segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Pés na terra & cabeça sonhadora

Hoje de manhã um amigo enviou-me esta mensagem: 
"Ia para o trabalho, ouvi esta música na m80 e lembrei-me de ti" 
Fiquei obviamente curiosa e cliquei no link para ver qual a música. 
Imediatamente o sorriso nasceu em mim antes de a escutar, ao ler o título e o grupo!, alegre, já desci para a minha caminhada matinal a dançaricar pelos degraus, a cantarolá-la na minha mente, sem conseguir descolar do meu rosto um alargado e malandro sorriso. 
É que amanhecia o meu mês de Setembro de modo tão, tão meu! Explico.
Sei que o meu amigo tem razão ao pensar em mim com esta canção: reconheço como tão bem me compreende ao longo destas décadas todas. De igual modo as palavras da cantautora escocesa Sadenia Reader, lêem-me na perfeição! Sim, "Perfect" (e clarooo que não é a música de Ed Sheeran! Atentem os mais jovens que amam descobrir os anos '80), foi o primeiro single dos Fairground Attraction (grupo já extinto), que quando saiu e se tornou #NumberOne numa época em que tínhamos e valorizávamos um top musical; isto aconteceu transversalmente a 1988/1989, aquando do tempo conturbado&mágico da minha gravidez de alto risco com o tempo de ser mãe, pelo que, estando por imperativa advertência médica, de cama durante oito bonitos meses da gestação, a escutava amiúde! 

Ia ter mais cuidado do que todos os médicos me recomendavam (foi uma gravidez muito rara e, por isso, vigiada), e, sim!, ia ser perfeito!! 

(contém muita informação em forma de música, a cada link)

Já depois da caminhada, tive de interromper o normal curso do meu dia, avassalada com os pensamentos que me ocorreram à mente e após uma rápida meditação, decidi sentar-me a escrever. 
Escrever salva-me sempre! 
Já a memória que guarda os bons e os menos bons momentos da nossa vida, é cheia de bondade e faz-nos empurrar para um canto mais escuro o que nem é para lembrar. Não esquecemos, apenas o apagamos da nossa vivência quotidiana. Como o som de uma vassoura em segundo plano numa música de Neil Young
Perfeito! 
Era como eu queria que fosse o meu casamento, tal como foi o dos meus pais e dos meus avós! Vivi rodeada de dois casais tão coesos, porém exposta (em frente, literalmente!) a outros dois tão tóxicos, que nem sei bem porque retive só o perfeito: bom... até sei! Sou da última geração em que as meninas foram educadas para casar. O efeito Cinderela rodeava-me e era bem palpável para mim, demasiado observadora, reparava em cada gesto, palavra, toque ou sorriso cúmplice: tive uma infância mesmo muito feliz, rodeada de amor! Perfeita! E nem a Disney tinha ainda entrado na equação das princesas: estávamos no tempo do rato Mickey e do pato Donald, as belas tardes no cinema Alvalade. 
Perfeito não foi o meu casamento, é facto. Divorciei-me quando o marido disse: "Eu não posso ter um filho deficiente!" Ao que muito bem respondi: "E eu não posso ter um marido parvo!" 
Perfeito! 
Não foi o que aconteceu nos anos seguintes. Na verdade, nem teria de ser, eu é que ainda não tinha aprendido essa lição na vida, e, como sou teimosa, foram necessárias mesmo muitas mais, para que capitulasse. 
Tal como se sugere na música do meu amigo (obrigada!), intimamente sempre continuei a acreditar na instituição casamento, num compromisso a sério, na tríade AMOR-CONFIANÇA-RESPEITO. Acredito, ainda hoje, que só assim vale a pena viver a dois: quando vale a pena! 
Viver só, é uma escolha, e feita há mais tempo do que quero lembrar. Se namorisquei?, é certo, não fiz voto de freira!, mas algo sério...? Bastava-me observar o modo como os pretendentes a pretendentes me olhavam ao início e logo de esguelha para o meu filho, que, coitados!, já estavam de patins em linha no Estoril!, e ainda estavam a pensar que teriam quaisquer hipóteses de entrarem na minha vida...!
Quis muito, de começo, voltar a casar, construir uma família, dar irmãos ao meu filho. 
Um dia um médico disse-me de deveria TER mais filhos para um dia cuidarem do Pedro. Quedei-me horrorizada! Isso era tudo o que não aconteceria na minha ideia de perfeito!! Casar com qualquer um e encher-me de filhos...? Na minha mente, coloquei esse conceito de porca parideira num desses recantos escuros.  
Todo este modo de ser, tal como está na música matinal... sou eu! Ainda hoje! 
Sou oito ou oitenta. 
Branco ou preto. 
Tudo ou nada! 
Sempre assim fui, desde menina, com o carácter e personalidade bem vincados, tal como o meu pai, orgulhosamente, tanto me gabava a quem quisesse escutá-lo. 
Tive-tenho a coragem e a determinação acirrada de enfrentar a solo um salto sem rede, para o qual a minha infância feliz não me preparou - digo melhor -,  tantos anos tão feliz, de um perfeito que ansiava repetir, sim, preparou-me para o desconcertante embate que é o de ter um filho que baralha a noção pré-construída que qualquer grávida tem de perfeito, e, ainda assim, ter a tenacidade de logo arregaçar as mangas - fazer de conta que era muito corajosa, apesar de aterrorizada, porque ninguém iria notar a diferença - e seguir em frente, defendendo-o de todas as frentes frias, das leves brisas às mais ferozes tormentas! Ainda o faço, sempre o farei. Venha quem vier! 
Continuo em algum recanto ensolarado de mim a ser a brava e feliz menina da foto, com nove anos, a dos quatro meses de férias na praia, a atrevida, pispineta e desafiadora, a saltar sem precisar de rede! (É sim, uma das fotografia captada pelo meu papá, uma das muitas minhas preferidas. Esta cristalizo-a com a legenda das palavras, que acima referi, de meu pai). 

Recordei, uma outra música: The Whole of the Moon, a que me agarrei com a urgência inata de uma grande lapa: se antes do Pedro nascer estava aterrada com o que os médicos foram dizendo ao longo da gravidez de alto risco e pelos 10 meses seguintes, comecei um gritante e calado diálogo interno na minha cabeça, entre a Ana organizada e de pés bem assentes na terra e a Ana a eterna sonhadora e artista dos pés à cabeça: 

I saw the rain dirty valley 
You saw Brigadoon 
I saw the crescent 
You saw the whole of the moon

E ainda que eu soubesse, em algum recanto luminoso em mim, de que Brigadoon existe mesmo!, Ahhh!, o perfeito nunca chegou. 
E sim, eu sei que existe e consigo ver o todo da Lua, como tenho a Dona Dor comigo (é claro que tem nome e ocupa o seu espaço!) nas outras fases lunares. 
Perfeito, não é, aprendi a acomodar e a pintar com outras cores o vale sujo e lamacento. Muitas as vezes que apenas o empurro para debaixo do tapete, muitas mais as que sei que consegui um intento que tinha desde os trinta anos, quando via outras Mães com mais idade do que eu, que atravessaram a Porta da Dor, como há décadas lhe chamei: as Mães que eu via com os filhos na rua ou nas salas de espera, e, lhes lia nos olhos amargura, para além de uma tristeza profunda que nunca se descola.
E apesar de durante anos esta música me acompanhar - me salvar, literalmente! -, no frémito da voz fininha da Max Edie, que, na minha cabeça, era eu de novo com nove anos, agora na beira de um vórtice, sem rede, a cada nana nana na na naaaaah que eu repetia incessantemente a cada gesto do meu dia, num grunhido tão profundamente calado, na minha constante tortura de escolher viver a vida e logo saltar para os carris do lado, os que correm ali encostados, paralelos à vida, onde decorre o filme cómico, tal como no genial filme dos Monthy Phyton "Life of Brian": eu posso dizer que consegui! Eu consegui!! Com o imenso, o interminável, incondicionalmente profundo AMOR que o meu filho e eu temos um pelo outro... nos meus olhos só lêem amor! Pelo Pedro, pelo milagre da VIDA de que não desisto!, por este mundo que quero tanto seja feito de Paz! Sei que posso saltar para o outro par de carris a desejar assim, e se assim fosse, não seria maravilhoso?  

Aprendi mais adiante na vida de que mais do que as Mães e Pais do Autismo, tantas outras pessoas num doloroso momento, em profundo pânico, também atravessaram a Porta da Dor. 
Compreendemo-nos, num nível de intensidade que sei ficar a léguas  - e ainda bem que simmm! - de quem nunca a atravessou. 

E há a Esperança, porque nunca se vai embora!, e eu continuo aqui a acreditar, e a sorrir! A sorrir!!  Nunca a amargura que via nas outras mães, conseguiu derrubar a minha alegria de viver, por muito que force este muro mais concreto que o de Berlim. Eu sorrio, com os dentes todos, com o olhar profundo desde a minha alma

Há anos escrevi num dos meus livros: 
"Há é uma forma diferente de ver e viver a vida, o que nos torna loucos aos olhos dos que levam uma vidinha triste e sem sabor. A nossa, sabe a morangos com chocolate, até, quem sabe, sake e wasabi, se e quando deixamos a parte picante entrar na nossa vida." 
 in "Mal Me Quero", 2010

Por muitos anos só escutava em loop Prefap Sprout. A minha banda favorita, se é que consigo seleccionar uma só música favorita teria de ser esta, com que vos deixo. 
E, como costumo autografar no livro Azul e branco às riscas - porque eu acredito

We’re building our home upon love and respect 
And when we’ve built it we’ll call it Andromeda Heights

Folks in the valley will look up and say
'You've finally built it, can we come and stay?' 
And cynics will marvel and say, 
'we confess, there were times when we thought it was just an address.' 
But now that we've seen it, we know it's Andromeda Heights 








 













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