Dentro de dias vai sair uma reportagem na revista Visão que hesitei em colaborar 'dando a cara'. Na verdade é um tema a que tenho dado bastante tempo de reflexão e de observação.
Numa ida ao supermercado reparo discretamente naquela mãe que cala um surdo NÃO de olhos bem abertos ao filho que pede algo que o ano passado exigia (e tinha) sem pejo.
Na senhora que no cesto tem apenas pão, manteiga e um saco com duas laranjas e mantém a pose na fila da caixa de um carro cheio.
Nas mãos da outra senhora de mais idade com apenas um pacote de massa e uma embalagem de caldos de carne.
Na gasolineira presencio um jerican entre os carros que estão a abastecer. Mais uma pessoa ficou sem gasolina na estrada, não por distracção, mas por achar que o combustível ainda chegaria.
Nas mãos do carteiro noto que distribui demasiadas cartas registadas que adivinho trazerem as não boas novas de corte de fornecimento de serviços básicos.
Observo lojas de face escondida em papel pardo forrando as montras, as empresas que fecham ao nosso redor a cada dia, os amigos e conhecidos que estão a sair do país e nos dá vontade de chorar por não termos percebido que aquela família estava a precisar de ajuda...
A contra-ciclo da queda de poder de compra de toda uma classe média embaciada pelo constrangimento de o demonstrar claramente, eu quero falar sobre isso.
Gasta-se demasiada energia e recursos a tentar disfarçar o que não temos de ter vergonha: Está a acontecer um pouco por todo o lado, em cada lar, em cada local de trabalho, com o invisível transeunte que connosco se cruza, no amigo que falta ao jantar calado por não o poder pagar, porque já não é possível manter a mesma vivência que se acostumou a demonstrar, a usufruir. Contudo, pela calada todos estamos a sobreviver. Faz parte da nossa natureza, não somos pessoas de desistir e com mais ou menos tranquilidade, sucumbimos aos chamados sub-empregos, os biscates de antigamente para conseguir assegurar o essencial. Recordamos com veemência as palavras de nossos avós que falavam de um tempo de crise diferente, mas que nos faz pensar com uma nova e adquirida propriedade no "uma sardinha para dois"
Fala-se hoje dos novos pobres. Diferente de dizermos sempre os houve, sempre os haverá, é afirmarmos que a nossa classe média não estava preparada para este revés, para viver sem dinheiro, para viver sem saber como. Mas sabe! Mentir a nós próprios será o primeiro recurso, mas não é solução, porque a cada passo, notamos haver um degrau mais abaixo. E outro ainda.
Eu tenho uma teoria sobre quando a vida nos dá limões. Limonadas? Não!, façamos logo o melhor possível e venham de lá as caipirinhas!!
Se a sua vida se estilhaçou, aprenda que foi apenas a sua vida conforme a vinha vivendo, porque a SUA VIDA continua!
O português é o mestre do desenrasca, e se já o povo clamava que a necessidade aguça o engenho, se observarmos atentamente, vemos que para além das mensagens gritadas alto nas redes sociais e nas manifestações mais que públicas, de forma silenciada a classe média reinventa-se, transforma uma vivência que não conhecia na sua nova rotina e não desiste!, ainda assim, afirmo: Calar uma realidade não faz com que ela desapareça, apenas aumenta o espectro de uma impossibilidade e a estagnação, essa, não é a que tem de sobreviver, mas sim - e que me perdoem a audaciosa redundância - a coragem de ter arrojo.
3 comentários:
Já há tanto tempo que não te lia assim!!! Texto lindo, tema terrível.
Beijinhos pelirojita!!
Temos que nos ver
Gisela
Cara Ana Martins, minha homónima, identifico-me com tua colaboração e agradeço toda a simplicidade frontal. Precisamos disto. De pessoas que escrevam sobre o que todos nós observamos no dia a dia, no supermercado ou no trabalho, ou em qualquer lugar. Obrigada e já agora para que conste vou enviar o link aos meus contatos. Grata emvio votos de luz para que continue a escrever o que observa e sente.
Concordo com a Gi... a Ana arrasou muito nesse texto. Assim como em muitos outros... e que triste essa realidade por aí! Estamos todos torcendo e pedindo a Deus para que tudo fique bem o quanto antes!
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