Sabem como é? Ir no carro, de cabelos ao vento, à velocidade de mil pensamentos, embrenhados nos problemas do nosso corrido dia-a-dia e, num repente, a música que passa no rádio transporta-me ainda mais célere para um doce 'rincón' de minhas memórias, uma música dos anos setenta!... e é tão tão Evo!!!
Minnie Riperton - Loving you
Hoje deixo-vos com esta melodia inebriante e com um dos meus capítulos favoritos do livro Evo, «Sábado», o capítulo que «ELE» delicadamente diz tudo sem dizer nada
Sábado
«Jamás me perdonaré termos desencontrado as nossas vidas de forma tão leviana. Olho de relance as fotos sobre a mesa enquanto busco um cigarro no maço e parece-me que oiço Anita, a engraçadinha, que trocista sempre cantarolava baixando o tom e enrouquecendo a voz a tentar imitar Joaquín Sabina:
«Enciedo un cigarrillo y otro más
Un día de estos he de plantearme
Muy seriamente dejar de fumar»
Cresce-me uma raiva surda e amarga ao reler este princípio que podia não ter tido fim. Agimos de forma irreflectida connosco mesmos. Éramos muito novos, alegaria a Ana anos depois, fuimos unos gilipollas, era o que dizia, o que ainda digo.
Naquela altura era diferente. El deseo matava a minha segurança, parecia un virgencito disparatado, caramba!, nem sequer a enlacei e beijei uma única vez!!
E aquele sentir tan largo que me aquecia as entranhas e toldava as ideias, confundia-me tanto…
Afasto a manta de mim e levanto-me do sofá. Noite sem estrelas, logo hoje!, !!hace un tiempo de la hostia!! Agora apetecia-me tanto ficar unicamente a olhá-las… sempre o faço, ahhh! Anita tinha razão no que escrevera, não se enganara, sempre, mas sempre me lembro da nossa combinação, e mais!, eu não tinha a menor dúvida que ela faria igual, onde quer que estivesse, em que situação fosse... por toda a sua vida!
Sento-me num toco de árvore que tenho como banco e ali fico, aparentemente entretido no torpor quente e ondulante das chamas. Atiro a ponta do cigarro para o lume e acicato o fogo crepitante que tranquilamente cuida que me aquece a alma enquanto me quedo perdido nos meus mais intensos pensamentos.
Acredito que este mundo precisa de pessoas assim, melhores, equilibradas e bem formadas, na verdade são as que naturalmente se reúnem no decorrer de suas vidas – ou como a Anita, com graciosidade, chamava aos amigos mais chegados, «a sua tribo» – como se as pessoas se reconhecessem como seres iguais e naturalmente se congregassem com um vínculo criado naturalmente a que chamamos amizade.
A Ana era eu sem o ser, e vendo-me numa outra pessoa como eu era, sou, inebriava-me na sua beleza e candura, encantava-me na sua bravura e inteligência e deixava-me transportar numa imensidão de palavras que calavam um silêncio que nunca deveríamos ter deixado instalar.
Sinto o espírito esvaziado, mas a cara quente e os olhos a picarem do calor emanado.
Ao contrário de Ana, soube que nunca iria ser amado assim, que nunca mais iria amar tão intensamente.»
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