encostadas nas arcadas da pastelaria Vá-Vá como bons trolhas na hora de folga. As reacções foram as previsíveis - a incredulidade.
Não voltámos a fazê-lo, era apenas um teste. Mas se na adolescência aprendi que também as mulheres podem piropear e contudo não o fazem porque assim foram educadas, se calhar a resposta está na educação dos moçoilos. Mães que continuam a achar que os meninos não brincam com vassouras, não precisam saber cozinhar ou lavar a loiça... pensem melhor.
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